Um construtor de pontes: A trajetória do Ministro José Antonio Dias Toffoli

14 de junho de 2021

Da Redação

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No dia em que a República comemorava 78 anos, José Antonio Dias Toffoli nasceu em Marília, no interior do Estado de São Paulo. Naquele dia 15 de novembro de 1967, ninguém poderia imaginar que o filho dos cafeicultores Luiz e Sebastiana estaria destinado a se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e um defensor da Constituição Federal. Mister no qual hoje o Ministro Dias Toffoli se destaca pelo perfil de atuação pragmático, que busca promover soluções jurídicas e a construção de diálogos entre grupos divergentes.

Esse desígnio começou a se cumprir em 1986, quando, aos 19 anos, Dias Toffoli foi aprovado no concorrido vestibular da Faculdade de Direto da Universidade de São Paulo (USP), pela qual se formaria em 1991, com especialização em Direito Eleitoral. E chegou ao seu ápice quando, aos 50 anos, em setembro de 2018, ele tomou posse como presidente do Supremo, dez anos após sua nomeação, pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para a vaga deixada pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que faleceu naquele ano.

Esta trajetória, no entanto, passa por complexos caminhos nos quais o Ministro Dias Toffoli soube consolidar brilhante carreira na área jurídica. Tão logo obteve a graduação como bacharel na “Arcadas”, Toffoli ingressou na advocacia. Dois anos depois, em 1993, tornou-se consultor jurídico do Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais, da Central Única dos Trabalhadores (CUT). No ano seguinte, atuou na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo como assessor parlamentar.

Em 1995, Dias Toffoli assumiu o cargo de assessor jurídico do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, que exerceu até o ano 2000. Atividade que, a partir de 1996, passou a conciliar com sua atuação no magistério, como professor de Direito Constitucional e Direito de Família na Faculdade de Direito do Uniceub, em Brasília (DF). Instituição na qual, anos mais tarde, em 2014, ele se tornaria professor da pós-graduação.

A atuação no âmbito das agremiações político-partidárias conduziu a carreira do jovem advogado ao Poder Executivo paulistano em 2001, quando assumiu a chefia de gabinete da Secretaria de Implementação das Subprefeituras de São Paulo (SP), durante a gestão da Prefeita Marta Suplicy (PT, 2001-2004).

No ano seguinte, Dias Toffoli ampliou sua atuação no magistério quando assumiu as aulas de Direito Constitucional do curso extensivo de atualização para carreiras jurídicas da Escola da Magistratura da Associação dos Magistrados do Distrito Federal (Amagis).

Entre 2003 e 2005, Dias Toffoli esteve à frente da Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Casa Civil da Presidência da República, no primeiro mandato do Governo Lula. Nesse período, se destacou pela iniciativa da instalação do Centro de Estudos da SAJ, criado com a missão de estimular a pesquisa de temas jurídicos relevantes para a administração pública e promover maior intercâmbio entre seus órgãos jurídicos.

No cargo, Dias Toffoli também prestou assessoria à Presidência da República no exame da constitucionalidade e da juridicidade de todos os atos normativos submetidos por ministérios e secretarias especiais. O que compreende propostas de emendas à Constituição, projetos de lei complementar, leis ordinárias, medidas provisórias e decretos, além do exame jurídico de políticas públicas e do assessoramento consultivo à própria Presidência da República e a seus órgãos. No rol de documentos analisados durante esse período estão, por exemplo, a Política Nacional de Saneamento Básico; o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal; o novo modelo do setor elétrico; a Política Nacional de Biossegurança; e o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens (PNPE).

Quando deixou o cargo, em julho de 2005, Dias Toffoli voltou para a advocacia. Somente em 2007 retornaria à vida pública, quando foi nomeado titular da Advocacia Geral da União (AGU), na qual permaneceu até sua nomeação para o Supremo. Durante sua gestão foram criadas a Ouvidora-geral, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, o Núcleo de Gestão Estratégica e a Comissão de Ética da AGU.

Ministro – A posse no STF ocorreu em 23 de outubro de 2009, em solenidade conduzida pelo então presidente da Corte, o Ministro Gilmar Mendes, e à qual compareceram cerca de mil pessoas, entre autoridades do Poder Executivo e do Poder Legislativo federal, além de governadores de diversos estados, representantes de entidades da área jurídica e outros convidados.

