Responsabilidade civil na coleta e no armazenamento de células-tronco embrionárias

26 de março de 2013

Compartilhe:

O avanço da medicina – em especial no campo da biologia celular – trouxe nova esperança para o tratamento de diversas patologias, que consiste na coleta e no armazenamento de material biológico (células-tronco) extraído do cordão umbilical de neonatos, pelo regime da criopreservação.

As células mais primitivas do corpo humano, de origem embrionária são denominadas células-tronco (stem cells), com potencial para gerar qualquer tecido do organismo.
Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram armazenados no Brasil, até 2010, cerca de 45 mil unidades de sangue de cordão umbilical. Desse total, apenas 8 foram utilizados para transplante. Esses dados constam no 2º Relatório1 de Produção de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário para Uso Autólogo (BSCUPA), publicado em 2011.

Essa alvissareira descoberta importou no surgimento de diversas empresas especializadas na atividade de coletar e armazenar esse material biológico que, segundo diversos estudos, pode ser útil no tratamento de diversos males. Fundamentalmente, essas empresas atuam como bancos de sangue de cordão umbilical.

Por ocasião do presente estudo, cabe-nos vasculhar o terreno da responsabilidade civil em casos de falha na prestação desse serviço, seja (i) pelo não comparecimento de funcionário da empresa no momento do parto; (ii) por armazenamento impróprio; ou (iii) por descongelamento inexitoso.

A título de registro, cumpre mencionar que, em maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), ficando assim autorizadas as pesquisas científicas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, pela inexistência de violação do direito à vida. Entendeu-se, por ocasião daquele emblemático julgamento, que a Lei nº 11.105/2005 propicia o “enfrentamento e a cura de patologias e traumatismos que severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e, não raras vezes, degradam a vida de expressivo contingente populacional” (ADI 3510, Relator Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/5/2008, DJe-096 DIVULG 27-5-2010 PUBLIC 28-5-2010 EMENT VOL-02403-01 PP-00134 RTJ VOL-00214- PP-00043).

O objeto do presente estudo, todavia, está circunscrito à questão da responsabilidade civil das empresas por motivo de falha na prestação do serviço de coleta e armazenagem de células-tronco embrionárias.

Inicialmente, releva ressaltar que a natureza da relação contratual encetada entre a pessoa física e a empresa especializada na coleta do material biológico é regida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, o art. 2º da Lei nº 8.078/90 considera consumidor qualquer pessoa que adquira produto ou serviço como destinatário final. Logo, pode-se dizer que o ajuste, embora formalizado por qualquer dos genitores, compreende a unidade familiar (pai, mãe e nascituro) como destinatária da contratação, não apenas porque os estudos apontam que os ascendentes também são potenciais beneficiários do material biológico extraído do cordão umbilical de seus filhos, mas, sobretudo, porque o serviço contratado exaure-se na utilização – e para o bem – da própria família, sem qualquer intuito de repasse ao mercado de consumo.

No campo doutrinário, Fábio Ulhoa Coelho2 adverte que a expressão “destinatário final” deve ser associada ao conceito de “insumo” (produto ou serviço indispensável à atividade econômica). Por seu turno, José Geraldo de Brito Filomeno3defende que “destinatário final” é conceito indissociável da atividade econômica, e exige a verificação da ocorrência do repasse do produto ou serviço ao mercado de consumo.

É induvidosa, por outro lado, a condição de fornecedor das empresas que prestam serviço de coleta e armazenamento das células-tronco embrionárias, nos moldes do art. 3º, parágrafo segundo, do CDC4.

Esclarecida a natureza jurídica do contrato, passemos à verificação da responsabilidade civil propriamente dita, caracterizada quando o resultado da contratação não atinge seu objetivo.

