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As dificuldades vencidas

5 de maio de 2000

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(Trecho do discurso de despedida do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro da Presidência do STJ)

Mais de dois anos são passados desde que assumi esta Presidência. Tempos de reforma e CPI do Judiciário. Tempos difíceis. Tudo, porém, ficou para trás e esta Corte, incólume, desponta, na alvorada do terceiro milênio, como órgão judiciário exemplar, modelo de rapidez e eficiência na atividade judicante, transparente na sua atuação e zelosa na sua relação com a comunidade a que serve.

Diversas medidas foram implementadas, todas visando à consecução dos objetivos propostos para esta gestão, entre os quais sobressaiu o compromisso de lutar pela criação de uma cultura de modernização contínua da função judicante; por uma justiça mais célere, acessível, presente e democrática; pela garantia de melhor qualidade na prestação de serviços e pelo aprimoramento do texto constitucional e da legislação processual vigente.

Grandes foram as dificuldades vencidas. Reorganização administrativa. Implantação do plano de carreira. Qualificação profissional. Informatização, com extraordinária agilização dos serviços, administrativos e judiciários. Redução dos “custos operacionais” e do “custo Brasil”. Disponibilização de dados aos interessados e ao público em geral. Motivação dos servidores e humanização do ambiente de trabalho. Mudança de mentalidade para acompanhar as modernas técnicas de gerência implantadas. Consciência e prática do sagrado dever de utilizar, com parcimônia, cada centavo dos dinheiros públicos.  Esse o rumo que se seguiu. Esses são alguns exemplos da ação diuturna adotada pela Administração cujo período hoje termina.

Tudo isso foi feito e toda atividade administrativa orientada com a preocupação constante de facilitar o trabalho desenvolvido pelos Senhores Ministros, de cuja atuação resulta a razão de ser deste Tribunal: zelar pela autoridade e uniformização interpretativa do direito federal. Com esse intuito, os gabinetes dos Ministros foram duplicados; o número de servidores, aumentado; criado o chamado “gabinete virtual” e, com o aprimoramento da informática, a enorme quantidade de papéis que neles transitava foi substituída por impulsos eletrônicos, com grande economia de tempo, trabalho e de dinheiro.

Merece, no entanto, realce especial a preocupação institucional: a vigorosa luta pela independência e pelas prerrogativas do Poder Judiciário. Todos se recordam da intensa batalha travada contra o denominado “percentual redutor” e contra o “controle externo”, ainda em discussão no Congresso Nacional.

Sem prejuízo da autonomia do Judiciário, procurou-se, no período, valorizar a política de harmonia entre os Poderes, em cumprimento ao mandamento constitucional. Tal proceder permitiu a aprovação de leis de grande interesse público, de iniciativa desta Corte. Todos se recordam da Lei n.º 9.756, de 17 de dezembro de 1998, que desburocratizou o processo no âmbito dos Tribunais, permitindo a esta Corte quebrar todos os seus recordes de julgamento no ano passado; da Lei n.º 9.788, de 19 de fevereiro de 1999, que criou cem varas federais e autorizou, a título excepcional, aplicar o “regime de mutirão” nos Tribunais Regionais Federais, com o objetivo de descongestionar o exame dos seus numerosos feitos em andamento. A instalação das varas criadas, além de liberar as já existentes com imenso benefício para a melhor tutela da cidadania, ensejou que, no ano passado, o valor da arrecadação da dívida ativa fosse multiplicado por quatro: passou de um para quatro bilhões de reais, valor quase seis vezes superior às verbas orçamentárias destinadas ao custeio anual da Justiça Federal.

Dois projetos estão em tramitação no Senado, após aprovados, em regime de urgência, na Câmara, ampliando o número de juízes dos cinco Tribunais Regionais Federais. Espera-se, em breve, sejam aprovados e encaminhados ao  Senhor Presidente da República, que já assumiu com esta Presidência o compromisso de sancioná-los.

