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Súmula 7 do STJ

5 de abril de 2004

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A introdução das súmulas, visando a facilitar a interpretação do direito proclamado pelos tribunais, resultou do dinamismo do saudoso ministro Victor Nunes Leal, do Supremo Tribunal Federal. Hoje o tema é mencionado em leis. Não só isso. Serve de parâmetro para decisão de recursos pelo Relator. Com efeito, dispõe o art. 38 da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990: ‘‘O relator, no Supremo Tribunal Federal ou no superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou ainda que contrariar, as questões predominantemente do direito, súmula do respectivo tribunal.’’

A Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça encerra o enunciado que segue: ‘‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’’. Esse recurso, a teor do disposto no art. 105, III, da Constituição da República, aprecia as causas decididas, em única ou última instância, pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais dos estados, do Distrito Federal e territórios, quando a decisão recorrida; a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Os casos mais freqüentes dizem respeito à vigência da lei federal infraconstitucional e à uniformização da jurisprudência.

O Superior Tribunal de Justiça, como se nota, analisa o acórdão recorrido para o fim mencionado. Não faz produção de provas, nem promove outra instrução, Impõe-se, contudo, análise do fato. Sabido, é o referencial para a incidência da norma jurídica. Urge, por isso, promover a respectiva interpretação. Importante registro: não se faz investigação probatória, entretanto, possível conferir outra conclusão relativa ao conjunto das provas. As provas chegam conforme a apuração realizada, normalmente, em primeira instância, o que também acontece quando a ação é, originariamente, apreciada pelo tribunal de origem.

Nenhuma decisão judicial prescinde do fato; tanto assim, requisito de petição inicial, no civil, como a denúncia, no juízo criminal, é a descrição da relação jurídica (complexo de direitos e obrigações recíprocos), ocorrente no plano de experiência. Impossível ação esteiar-se exclusivamente no âmbito normativo. Reclama-se, pois, e nisso não vai exceção alguma, suposto fático. Kelsen, ao explicitar a teoria pura do direito, realçou: ‘‘Dado Ft (fato) deve ser P (prestação); dado NP (não prestação) deve ser S (sanção). A teoria tridimensional, largamente explicada e difundida por Reale, seu criador, enfatiza: fato, valor e norma. Os três elementos são inseparáveis: interligam-se de maneira a formar a unidade.

Cossio, in ‘‘La Valoración Jurídica y la Ciência del Derecho’’, Ed. Arayú, Buenos Aires, 1954, pág. 127/128 escreve (a tradução é nossa): ….‘‘a lei vivida é um comportamento com certo valor, de modo que se o caso não se estrutura com o valor em jogo, dentro da lei, o juiz dirá com fundamento que o caso não se ajusta à lei; e, com conseqüência, não será referida, pelo juiz, ao caso como sua estrutura. Este exemplo não é senão um exemplo de como as leis não se referem aos casos; ao contrário, de como estão referidos aos casos pela valoração jurídica’’.

As teorias mencionadas, apesar de suas perspectivas, como se vê, não prescindem do fato.

A sentença, por seu turno, correlaciona a valoração jurídica e as circunstâncias do respectivo fato.

O Superior Tribunal de Justiça, ao se pronunciar, aprecia relações jurídicas, vínculo entre pluralidade de pessoas, conferindo direitos e deveres contrapostos. Todavia, e aqui reside particular importância, tem como causa (constitutiva, declaratória, de conservação, ou desconstitutiva) um fato. Acontecimento, portanto, ocorrido no plano da experiência. O processo trabalha com a história, ainda que restrito a interesses pouco relevantes de duas partes em conflito.

O Recurso Especial, por sua finalidade, manifesta-se-se, nos limites constitucionais: considera fatos. Estes, necessariamente, deverão ser ponderados. A interpretação, no tribunal de origem, não vincula o STJ; este pode, deve promover sua análise a fim de alcançar os elementos de estrutura e circunstâncias. A decisão impuganda é devolvida ao Superior Tribunal de Justiça para reexame.

Ao órgão recursal é admissível conferir-lhe outra interpretação. Cumpre analisá-la. A sentença não é mero trabalho acadêmico; apóia-se na realidade da vida e por isso precisa considerá-la.

O reexame de prova — conforme o enunciado da Súmula 7 — menciona o limite normativo do Recurso Especial. Não se reabre a instrução. A apuração dos fatos está encerrada. O significado normativo de fato, entretanto, é constante, em qualquer juízo, ou grau de jurisdição. Daí, ao Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o acontecimento trazido nos autos, se for o caso, conferir outro entendimento jurídico e, eventualmente, alterar o dispositivo da decisão recorrida. Se assim não for, o julgamento se restringiria a reexame formal, ou seja, se o tribunal teria aplicado, sem mais, a norma atraída pelo fato como entendido na instância de origem.

A propósito, cumpre distinguir a valoração da prova de sua interpretação. Aquela faz juízo de legalidade do meio de prova e do procedimento de sua coleta. A segunda se traduz na adequação do resultado da instrução ao postulado pelas partes.

O Recurso Especial não emite comando meramente declaratório. Vai além, podendo, conforme o caso, ser constitutivo. Só assim alcançará o propósito da Constituição da República.

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