Primeiramente, cumpre atentar para a redação do art. 14 da Lei nº 8.078/90, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
§2º. O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

A primeira hipótese de falha na prestação do serviço consiste na ausência de funcionário da empresa contratada no momento do parto. O primeiro ponto a ser considerado diz respeito à ciência da empresa quanto à data do parto. Geralmente, os contratos impõem ao contratante a obrigação de contatar a empresa algumas horas antes do nascimento para que um funcionário seja deslocado para realizar a coleta.

Essa antecedência é um ponto polêmico na contratação, pois não se pode assegurar o momento exato do nascimento, salvo em casos de parto por cesariana agendado previamente. Além disso, diversos fatores externos podem comprometer o deslocamento do funcionário até o local do procedimento, tais como trânsito, distância, etc. Por último, não se pode deixar de considerar a forte emoção dos pais nos momentos que antecedem o parto, sentimento esse que pode, justificadamente, comprometer algumas tomadas de decisão, como, por exemplo, ligar para a empresa responsável pela coleta das células-tronco.

É dever das empresas a adoção de controles e cautelas que reduzam a possibilidade de falhas na prestação do serviço, sobe pena de responsabilização civil, especialmente pela aplicação da teoria do risco do empreendimento (art. 14, CDC). Segundo a teoria, todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes, independentemente de culpa. Além disso, é incontroverso na doutrina e na jurisprudência que os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor, e não do consumidor. Além disso, o art. 47 do CDC dispõe que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Logo, deverá a empresa solicitar ao contratante a indicação de uma data prevista para o parto, uma estimativa indicada pelo obstetra, que deverá constar expressamente no contrato. Tendo em mãos essa informação, será dever da empresa monitorar regularmente a evolução da gravidez junto ao cliente anteriormente à data estimada, isso mediante contatos telefônicos com um dos genitores e com o obstetra. Tal conduta, por certo, reduzirá significativamente o risco de não comparecimento de funcionário da empresa no momento do parto.

Contudo, se o parto for realizado às pressas e em data muito anterior àquela prevista no contrato (nunca posterior), a empresa poderá ser eximida da responsabilidade civil desde que, naturalmente, comprove que o consumidor não estabeleceu contato prévio. Não se trata aqui de prova negativa, pois a empresa sempre terá meios e modos de manter armazenadas as gravações das ligações recebidas de seus clientes, que fazem contato por meio de número telefônico previamente indicado pela empresa e dedicado exclusivamente a chamadas dessa natureza. Também será possível a apresentação do histórico de ligações recebidas num determinado período, bem como o número que estabeleceu o contato. Tal providência, inclusive, poderá ser obtida mediante simples ordem judicial dirigida às empresas de telefonia para fornecimento das informações necessárias à elucidação do fato.

Mas se o contrato for silente quanto à data estimada do parto, se não houver prova do monitoramento, se o contrato for lacunoso, se a empresa adotar uma postura inerte – atribuindo ao consumidor a maior parte da responsabilidade pelo êxito do objeto do contrato –, não restará alternativa senão reconhecer a responsabilidade civil e o direito indenizatório.

Nada obstante, ainda que a coleta do material biológico tenha transcorrido de modo regular, haverá responsabilização civil da empresa contratada se o subsequente armazenamento for feito de modo impróprio, contrário às exigências impostas pela literatura médica.

Naturalmente, empresas que se prestam a fornecer um serviço dessa importância e complexidade devem sofrer rigorosa fiscalização por parte do Poder Público, especialmente diante da notória hipossuficiência técnica do consumidor (parte vulnerável na relação contratual) de inspecionar a regularidade do acondicionamento de seu material biológico. Essa fiscalização não retira a importância dos relatórios periódicos que a empresa deve remeter aos clientes sobre o estado de conservação do material coletado, pelo dever de prestar informação adequada e clara sobre o serviço contratado, inclusive quanto a possíveis riscos (art. 6º, III, CDC).