Entre os diplomas legais, não se pode deixar de referir-se à Lei n.º 9.655, de 2 de junho de 1998, que concedeu abono aos juízes federais com efeitos retroativos a janeiro daquele ano e que contém outras medidas importantes para a carreira da magistratura e para o Poder Judiciário. Foi o citado diploma legal que estabeleceu o percentual de vencimento entre as várias categorias de juízes e, ao congelar o salário dos classistas, deu  início ao processo de extinção da categoria, efetivado pela Emenda Constitucional n.º 24, acabando com o ralo pelo qual se esvaíam significativas verbas públicas destinadas ao Poder Judiciário.

Essa lei teve os seus efeitos suspensos pelo Supremo e é lamentável que, até hoje, não se tenha encontrado solução razoável e transparente para a remuneração da magistratura, com reflexos negativos, até o momento, à imagem do Judiciário.

A Reforma do Judiciário, no que se refere a este Tribunal, tem deixado a desejar, porquanto não conseguiu resolver o seu principal problema, qual seja, o relativo ao exagerado número de processos repetitivos  trazidos à sua apreciação, com grandes prejuízos para o seu trabalho e para a credibilidade da Justiça e do Estado, visto que servem apenas para postergar a formação da  coisa julgada.

Essa tarefa quase sobre-humana só pôde ser efetivada com a ajuda divina e com o apoio incondicional dos eminentes Ministros desta Casa e da qualificada equipe de seus servidores. Diariamente, pedi a Deus, nas minhas orações, que iluminasse a minha consciência e me desse discernimento e forças para cumprir, satisfatoriamente, a minha missão, trilhando o caminho do bem, do direito e da justiça. Com esse intento, reuni todas as minhas energias, sem medir horas de trabalho e tudo fiz para não me deixar entorpecer pelas honrarias do cargo em detrimento dos altos interesses coletivos.

Tive sempre presente ensinamento, repleto de civismo, do insuperável Rui Barbosa, cujo sesquicentenário de nascimento ocorreu no ano passado. Durante muitos anos, quando ainda muito jovem, carreguei, em minha carteira, estas suas palavras, contidas em um recorte de jornal, que, neste ano, fiz imprimir no calendário deste Tribunal, para que pudessem ser lidas e meditadas:

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Nesta Corte, busquei, de forma intimorata, afastar as nulidades, não tolerar a desonra, reduzir, no que estava ao meu alcance, ao mínimo, as injustiças, combater, com veemência e denodo, todos os desvios. Tudo procurei fazer para premiar o mérito, estimular os bons valores e para que ninguém desanimasse da virtude, pudesse rir-se da honra ou ter vergonha de ser honesto.

Ouvindo o eco dos ensinamentos de meus pais, que ainda vibram nesses espaços infinitos e alcançam o recôndito da minha consciência, lutei, com ardor, para vencer as minhas deficiências e, seguindo o exemplo do Apóstolo Paulo, combati o bom combate, encorajando, neste ambiente de trabalho, a caridade, a alegria, a paz, a paciência, a benignidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão e a temperança, contra as quais não existe lei.

Lutei contra as trevas e a favor da luz para que a harmonia entre o céu e a terra prevalecesse e aqueles que aqui trabalham e daqui dependem não ficassem entregues à violência e à injustiça. Tudo fiz para que tanto o pequeno como o grande fossem tratados com igual respeito, sem que um fosse negligenciado em detrimento do outro. Procurei, no afã do dia-a-dia, agir com retidão e tornar este Tribunal mais humano e mais fraterno.

É com todos em festa e com alegria estampada no rosto de cada um que irei transmitir ao meu sucessor, querido amigo e colega de longa data, a honrosa tarefa de manter as esperanças de todos, servidores e jurisdicionados, de realizar os seus sonhos de ser feliz. Para isso não lhe faltam qualidades pessoais, experiência e visão, que serão realçadas pelo ilustre orador oficial desta solenidade, o prezado Ministro Eduardo Ribeiro.