Aos 41 anos de idade, Dias Toffoli tornou-se o 162º ministro do STF e também o mais jovem a ocupar o cargo. Seu perfil genuinamente conciliador, que já se destacava ao longo de sua carreira, seria a marca de uma conduta também pautada por profundo conhecimento do funcionamento da administração federal, em razão de sua vivência em diferentes cargos nos três Poderes da República. Simultaneamente, suas ocupações anteriores serviram de pretexto para controvérsias que questionavam sua atuação.

Em 2012, Dias Toffoli foi eleito presidente da Primeira Turma do STF, tendo presidido a Segunda Turma no período de 2015 a 2016. Os dois momentos – marcados, primeiro, pelo julgamento do “Mensalão”, e depois pela operação Lava Jato – foram determinantes para que ele se posicionasse de forma técnica, ética e pautada pela experiência – assim dissolvendo os questionamentos.

Toffoli também compôs o quadro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre 2009 e 2016, primeiro como ministro substituto até 2012, quando se tornou efetivo. Foi vice-presidente daquela Corte no período de 2013-2014 e presidente entre 2014-2015. Em 12 de setembro de 2016, quando a Ministra Cármen Lúcia tomou posse como presidente do Supremo, ele assumiu a vice-presidência da Corte.

Presidente do STF – Quando assumiu a presidência do Supremo, e também do Conselho Nacional de Justiça, em 13 de setembro de 2018, Toffoli indicou que adotaria o mesmo tom que manteve ao longo de sua carreira: o da moderação e do diálogo entre os Poderes. Nos últimos dois anos, no entanto, o cenário político econômico do Brasil, sobretudo após a pandemia do novo coronavírus, a partir de março de 2020, exigiu do presidente do STF a superação de imensos obstáculos para realizar sua missão

A polarização política acirrada a partir de janeiro de 2019, com crescentes ataques ao Judiciário por parte de determinados setores da opinião pública de perfil mais extremado, também requereu novos esforços de manutenção do diálogo institucional. Mesmo diante de questões polêmicas que alimentam essa polarização, Toffoli manteve sua postura de defesa da institucionalidade, dos direitos e garantias formais e fundamentais do devido processo legal. O ministro declara que as tensões entre as instituições sempre existiram na história do Brasil, um reflexo natural da democracia, que deve ser contornado não por meio de arbitrariedades, mas com base na legalidade constitucional, que tem seu maior defensor no Supremo Tribunal Federal.

Em 9 de setembro, com o término de seu mandato na presidência da Corte, Dias Toffoli foi substituído pelo Ministro Luiz Fux. Na mesma data, recebeu  homenagem do Congresso Nacional, em cerimônia que teve a participação dos presidentes da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Não apenas durante o evento, mas também por seus pares, Toffoli foi alvo de elogios por sua atuação corajosa e equilibrada na defesa da democracia e das instituições, mesmo em tempos tão desafiadores. Na ocasião, recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Congresso Nacional pelos “méritos pessoais e profissionais, e relevantes serviços prestados à nação no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal”.

“Não podemos deixar o ódio entrar em nossa sociedade, não podemos deixar o caos entrar em nossa nação. Não podemos deixar as nossas instituições caírem”, afirmou o ministro poucas semanas após deixar a presidência do Supremo, em entrevista sobre a judicialização da política e os conflitos entre os Poderes.

Decisões recentes

Prisão em segunda instância – Em pauta desde 2016, a questão da condenação em segunda instância com possibilidade de prisão ganhou desfecho em novembro de 2019, quando o STF decidiu, por seis votos a cinco, que não é possível a execução da pena após decisão condenatória confirmada em segunda instância. O voto de desempate do julgamento foi dado pelo Ministro Dias Toffoli, que declarou: “Não é a prisão após segunda instância que resolve esses problemas (de criminalidade), que é panaceia para resolver a impunidade, evitar prática de crimes ou impedir o cumprimento da lei penal”.

Fake news – Em junho do ano passado, por 10 votos a um, o STF determinou a legalidade e a constitucionalidade do inquérito instaurado pelo Ministro Dias Toffoli, em março de 2019, com o objetivo de investigar a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas e ameaças contra a Corte, seus ministros e familiares. Pela decisão, são passíveis de investigações atos que incitem o fechamento da Corte, bem como ameaças de morte ou de prisão de seus membros, além de desobediência a decisões judiciais.