É certo que, em caso de insatisfação por parte do consumidor quanto à qualidade do serviço, será plenamente possível a rescisão do contrato de armazenamento a qualquer tempo, transferindo-se o material biológico para outro banco de sangue, público ou privado, diante do princípio que rege a liberdade de contratar, isso sem prejuízo de posterior encontro de contas.

Temos ainda a questão do eventual insucesso no processo de descongelamento do material armazenado, que não pode ser assegurado em razão das próprias limitações e incertezas da medicina. Porém, é obrigatório que esse risco esteja expressamente previsto em contrato (dever de informar), com o necessário destaque e em letras legíveis, como ordena o art. 54, parágrafos terceiro e quarto, do CDC:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

(…)

§ 3º. Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§ 4º. As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Com efeito, o art. 30 do estatuto consumerista prevê que:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

E o art. 53, § 3º, da lei em questão estatui que os contratos de adesão escritos devem ser redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

Nesse contexto, é fundamental consignar que, em contratos de prestação de serviço para coleta e armazenamento de células-tronco embrionárias, a obrigação assumida pela empresa sempre será de meio, nunca de resultado, bastando a comprovação de que, ao longo de todo o processo, foram adotadas as medidas e técnicas adequadas ao procedimento médico.

Quanto ao tema, confira-se o elucidativo fragmento do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 992.821/SC, em que foi relator o eminente Ministro Luís Felipe Salomão:

A obrigação do médico, em regra, é de meio, isto é, o profissional da saúde assume a obrigação de prestar os seus serviços atuando em conformidade com o estágio de desenvolvimento de sua ciência, com diligência, prudência e técnicas necessárias, utilizando os recursos de que dispõe – elementos que devem ser analisados, para aferição da culpa, à luz do momento da ação ou omissão tida por danosa, e não do presente –, de modo a proporcionar ao paciente todos os cuidados e aconselhamentos essenciais à obtenção do resultado almejado. Portanto, como se trata de obrigação de meio, o resultado final insatisfatório alcançado não configura, por si só, o inadimplemento contratual, pois a finalidade do contrato é a atividade profissional médica, prestada com prudência, técnica e diligência necessárias, devendo, para que exsurja obrigação de indenizar, ser demonstrada a ocorrência de ato, comissivo ou omissivo, caracterizado por erro culpável do médico, assim como do nexo de causalidade entre o dano experimentado pelo paciente e o ato tido por causador do dano. (REsp 992.821/SC, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/8/2012, DJe 27/8/2012)

Uma vez comprovada a responsabilidade civil da empresa por falha na prestação do serviço, devem ser ressarcidos, a título de danos materiais, todos os valores comprovadamente despendidos pelo consumidor durante a vigência do contrato frustrado, como informam incontáveis precedentes jurisprudenciais.

Todavia, a indenização moral pode gerar alguma controvérsia. A princípio, o inadimplemento contratual não é capaz de configurar danos morais, pois geralmente é associado a inconformismos cotidianos, que não ultrapassam a fronteira do mero aborrecimento. Inclusive, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possui o Enunciado Sumular nº 75 sobre a questão, nos seguintes termos:

Enunciado Sumular nº 75. O simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte.

Parece bastante evidente que a hipótese tratada no presente estudo não pode ser enquadrada no campo do mero aborrecimento, e isso porque a decisão de coletar células-tronco é fruto de intensa reflexão dos pais, preocupados em assegurar o bem de sua prole no futuro, confiando no permanente desenvolvimento da medicina. Além disso, como a coleta somente pode ocorrer no momento do parto, a falta cometida pela empresa contratada causará profunda angústia e abalo emocional nos pais, que ficarão privados daquele que é hoje considerado um dos principais trunfos da medicina no combate de diversas doenças.

