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Seguros como sempre, indispensáveis como nunca

4 de dezembro de 2020

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Seminário debate a mais recente jurisprudência dos tribunais em relação aos Seguros, setor que ampliou participação no PIB durante pandemia

Reduzir as assimetrias de informações entre consumidores, seguradoras, órgãos reguladores e o Poder Judiciário, para ajudar a reduzir a litigiosidade nas relações contratuais de seguros. Com este objetivo, a Revista Justiça & Cidadania e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg) têm promovido anualmente o Seminário Jurídico de Seguros.

A edição desse ano, realizada pela primeira vez em formato virtual, apresentou três temas jurídicos que provocam insegurança no setor: os limites das coberturas dos seguros de vida nos casos de invalidez; a taxatividade do Rol de Procedimentos de Saúde definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); e a competência da Justiça Federal nas causas em que se discute contratos de seguros vinculados à apólice pública de seguros do Sistema Financeiro de Habitação.

O destaque ficou por conta da participação de vários ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que detalharam a mais recente jurisprudência sobre estes temas nas cortes superiores. Com coordenação científica do Ministro do STJ Luis Felipe Salomão, o Seminário contou também com o apoio institucional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da Escola Nacional da Magistratura (ENM) e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados (Enfam).

Amparo na pandemia – “Durante esse dramático período da pandemia, os seguros vêm demonstrando sua importância, amparando muitos milhares de pessoas que foram ou estão sendo vítimas de toda espécie de infortúnios”, disse na abertura o Presidente da Confederação Nacional das Seguradoras, Márcio Coriolano. Segundo ele, a média de pagamento anual em indenizações, pecúlios e rendas no Brasil se aproxima de R$ 260 bilhões. Valor que deverá ser superado esse ano, devido aos efeitos da pandemia, que embora ainda não tenham sido totalmente contabilizados, já permitem antever ampliação da participação do Setor na composição do Produto Interno Bruto (PIB).

Em sua saudação, o Ministro Humberto Martins ressaltou que “o momento impõem que as atividades econômicas sejam cada vez mais amparadas pelos seguros”. Para o magistrado, os debates do Seminário vão trazer maior segurança jurídica a diversos aspectos da área: “A realização desse evento representa a certeza de que o Poder Judiciário brasileiro está atento e alerta às questões que permeiam a atividade securitária”.   

Conceitos de invalidez – O primeiro painel, realizado em 4 de novembro, discutiu “As Incapacidades nos seguros de pessoas na visão do STJ”, com abordagens complementares da questão sob os pontos de vista médico, econômico e jurídico. O médico Roberto Albuquerque, que é membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Seguros, introduziu a discussão com a diferenciação entre os conceitos de invalidez laboral permanente e invalidez funcional permanente.

Segundo o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, foi justamente a dificuldade de conceituação dessas duas situações que levou a Superintendência de Seguros Privados (Susep) a editar, em 2005, a Resolução Normativa nº 302, que veta a oferta genérica de invalidez permanente por doença. No STJ, ainda segundo o magistrado, o principal precedente é da relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no Resp 1.449.513/SP, que nega haver abusividade nas cobertura por invalidez funcional permanente, porém reforça a necessidade da seguradora esclarecer previamente o consumidor sobre o tipo de cobertura contratada e suas consequências, de modo a não induzi-lo a erro.

Utilização indevida – O Núcleo de Gestão de Precedentes do STJ, presidido pelo Ministro Sanseverino, teria identificado 234 decisões monocráticas envolvendo idêntica controvérsia e 117 recursos especiais e agravos em recursos especiais. O que levou o precedente do Ministro Cueva a ser afetado como recurso representativo de controvérsia, tema 1.068, que deverá ser julgado em breve para definir a legalidade da cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente por doença nos seguros de vida em grupo.

O Presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos da CNseg, Washington Luís da Silva, pontuou que essas apólices oferecem coberturas distintas e que, exatamente por isso, possuem preço distintos. Para ele, se as pessoas “contratam uma coisa e querem receber outra” e isso acabar ocorrendo “por erro da seguradora ou por  decisão judicial”, o efeito é o desequilíbrio no mútuo, que pressiona o aumento do valor dos prêmios e, consequentemente, impede que mais pessoas tenha acesso às coberturas.

Em sua participação, o Ministro João Otávio de Noronha, ex-Presidente do STJ, reforçou que todos os agentes envolvidos na relação do contrato de seguros têm o dever de proteger o mutualismo. O magistrado salientou a utilização indevida como uma situação amplamente negativa para a mutualidade: “Receber indenização por um contrato que não foi contratado fere o mutualismo, descapitaliza o fundo, gera pagamento indevido e, em última instância, a insolvência do fundo que garante o pagamento de todas as indenizações”. 

Rol da ANS – O Seminário teve continuidade em 11 de novembro, com painel sobre o Rol de Procedimentos da Saúde Suplementar, que é a lista de exames, terapias e medicamentos que as operadoras privadas são obrigadas a oferecer, conforme os tipos de planos de saúde, atualizada bienalmente pela ANS.

Com diferentes abordagens, o especialista em Medicina de Seguros Denizar Vianna e o Procurador-Geral da ANS Daniel Tostes apresentaram os fundamentos e etapas dos processos de avaliação para a incorporação de novas terapias, medicamentos e tecnologias de saúde ao Rol da ANS. Eles frisaram que o açodamento desse processo de avaliação de tecnologias em saúde pode causar prejuízos para os 47 milhões de usuários dos planos privados, bem como à sustentabilidade econômica da operadoras.