Inclusão na Educação – Em dezembro de 2020, o Ministro Dias Toffoli derrubou o Decreto 10.502/2020 que definia a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) e previa, entre outros pontos, o atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência e a criação de escolas e classes especializadas e bilíngues de surdos. O ministro citou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, que estabelece que o País tem o compromisso com a educação inclusiva, sem segregar as pessoas com deficiência da sociedade.

Direito ao esquecimento – Em fevereiro de 2021, como relator de recurso em julgamento, votou pela inconstitucionalidade do chamado “direito ao esquecimento”, que tratava da reinvindicação da proibição de divulgação de informações sobre eventos potencialmente dolorosos ou de alguma maneira prejudiciais à integridade dos envolvidos. O Ministro Dias Toffoli entendeu que impedir o acesso aos fatos obtidos de maneira legal colocaria em cheque a liberdade de expressão

Direito de resposta – Em março de 2021, o Ministro Dias Toffoli julgou ilegal o trecho da Lei do Direito de Resposta, segundo o qual somente uma decisão colegiada pode suspender o direito de resposta concedido por um juiz em veículos de comunicação. Em seu entendimento, poderia incidir na subversão da lógica hierárquica estabelecida na Constituição o ato de coibir que a decisão individual de um desembargador suspenda o efeito de direito de resposta concedido por juiz de primeira instância.

Crimes de honra – Em março de 2021, o ministro proferiu decisão histórica ao conceder parcialmente medida cautelar, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, para firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. “A chamada legítima defesa da honra não encontra qualquer amparo ou ressonância no ordenamento jurídico”, registrou.

Quebra de patentes – Em maio último, o Ministro Dias Toffoli foi o relator no julgamento que derrubou, por nove votos a dois, a patente de medicamentos e equipamentos de saúde cujos prazos de vigência já haviam sido prorrogados e estavam em vigor há mais de 20 anos. Nesse rol estão cerca de 3.500 patentes da área farmacêutica. A decisão do STF foi fortemente influenciada pela pandemia do novo coronavírus, de maneira que seja possível tornar mais ágil a produção de genéricos, entre eles 65 medicamentos de alto custo, utilizados no tratamento de doenças como câncer, HIV e diabetes.

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“Tenho na Constituição e na sua defesa a minha prioridade”

Revista Justiça & Cidadania – Como foi a transição da época em que o senhor se formou para esse contexto atual, em que tanto dependemos das novas tecnologias da informação, desde as tarefas mais corriqueiras até as sessões de julgamento nas cortes superiores?
Ministro Dias Toffoli – Desde que comecei a atuar no Direito, primeiramente como advogado, em 1991, nos primórdios da Internet e da telefonia celular, o modo de vida, e também o sistema Justiça mudaram radicalmente. Mais que uma transição, houve inúmeras e sucessivas quebras de paradigmas no mundo, provocadas pelos avanços vertiginosos das novas tecnologias digitais. A esses saltos, um reforçado sistema de Justiça, concebido pela Constituição de 1988, teve de se adaptar. A boa notícia, se olhamos a resposta do sistema de Justiça brasileiro à pandemia e também compararmos com o cenário internacional, é que o Brasil fez o dever de casa em matéria de tecnologia, de transformação de métodos de trabalho e de capacitação de recursos humanos melhor que a maioria dos demais países. Temos várias boas práticas para compartilhar, testadas há anos e ampliadas na pandemia, que tem sido um desafio que estamos vencendo, para garantir o pleno funcionamento do Judiciário no momento em que a sociedade mais precisava dele.

No Supremo, 97% dos processos já tramitam em meio eletrônico, e na Justiça brasileira o nível de digitalização já alcança 89% dos processos. Mas o esforço em matéria de boas práticas vai além, já que, como sabemos, a digitalização é apenas o primeiro passo de uma necessária transformação de métodos de trabalho. A adoção do teletrabalho no STF, experiência que já durava vários anos e que foi rapidamente ampliada em resposta à pandemia, no ano passado, é outro bom exemplo. E considero que o funcionamento do plenário virtual, que existe desde 2007 e cujo escopo também foi ampliado na pandemia, é uma prática brasileira que se destaca inclusive no cenário internacional. Graças a ela, em boa medida, nos últimos 15 anos o acervo de processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal foi reduzido de 150 mil para 24 mil.