Mas, por outro lado, pode-se admitir que a ofensa moral indenizável seria inexistente em tais situações, por se tratar de dano presumível, hipotético, justamente em razão das incertezas em torno das reais capacidades terapêuticas das células-tronco. Seguindo esse raciocínio, não haveria sequer a possibilidade de aplicação da teoria da perda de uma chance, originária do direito francês (perte d’une chance), pela inexistência de prejuízo real. A tristeza dos pais pela frustração do negócio poderia até ser considerada, mas com fixação de uma indenização em valor moderado, condizente com a extensão do dano. E a própria medicina ainda não assegura o resultado satisfatório das células-tronco, sendo certo, ainda, que o avanço da ciência poderá propiciar a descoberta de novas técnicas revolucionárias para tratamento de doenças, semelhantes ou mesmo superior às células-tronco.

Depois de refletir detidamente sobre o tema, concluí pela existência do dano moral indenizável, justamente pela perda de uma chance, por entender que a família (pai, mãe e filho) será privada de uma vantagem real no futuro. Além disso, há inegável angústia e abalo emocional para os pais, pela impossibilidade de dispor de um material que a ciência considera valioso. E estudos científicos indicam que as células-tronco já são utilizadas com sucesso no tratamento de alguns tipos de cânceres, deficiências imunológicas e doenças genéticas. Penso que o avanço na ciência, com possibilidade de surgimento de novas técnicas de tratamento, não pode servir de justificativa para afastar ou abrandar a indenização moral. O reconhecimento do dano e a quantificação da indenização devem ser pautados de acordo com o momento histórico atual, desconsiderando-se especulações teóricas subjetivas e incertas.

Ao se pronunciar sobre a teoria da perda de uma chance, o ilustre Prof. Sérgio Cavalieri Filho5 assinala, com a habitual percuciência jurídica, que:

(…) Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de evitar uma perda. O direito pátrio, onde a teoria vem encontrando ampla aceitação, enfatiza que “a reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo” (Caio Mario, Responsabilidade Civil, 9. ed., Forense, p. 42). É preciso, portanto, que se trate de uma chance séria e real, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. Aqui, também, tem plena aplicação o princípio da razoabilidade. A chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de fato consumado, não hipotético. Em outras palavras, é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. Não se deve, todavia, olhar para a chance como perda de um resultado certo porque não se terá a certeza de que o evento se realizará. Deve-se olhar a chance como a perda da possibilidade de conseguir um resultado ou de se evitar um dano; devem-se valorar a possibilidade que o sujeito tinha de conseguir o resultado para ver se são ou não relevantes para o ordenamento. Essa tarefa é do juiz, que será obrigado a fazer, em cada caso, um prognóstico sobre as concretas possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado favorável. A perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis.

A jurisprudência de nossos Tribunais já enfrentou a questão anteriormente, tendo se posicionado da seguinte forma:

Responsabilidade civil. Controvérsia entre consumidores e empresa especializada em coleta e armazenagem de células-tronco embrionárias. Falha na prestação do serviço, caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto, que restou incontroversa. Exegese dos artigos 302 e 334, III do CPC. Inadimplemento contratual, que por sua própria natureza, mostrou-se capaz de repercutir na esfera de dignidade dos genitores do menor. Terceiro autor, bebê de tenra idade, que, contudo, não dispunha de consciência capaz de potencializar a ocorrência do alegado dano moral. Inaplicabilidade da teoria da perda de uma chance à hipótese dos autos, considerando-se que não restou evidenciada uma probabilidade real de obter vantagem certa ou evitar determinado prejuízo. Graves conseqüências do ato ilícito, fruto de grosseira falta de cautela com que atuou a empresa ré, a ensejar a aplicação da função punitiva da responsabilidade civil, em conjunto com o paradigma meramente reparatório. Montante indenizatório que merece ser majorado para R$15.000,00 (quinze mil reais), em favor de cada um dos genitores do menor. Primeiro apelo parcialmente provido, declarando-se prejudicados os demais, esclarecendo-se, de ofício, que os ônus sucumbenciais devem ser distribuídos conforme o êxito de cada um dos litisconsortes ativos. (0164767-38.2009.8.19.0001 – APELAÇÃO – DES. CELSO PERES – Julgamento: 12/1/2011 – DÉCIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO)

