Solução consensual de conflitos ambientais

23 de agosto de 2021

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Solução consensual de conflitos ambientais

O rompimento da Barragem de Fundão, integrante do complexo minerário da Samarco Mineração, localizado no Distrito de Bento Rodrigues, Município de Mariana, em Minas Gerais, provocou, em novembro de 2015, até então o maior desastre socioambiental e socioeconômico da história brasileira.

Passados um pouco mais de três anos, a tragédia se repetiu com o rompimento da barragem B I, na Mina do Córrego do Feijão da Vale, localizada no Município de Brumadinho, também em Minas Gerais.

Esses dois desastres causaram perplexidade em todo o mundo pela dimensão dos danos socioambientais e socioeconômicos e demandaram a atuação rápida e inovadora da advocacia pública mineira, com a adoção de medidas judiciais e extrajudiciais em busca da reparação integral e efetiva de todos os danos causados.

No desastre de Mariana, com o rompimento da barragem, 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro destruíram completamente o distrito de Bento Rodrigues, causando a morte de 19 pessoas. Os rejeitos formaram uma onda, provocando danos socioeconômicos e socioambientais ao longo de toda a bacia do Rio Doce, até chegar ao Oceano Atlântico.

Neste caso, os procuradores do Estado de Minas Gerais, atuando de forma articulada com a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo (PGE/ES), ajuizaram, ainda em novembro de 2015, uma ação civil pública conjunta contra a Samarco Mineração S.A. e suas controladoras (Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda.), obtendo decisão liminar para determinar que as companhias executassem uma série de medidas emergenciais e depositassem, como garantia do cumprimento, R$ 2 bilhões em juízo.

O deferimento da liminar, com fortes medidas constritivas, compeliu as empresas ao diálogo, na busca de uma solução consensual para a lide, culminando com a assinatura, em março de 2016, do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC).

O TTAC previu 42 programas de caráter socioeconômico e socioambiental e teve por objetivo regular de forma centralizada, articulada e efetiva a reparação integral dos danos socioambientais e socioeconômicos decorrentes do rompimento da barragem. Foi criado um modelo inédito de execução das obrigações de reparação, com a organização de um Comitê Interfederativo (CIF), integrado por representantes do Poder Público para a tomada de decisões orientadoras do processo reparatório, e uma fundação privada, cujo único objetivo seria a execução das deliberações do CIF.

A solução consensual deste conflito teve o grande mérito de afastar qualquer discussão jurídica em relação à responsabilidade da Samarco e de suas controladoras pela reparação integral dos danos, eliminando, portanto, toda a fase de conhecimento de um processo judicial convencional. Graças ao TTAC, a reparação ambiental de Mariana não está sujeita aos riscos inerentes à recuperação judicial da Samarco, eis que Vale e BHP são igualmente responsáveis.

Os números do TTAC impressionam. Foram R$ 2 bilhões investidos em 2016 e, nos anos seguintes, a previsão orçamentária de R$ 1,2 bilhão por ano, sem teto de gastos para a reparação. Foram previstos, ainda, R$ 1,5 bilhão para saneamento e resíduos sólidos e R$ 240 milhões/ano durante 15 anos em medidas compensatórias. Até o momento, já foram desembolsados R$ 2,5 bilhões em indenizações e auxílios financeiros. Em 2020, o CIF deliberou pela execução de obrigações de natureza compensatória em valor estimado de R$ 1 bilhão, a ser investido ao longo de toda a Bacia do Rio Doce.

Como forma de aperfeiçoar o TTAC, foi celebrado, em agosto de 2018, o Termo de Ajustamento de Conduta de Governança (TAC-GOV) prevendo dois pontos de aperfeiçoamento: a melhoria do processo de governança previsto no TTAC para definição e execução dos programas, projetos e ações que se destinam à reparação integral dos danos decorrentes do rompimento da barragem e o aprimoramento dos mecanismos de participação das pessoas atingidas em todas as etapas e fases dos programas previstos no TTAC. O TAC-GOV trouxe maior segurança jurídica para o processo reparatório ao incluir como signatários o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e os ministérios públicos e defensorias públicas estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Já no Desastre da Vale, o rompimento da barragem provocou o carreamento de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro pela Bacia do Rio Paraopeba, causando a morte de 270 pessoas.

O rompimento da Barragem da Vale no Município de Brumadinho ocorreu por volta das 12h30 do dia 25 de janeiro de 2019, uma sexta-feira. No final da tarde do mesmo dia, os procuradores do Estado de Minas Gerais já tinham proposto uma ação civil pública e obtido uma decisão liminar, que obrigava a empresa a adotar uma série de medidas emergenciais e a depositar o valor de R$ 1 bilhão, como garantia de cumprimento de todas aquelas medidas.

A atuação rápida e efetiva da advocacia pública, mais uma vez, forçou a atuação colaborativa da empresa. Ainda no domingo, dois dias após o desastre, os advogados da Vale compareceram na sede da AGE para anunciar que cumpririam voluntariamente a decisão liminar.

Desde então, foram vários os avanços na busca pela reparação integral. Já foram obtidos R$80 milhões em ressarcimento das despesas dos órgãos púbicos do Estado de Minas Gerais. Cerca de R$ 13 milhões já foram ressarcidos aos bombeiros de outros estados que trabalharam nas operações emergenciais. Por meio de tratativas, foi obtida ainda a quitação integral de uma multa ambiental no valor de R$ 99 milhões.

Foram ainda obtidos pagamentos emergenciais às pessoas atingidas nos seguintes valores: um salário mínimo por adulto; meio por adolescente e um quarto por criança. Atualmente, são 105 mil pessoas beneficiadas.

Esses acordos parciais pavimentaram o caminho para a solução consensual da ação civil pública ajuizada pelos procuradores do Estado de Minas Gerais, por meio da celebração de acordo, em 4 de fevereiro de 2021, com a participação das instituições do sistema de Justiça, assegurando a reparação integral dos danos ambientais, sem qualquer limitação de valores, e a adoção de medidas reparatórias e compensatórias socioeconômicas da ordem de R$ 37 bilhões.

A integração pioneira dos vários órgãos que compõem o sistema de Justiça vem demonstrando o enorme ganho em eficiência nos resultados alcançados se comparados a outros desastres ambientais cuja reparação/recuperação dos danos sofridos ainda está longe de se tornar uma realidade.

A atuação dos procuradores do Estado, em casos como esses, deve ser rápida na adoção de medidas emergenciais e se pautar por ações concertadas com as demais instituições do sistema de Justiça, forçando as empresas rés a uma postura colaborativa e construindo soluções parciais no âmbito de processos estruturantes.