O professor escocês Richard Susskind, autor do livro “Cortes online e o futuro da Justiça”, de 2019, propõe nessa obra a adoção, em caráter experimental, de um modelo de funcionamento em plataforma virtual capaz de demonstrar sua viabilidade. O plenário virtual do STF tem incorporados os principais elementos propostos por Susskind e demonstra, há anos, e especialmente nesta crise sanitária, ter um papel crucial nos resultados da Corte em matéria de prestação jurisdicional: somente em 2020, com mais de nove meses de funcionamento em plena pandemia e com as adaptações regimentais e na plataforma voltadas a garantir a ampla defesa, o STF proferiu cerca de 100 mil decisões, 18 mil delas colegiadas.

RJC – Qual é sua opinião a respeito de questões éticas e da observância do devido processo legal relacionadas às inovações tecnológicas?
DT – As adaptações que promovemos no funcionamento do plenário virtual no ano passado são resultado de diálogo com os demais atores do sistema de Justiça e buscaram dar resposta a preocupações sobre o pleno exercício de suas prerrogativas no ambiente virtual, com plena observância do devido processo. Considero que esse é o caminho, o de buscar soluções para problemas concretos que surjam, porque se trata de uma realidade irreversível e que contribui decisivamente para uma maior celeridade da Justiça, tão reclamada pela sociedade.

A tragédia da pandemia da COVID-19, no caso de sistemas de Justiça como o brasileiro, que tinham capital humano preparado e respostas tecnológicas a oferecer, demonstrou a extrema utilidade das inovações tecnológicas. Aceleraram-se os tempos e foram superadas, pelos fatos, resistências à mudança, que são naturais mas não devem ter o poder de obstar um processo cujos resultados são expressivos, e positivos para o conjunto da cidadania. Por esse motivo não considero que caiba cogitar uma volta ao passado, e sim uma discussão madura e construtiva sobre adaptações ao novo paradigma tecnológico, como ocorreu no caso do STF em 2020, e também em discussões no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Esse novo mundo requer capacidade de gestão redobrada e preocupação com novas questões, como a da cibersegurança e a da proteção de dados. O uso da inteligência artificial é outra dimensão desse debate, e tem merecido a atenção do STF para a possibilidade de futura implementação, mediante um cuidadoso processo de avaliação de seu funcionamento. O projeto VICTOR, por exemplo, fruto de parceria com a Universidade de Brasília (UnB), visa a desenvolver uma ferramenta de inteligência artificial voltada a aumentar a velocidade e eficiência de avaliação judicial e triagem dos processos que chegam à Corte, em apoio aos recursos humanos envolvidos nessas tarefas.

RJC – Quais marcos o senhor acredita ter deixado durante sua passagem pela presidência do Supremo Tribunal Federal?
DT – Deixo aos pares e aos historiadores essa avaliação, mas posso dizer que vivemos um período turbulento na história do Brasil e do mundo e de grande exposição do STF como moderadora de conflitos. Cabe lembrar aqui que, em regra, a Corte é provocada a manifestar-se em relação aos conflitos, não age de ofício. Procurei levar essas dificuldades em conta e não menosprezar os desafios enfrentados pela democracia, promovendo constantemente o diálogo, mas exercendo a autoridade a mim conferida em resposta a crimes e orquestrações antidemocráticas, típicas da era da pós-verdade e que, como sabemos, não se limitam à realidade brasileira.

Minha trajetória, desde as Arcadas, como estudante, e que inclui experiências na advocacia privada e de movimentos sociais e nos três Poderes, está vinculada ao período de mais longa convivência democrática na história da República no Brasil, sob a égide da Constituição de 1988. Como integrante do STF, e com essa experiência acumulada em diferentes âmbitos da vida democrática brasileira, tenho na Constituição e na sua defesa a minha prioridade em matéria de atuação. E no diálogo o meio para que o País possa volta a construir consensos. Consensos esses que nos permitiram, em democracia, vencer problemas crônicos como os da inflação, da desorganização das contas públicas e da dívida externa, e de promover avanços na direção de uma sociedade capaz de fazer valer direitos e garantias fundamentais e de enfrentar problemas crônicos como os da desigualdade e da corrupção, a partir de um marco normativo moderno e também criado pelas instituições democráticas.