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CRIOGENIA. COLETA DE CÉLULAS-TRONCO NO MOMENTO DO PARTO E POSTERIOR ARMAZENAMENTO. NÃO COMPARECIMENTO DE FUNCIONÁRIO DA EMPRESA NO MOMENTO DO PARTO QUE INVIABILIZOU O OBJETO DO CONTRATO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
1. O momento do parto é a única oportunidade possível para coleta do sangue do cordão umbilical para posterior armazenamento de células tronco (stem cells), pelo regime de criopreservação.
2. Embora a Ré atribua aos contratantes a responsabilidade pelo descumprimento do contrato, pois confessadamente deixaram de informar o momento exato do parto, é certo, por outro lado, que o nascimento ocorreu no local e no período estimado na ficha cadastral de fls. 45. E, além disso, a contratação foi oferecida dentro da própria maternidade, o que levou os contratantes à conclusão de que haveria um funcionário preparado para a coleta no dia do nascimento.
3. O contrato é silente acerca da obrigação do contratante de entrar em contato com a empresa para comunicar o momento exato do parto, sendo que o material publicitário, por sua vez, enfatiza a presença da ré nas maternidades 24 horas por dia, 7 dias por semana.
4. A Lei nº 8078/90 estabelece, em seu art. 47, que os contratos serão interpretados da forma mais benéfica para o consumidor e, em seu art. 6º, III, que a informação será prestada de forma adequada e clara.
5. Da análise dos autos, tem-se que o contrato de adesão elaborado pela ré não é suficientemente claro, gerando dúvida e insegurança para o consumidor.
6. Afigura-se impositiva a adoção da teoria da perda de uma chance, pois, de fato, os Autores perderam uma chance real de obter uma vantagem no futuro, ou evitar um prejuízo.
7. Dano morais que comportam majoração para R$40.000,00 (quarenta mil reais) para cada Autor, em atenção ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade e considerando a extensão do dano, sua duração, a capacidade econômica do ofensor, a reprovabilidade da conduta e desestímulo à reincidência. Tal montante não é irrisório a ponto de estimular a perpetuação da conduta ilícita, tampouco exorbitante, que gere enriquecimento sem causa.
8. Doutrina e jurisprudência sobre o tema.
9. Desprovimento do primeiro apelo e provimento parcial do recurso adesivo, apenas para majoração da indenização moral. (0121698-24.2007.8.19.0001 – APELAÇÃO – DES. LUCIANO RINALDI – Julgamento: 23/5/2012 – SÉTIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO).

A quantificação da indenização por danos morais deve ser fixada sempre em atenção ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a extensão do dano, sua duração, a capacidade econômica do ofensor, a reprovabilidade da conduta e desestímulo à reincidência. E, segundo orientação jurisprudencial assentada pelo Superior Tribunal de Justiça, o quantum indenizatório não pode ser irrisório a ponto de estimular a perpetuação da conduta ilícita, como também não pode ser exorbitante de modo a gerar enriquecimento sem causa.

Por fim, é certo dizer que a frustração na coleta e armazenamento de células-tronco por culpa da empresa gera o dever de indenizar, por causar forte abalo emocional nos consumidores lesados, agravado a cada novo avanço da medicina no campo da biologia celular, porquanto estarão privados da utilização desse importante elemento celular no tratamento de doenças que, em maior ou menor grau, surgirão em algum momento de suas vidas.

Notas _________________________________________________________________________________

1 http://s.anvisa.gov.br/wps/s/r/cv9

2 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. p. 95.

3 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor, p. 38.

4 Art. 3º . Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter

5 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito de Consumidor. São Paulo. Editora Atlas, 2008, p. 74-75.