Equilíbrio x engessamento – Com um olhar a partir do Direito Regulatório, o constitucionalista Gustavo Binenbojm reforçou a preocupação de que a não observância do caráter taxativo do Rol possa colocar o setor sob constante ameaça de riscos sistêmicos. Ele lembrou que as escolhas não devem ser apenas legítimas, mas também eficazes – no caso específico, garantindo o equilíbrio atuarial dos contratos. “Se a cada surgimento de novas tecnologias e medicamentos o Poder Judiciário, em casos concretos, interpretando o Rol de procedimentos como meramente exemplificativo, acrescer procedimentos sem respeitar o mesmo Rol, (…) o efeito sistêmico será um desequilíbrio, pelo menos atuarial, que pode comprometer as coberturas”, pontuou Binenbojm.

Em contraponto, o Ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro disse que “as coisas não são tão pacíficas assim quando se chega ao Judiciário”. Após apresentar um panorama da jurisprudência sobre o tema na 1ª Seção (Direito Privado), o magistrado opinou que, embora a previsibilidade absoluta seja a situação ideal, não se pode “engessar” o Poder Judiciário. Em resposta à taxatividade absoluta do Rol pregada pelos que o antecederam, o Ministro Moura Ribeiro disse que “há situações tormentosas que precisam e devem ser analisadas caso a caso“, nas quais “quem tem que decidir se o medicamento é ou não adequado, sem dúvida alguma, é o profissional médico“.

Princípio da deferência – Fechando o painel, o Ministro Luis Felipe Salomão opinou que apesar da necessidade de preservar o mutualismo, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio para frear a “judicialização quase alucinada” na saúde privada. O pano de fundo da questão, segundo ele, é a discussão quanto ao princípio da deferência, pelo qual as regras das agências reguladoras precisam ser observadas pelos julgadores, desde que sejam razoáveis. Porém não é razoável, segundo o Ministro, a demora de dois anos para a atualização do Rol: “A despeito da segurança científica, técnica e jurídica que precisa haver, no mundo de hoje dois anos é uma eternidade, sobretudo para quem enfrenta uma doença terminal. (…) A burocracia não pode superar a necessidade”.

“É preciso um meio termo. O Rol é taxativo e isso tem que ser prestigiado no âmbito da ANS, mas é preciso encontrar mecanismos de eficiência em sua atualização, sem comprometer, é claro, a equação do contrato e o equilíbrio nessas relações”, acrescentou Salomão.

Seguro habitacional – No final de junho desse ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo importante para encerrar questão de competência judicial que se arrasta há mais de uma década, com o julgamento do Recurso Extraordinário 827.996/PR, afetado como tema de repercussão geral 1.011. O julgamento delimitou, dentre outras diretrizes, a competência da Justiça Federal nas “causas em que se discute contratos de seguros vinculados à apólice pública” do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). O impacto do tema 1.011 foi o tema do painel de encerramento do 3º Seminário, em 18 de novembro.

A participação das seguradoras privadas no SFH sempre foi vista pela Susep, conforme admitiu seu Procurador-Geral, Igor Lourenço, como uma atividade de mera intermediação. Porém, as empresas até então foram forçadas a atuar em ações judiciais na defesa da reserva técnica obrigatória dos seguros habitacionais, o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), com dispêndios ressarcidos apenas após o trânsito em julgado das sentenças.

Em 2018, de acordo com o representante das seguradoras Gustavo Fleichman, cinco das maiores seguradoras no ramo tinham um passivo a receber do Fundo na ordem de R$ 2,5 bi, com a expectativa de desembolsar outros R$ 20 bi até 2025. Porém, segundo ele, a partir da decisão do STF, a Caixa Econômica, administradora do Fundo, agora estaria obrigada a participar das ações judiciais que possam representar riscos ao SH/SFH.

Julgamento pendente – O Ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria falou sobre os reflexos da decisão do STF que já são percebidos no âmbito do STJ. Ressaltou que as diretrizes de uma repercussão geral têm efeito vinculante para todas as instâncias do Judiciário e comentou que ele próprio, em decisões monocráticas, já tem aplicado o precedente. Lembrou, contudo, que ainda resta julgar o conflito de competência 140.456/RS, que vai decidir se a matéria deve ser julgada pela 1ª ou pela 2ª Seção do STJ.

Para o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, trata-se de um dos mais espinhosos temas que já enfrentou no Tribunal. Ele lembrou que no julgamento de um recurso repetitivo na 2ª Seção o assunto foi tratado de maneira muito conturbada: “Os debates foram muito tumultuados, houve vários embargos de declaração e, por fim, o repetitivo que se imaginava que pudesse traçar uma linha clara de definição de competência (…) se tornou na prática inútil, porque era muito difícil aplicar os critérios para efetivamente decidir o juízo competente”.

Com isso, segundo o Ministro Cueva, os gabinetes começaram a ficar com acervos muito grandes de processos relacionados ao seguro habitacional. “Portanto, também partilho desse grande otimismo em relação ao tema 1.011, finalmente julgado pelo Supremo, que estabeleceu critérios bem claros e um marco temporal preciso para delimitar de quem é a competência e para que essas ações possam ter um desfecho”, pontuou o magistrado.

Encerramento – O último painel contou ainda com a participação especial da Superintendente Jurídica da CNseg, Glauce Carvalhal, que apresentou uma avaliação sobre o evento: “Diante do momento de incertezas que vivemos, refletimos muito se seria o caso de fazer o Seminário. Fomos convencidos que sim porque o Seguro é muito relevante para sociedade, merece toda a nossa atenção, debate, aprofundamento e diálogo. Afinal de contas, é um elemento de estabilização da economia e de paz social. Ao longo destes três dias, tratamos de temas que atingem as vidas de milhares de brasileiros. (…) Obrigado a todos! Até o 4º Seminário Jurídico de Seguros”.