Edição 205
Um Congresso que se distancia da realidade
10 de setembro de 2017
Presidente nacional da OAB
Enquanto o governo federal bateu cabeça para definir a mudança da meta fiscal deste ano e de 2018 em reuniões tão longas quanto inconclusivas, demonstrando a gravidade e complexidade da situação, o Legislativo esbanja. As metas fiscais que previam déficit de R$ 139 bilhões neste ano e R$ 129 bilhões em 2018 agora apontam rombo de R$ 159 bilhões nos dois anos. A situação é grave e assim precisa ser compreendida pelos próprios parlamentares.
O descompasso entre os anseios e necessidades da sociedade e as ações de alguns dos nossos congressistas acentua-se cada vez mais. Saúde, segurança pública e educação perdem verbas. Estados pedem ajuda desesperada ao governo federal. Nem salários conseguem pagar. E nesse cenário de escassez, os partidos são os únicos a receber um volumoso e dispendioso presente.
Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação acumulada de janeiro de 2015 a julho de 2017 foi de 19,31%, algo considerável para o orçamento de qualquer família.
Voltemos agora para 2015. Em setembro daquele ano, motivado por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela OAB, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a partir de então partidos e candidatos não poderiam mais receber financiamento empresarial para suas campanhas.
Os investimentos das empresas nas campanhas políticas alimentavam esse esquema de corrupção que vemos diariamente no noticiário, enriquecendo de maneira ilegal políticos e empresários, na base da troca de favores.
A conta ao final, é paga por todos nós contribuintes, por meio de licitações viciadas, superfaturamentos e todo tipo de desvios do dinheiro que deveria ser utilizado no custeio da estrutura de saúde, educação, segurança, justiça e infraestrutura, condizentes com a alta carga tributária imposta pelo governo.
Enquanto os partidos se articulam de forma totalmente alheia ao desejo do eleitor em busca de dinheiro do contribuinte para financiar suas campanhas, com perplexidade tomamos conhecimento, por exemplo e entre diversos outros, dos cortes sofridos em setores vitais para o combate à criminalidade como o projeto para reforçar a segurança em nossas fronteiras.
Segundo ampla divulgação da imprensa, nos últimos cinco anos a redução de verbas para as Forças Armadas chegou em 44,5%. De 2012 para cá, os chamados recursos discricionários caíram de R$ 17,5 bilhões para R$ 9,7 bilhões (não considerados os gastos obrigatórios com alimentação, salários e saúde dos militares).
Enquanto as Forças Armadas viram sumir algo em torno de R$ 7,8 bilhões de seu orçamento nos últimos anos, os deputados sentem-se à vontade para, numa aventura legislativa, acrescentar cifras fantásticas para suas campanhas. O país já não terá condições de vigiar suas fronteiras contando com a sorte no combate ao tráfico de armas e drogas que financiarão o fortalecimento da bandidagem urbana, como se ela já não fosse suficientemente poderosa, mas certamente terá belíssimas campanhas eleitorais bancadas pelo cidadão.
Não se trata aqui de demonizar partidos. Eles são essenciais para a democracia, mas o custo que pretendem impor a sociedade é absurdo e incompatível com a realidade econômica que enfrentamos.
Cortes profundos vem sendo feitos em áreas absolutamente cruciais para a sociedade, como saúde, educação e segurança. Universidades federais já sofrem com reduções de recursos e atrasos de repasses e as demissões são uma realidade nos campi Brasil afora. Nesse sentido, cabe lembrar a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que limitou os gastos do governo pelos próximos 20 anos, comprometendo dramaticamente áreas cruciais como saúde e educação.
Diferentemente destes itens, cujo custeio deve se dar conforme a demanda – o que infelizmente não acontece no Brasil real – as campanhas deveriam se modernizar, sendo mais objetivas e não produções “hollywoodianas”, recheadas de apelativos truques e emoções baratas, que muito prometem e pouco cumprem.
Temos 35 partidos em atuação no Brasil e outros 63 com pedidos junto ao Tribunal Superior Eleitoral para que sejam oficialmente constituídos. Havendo o acolhimento dos pedidos, para quanto será ampliado o fundo?
Sob o ponto de vista do eleitor – que pouco tem sido ouvido pelos seus eleitos – o investimento de cifras milionárias nos partidos merece uma reflexão por parte de nossos parlamentares. A democracia não tem preço, mas a fatura está alta demais.