RJC – Em março de 2019, ainda na Presidência do STF, o senhor determinou a instauração do inquérito com o objetivo de investigar a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas e ameaças contra o Corte. Qual foi o custo pessoal dessa corajosa defesa do Supremo e do Estado Democrático de Direito?
DT – O inquérito foi, sem dúvida, a decisão mais difícil da minha gestão à frente da Corte, mas qualquer eventual custo não se compara à importância do que estava em jogo para o Brasil, que era a paz social e a própria convivência democrática construída com tantos sacrifícios de tanta gente. Era a minha obrigação, e a sociedade brasileira aos poucos foi compreendendo a importância da defesa das instituições democráticas. A recente decisão do Ministro Alexandre de Moraes de levantar o sigilo do inquérito revela elementos dessas ameaças e alguns de seus agentes e métodos, que incluíram fontes de financiamento inclusive do exterior. A “big lie” disseminada por meio das plataformas tecnológicas quanto à lisura das eleições presidenciais norte-americanas e seus efeitos nefastos, que não se esgotaram com a trágica invasão do Capitólio, em janeiro, nos oferece uma lição histórica sobre a importância da vigilância na defesa da democracia.

Estive e estou atento a essas lições, e a Corte também, como tem demonstrado em várias decisões, entre elas a histórica sessão de junho do ano passado, quando considerou constitucional e legal, por dez votos a um, o chamado “inquérito das fake news”, que jogou e continua a jogar luz sobre essas orquestrações.

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Decisões recentes

Prisão em segunda instância – Em pauta desde 2016, a questão da condenação em segunda instância com possibilidade de prisão ganhou desfecho em novembro de 2019, quando o STF decidiu, por seis votos a cinco, que não é possível a execução da pena após decisão condenatória confirmada em segunda instância. O voto de desempate do julgamento foi dado pelo Ministro Dias Toffoli, que declarou: “Não é a prisão após segunda instância que resolve esses problemas (de criminalidade), que é panaceia para resolver a impunidade, evitar prática de crimes ou impedir o cumprimento da lei penal”.

Fake news – Em junho do ano passado, por 10 votos a um, o STF determinou a legalidade e a constitucionalidade do inquérito instaurado pelo Ministro Dias Toffoli, em março de 2019, com o objetivo de investigar a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas e ameaças contra a Corte, seus ministros e familiares. Pela decisão, são passíveis de investigações atos que incitem o fechamento da Corte, bem como ameaças de morte ou de prisão de seus membros, além de desobediência a decisões judiciais.

Inclusão na Educação – Em dezembro de 2020, o Ministro Dias Toffoli derrubou o Decreto 10.502/2020 que definia a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) e previa, entre outros pontos, o atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência e a criação de escolas e classes especializadas e bilíngues de surdos. O ministro citou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, que estabelece que o País tem o compromisso com a educação inclusiva, sem segregar as pessoas com deficiência da sociedade.

Direito ao esquecimento – Em fevereiro de 2021, como relator de recurso em julgamento, votou pela inconstitucionalidade do chamado “direito ao esquecimento”, que tratava da reinvindicação da proibição de divulgação de informações sobre eventos potencialmente dolorosos ou de alguma maneira prejudiciais à integridade dos envolvidos. O Ministro Dias Toffoli entendeu que impedir o acesso aos fatos obtidos de maneira legal colocaria em cheque a liberdade de expressão

Direito de resposta – Em março de 2021, o Ministro Dias Toffoli julgou ilegal o trecho da Lei do Direito de Resposta, segundo o qual somente uma decisão colegiada pode suspender o direito de resposta concedido por um juiz em veículos de comunicação. Em seu entendimento, poderia incidir na subversão da lógica hierárquica estabelecida na Constituição o ato de coibir que a decisão individual de um desembargador suspenda o efeito de direito de resposta concedido por juiz de primeira instância.

Crimes de honra – Em março de 2021, o ministro proferiu decisão histórica ao conceder parcialmente medida cautelar, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, para firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. “A chamada legítima defesa da honra não encontra qualquer amparo ou ressonância no ordenamento jurídico”, registrou.

Quebra de patentes – Em maio último, o Ministro Dias Toffoli foi o relator no julgamento que derrubou, por nove votos a dois, a patente de medicamentos e equipamentos de saúde cujos prazos de vigência já haviam sido prorrogados e estavam em vigor há mais de 20 anos. Nesse rol estão cerca de 3.500 patentes da área farmacêutica. A decisão do STF foi fortemente influenciada pela pandemia do novo coronavírus, de maneira que seja possível tornar mais ágil a produção de genéricos, entre eles 65 medicamentos de alto custo, utilizados no tratamento de doenças como câncer, HIV e diabetes.