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“Julgar é implantar a paz com justiça”

30 de abril de 2011

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Foi  da bem posta oração e canto de louvor de saudação do desembargador Guilherme Calmon, discursando em nome dos membros do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Rio de Janeiro, que o editor se valeu para produzir o seguinte preâmbulo:
Falando dos empossados administradores do Tribunal, Calmon alude que “exímio conhecimento jurídico e técnico, equidistância às parte litigantes, alta dose de sensibilidade e cuidado às decisões e seus impactos na vida das pessoas e da sociedade civil, são requisitos indispensáveis para ser um magistrado, além da responsabilidade extremada, a conduta proba, honesta e transparente, enfim, a atuação ilibada na gestão do Poder Judiciário que se revelam pressupostos inerentes para o administrador.”
No retrato que traçou dos novos administradores, resumiu: “O Corregedor Regional da Justiça Federal, Desembargador André Fontes, como um magistrado de escol, reúne como poucos os atributos de dedicado profissional do Direito e, simultaneamente, acadêmico de excelência e é, antes de tudo, um humanista, além de Doutor em Direito (UERJ) e Filosofia (UFRJ), Professor Conferencista nas Escolas da Magistratura do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Amazonas, nas Escolas do Ministério Público do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.” E continuou: “O Vice-Presidente do Tribunal é pessoa dotada de humor refinado. O Desembargador Raldênio Bonifácio Costa é daqueles magistrados que têm visão clara das instituições públicas. Dotado de elevado senso de praticidade e cônscio da realidade do mundo que nos cerca, tem trajetória profissional marcada pelo cuidado e estímulo de aperfeiçoamento das instituições por onde passou, com destacada atuação na Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, seja como juiz do tribunal de ética profissional, diretor de cursos jurídicos da OAB e conselheiro daquela entidade. Nesta Corte já presidiu a Comissão de Regimento Interno, órgãos  fracionários (como a 8ª Turma Especializada e a 4ª Seção Especializada), a demonstrar sua vocação também para as atividades de gestão no âmbito do Poder Judiciário.”
Na saudação à Presidente da Corte, Calmon ressaltou “a inteligência, competência, beleza e sensibilidade”, como “dons e atributos que a desembargadora Maria Helena Cisne possui que moldaram a mulher doce e caridosa, e simultaneamente profissional justa e centrada”, motivo pelo qual “ a desembargadora Maria Helena pode hoje se orgulhar do fato de a Justiça Federal da 2ª Região ser comandada por uma mulher muito mais competente, inteligente e legitimada do que a maioria – senão a totalidade dos homens que atuam profissionalmente na área do Direito”, finalizando com exaltação e muita propriedade:
“Neste momento, testemunhamos a realização de um sonho… Não um sonho de verão, mas um sonho conquistado. Conquistado com sacrifício, com sofrimento, com dor, mas também com esperança, desejo, maturidade e alegria. Miremo-nos na beleza e na constante luta pelo bem da nova presidente para construirmos uma nova realidade que seja caracterizada pela maior eficiência e efetividade no exercício da jurisdição de modo a assegurar e promover a dignidade dos brasileiros e brasileiras jurisdicionados no âmbito da 2ª Região da Justiça Federal”.
O editor, que é privilegiado há mais de uma década com a atenção, consideração e amizade dessa mulher magnânima, de beleza interna e externa extraordinárias, que além de reconhecida e conceituada jurista, escritora, poeta de fina sensibilidade, detentora do Troféu Dom Quixote de La Mancha – que lhe foi outorgado pela similitude de ideal e sentimentos com os do lendário Cavaleiro, quando cavalgava pelos campos ensolarados da Espanha, defendendo os desassistidos, injustiçados e deixando exemplos de coragem, dignidade, ética, amor, renúncia, desprendimento e determinação –, também partilha, juntamente com a direção da Revista, da qual a Desembargadora Maria Helena Cisne é constante colaboradora, com orgulho e satisfação, das festividades que coroaram a sua posse e o exercício na presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Discurso da Desembargadora Federal Maria Helena Cisne na ocasião de sua posse na Presidência do TRF-2ª Região
“Há vinte e seis anos, com a alma extasiada de orgulho e esmagada pelo temor da responsabilidade, uma Procuradora da República deixava o MPF e tomava posse no cargo de Juiz Federal da 2ª Região. Dez anos depois, ingressava nesta Corte, cuja presidência tem hoje a honra de assumir.
O que dizer-lhes neste momento em que as emoções são remexidas, em que novas responsabilidades são agregadas, novos desafios despontam?
Busquei, nos arquivos da memória, recuperar os sentimentos, as sensações e as emoções sentidos na época que marcou o início de minha carreira na magistratura. Tão atemorizadores como os de agora, apresentavam-se os desafios de antanho. Com uma ligeira diferença, quase três décadas e muitas lutas separam esses eventos.
Mas temos que aceitar os desafios. Não disse o filósofo que precisamos das adversidades para que a capacidade de luta que há em nós possa revelar-se?
A emoção me invade quando me lembro de trechos do discurso que proferi quando ingressei na magistratura, justificando o porquê de haver deixado um cargo tão importante e do qual me orgulhava tanto – o de Procuradora da República – para abraçar outra carreira. Garanto-lhes: havia uma razão – nada acontece por acaso. Ideais de grande relevância levaram-me a abraçar essa profissão tão difícil que os Evangelhos alertam: ‘Não julgueis para que não sejais julgado.’
Hoje, com a voz embargada de saudade, repito o que à época, com o coração saltitando de alegria, eu disse:

Há muitos anos, uma jovenzinha meio matuta, lá do interior do Espírito Santo, assistia deslumbrada a uma cena cujo alcance não lograva de todo atingir, mas que a encantou a ponto de orientar toda a sua vida futura:  seu pai, lavrador, homem à época de não muitas letras – o patrão, como era chamado – servia de árbitro numa contenda entre dois de seus colonos.
Ali, longe da cidade, onde o Poder Judiciário ainda não chegara para prestar a tutela jurisdicional da corrigenda, seu pai era o juiz.
A sua autoridade não emanava de conhecimentos jurídicos. Não! Era um simples pequeno fazendeiro do interior que lutava, de sol a sol, para sustentar a família. A autoridade dele advinha do respeito que o seu proceder reto inspirava;  da ponderação de suas opiniões que eram, por isso, por todos acatadas.
Aquela jovenzinha, na pureza de seus poucos anos, não sabia ainda distinguir o poder de dizer o que é certo ou errado, de dizer o que deve ser e o que não deve – privativo da magistratura – da simples orientação de um fazendeiro, cuja legitimidade provinha apenas do fato de advir de um homem bom, justo e humano.  Ela confundiu as coisas. Julgou-as iguais, assemelhou-as ao próprio poder de Deus e, ali mesmo, tomou uma resolução: um dia vou ser igual a meu pai; um dia vou ser juiz.
Todavia, não podia imaginar a nossa jovenzinha quão difícil é a função de julgar. Julgar, que não se limita em eleger um vencido e um vencedor. Julgar, que é, sobretudo, proteger a liberdade, resguardar a honra, tutelar o patrimônio, dirimir conflitos e, mais que qualquer outra coisa, implantar a paz com justiça!

Quão grandiosa é essa missão! – pensava eu, extasiada e apreensiva, receosa de não conseguir imprimir a meus julgados a serenidade, a clarividência, a coragem, a compreensão que se exigem de um magistrado.  Sabia eu que sem essas virtudes, por mais culto que fosse o juiz, não conseguiria ele distribuir justiça.  A Justiça equânime, que trata desigualmente os desiguais, na proporção de suas desigualdades, como recordou Rui Barbosa em sua ‘Oração aos Moços’. A Justiça pura, a Justiça do homem bom, a Justiça que dá a cada um o que é seu.
Como ‘não há limites para quem tem a capacidade de sonhar’, a esperança suplantava o medo. Recorro, novamente, ao incomparável Rui Barbosa, que afirmava que a virtude do Juiz é até capaz de suprir as deficiências da lei. Acreditando nisso, supliquei a Deus que me ajudasse a superar minhas próprias deficiências com a vontade imensa de acertar que animava meu coração, e que fosse ela a chama a iluminar o meu caminho.
Hoje, vinte e seis anos após, ao assumir a presidência deste Tribunal por vontade de meus pares, renovei o meu juramento de defender as leis e a Constituição do Brasil.
Novos desafios porém surgiram.
Estamos passando por tempos difíceis. Neste mundo globalizado e excludente – palco de constantes guerras, atrocidades e injustiças, com as pessoas perdendo a capacidade de se emocionarem, efeito da vulgarização da violência que invade nossos lares sem pedir licença, veiculada tanto nas notícias do cotidiano quanto nos divertimentos que são oferecidos aos nossos jovens –  os julgamentos são, mais que nunca, necessários.
Um terrível acontecimento ocorrido hoje, numa escola de Realengo, zona oeste da nossa bela cidade, mostra-nos que, infelizmente, estamos importando a violência gratuita contra nossas crianças, evidenciando claramente que, mais do que nunca, os valores universais, norteadores dos princípios que inspiram as normas, têm que ser defendidos. Enquanto houver pessoas desajustadas no mundo, os juízes são indispensáveis.
A tarefa de julgar transformou-se num grande desafio, pois que a preocupante judicialização de questões que deveriam ser resolvidas na sede própria, sobrecarregando o Judiciário sem a contrapartida dos recursos humanos para dar com rapidez aos julgados, há um verdadeiro descompasso entre a realidade e a interpretação dela, entre o que acontece e o que é veiculado, a abalar a confiança no Poder Judiciário, por mais que os juízes se esforcem.
Hoje, às funções jurisdicionais, foi agregada a difícil e importante tarefa de administrar esta Egrégia Corte. Não apenas esta Corte, mas toda a Justiça Federal da 2ª Região, composta das Seções Judiciárias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, com 27 Desembargadores Federais e 220 Juízes Federais, que prestam jurisdição em 75 Varas das Capitais – Rio de Janeiro e Vitória –, e 59 espalhadas pelo interior dos dois Estados.
Outros Desembargadores, com certeza, desempenhariam essa difícil função melhor do que eu. Mas não posso abdicar de tão honroso encargo. Peço aos meus eminentes pares que me aceitem com as minhas limitações, com a tolerância de quem sabe que é grande, e que há grandeza em aceitar o pequeno. Tenho certeza de que a enorme vontade de acertar compensará minhas limitações.
Os senhores, que vieram testemunhar minha posse, podem perguntar: o que pretende essa nova administração. Quais são os planos para a presidência?
Não pretendo inovar. Desejo pautar minha atuação nas boas práticas já consolidadas e acatar as sugestões que nos aproxime da meta: um Judiciário justo e célere que distribua a justiça que a população almeja.
Para alcançar esse objetivo, convido meus eminentes pares a, juntos, tomarmos as medidas necessárias para engrandecer esta Colenda Corte e a Justiça Federal, para que seja aprimorada a prestação jurisdicional, tornando-a mais ágil, sem perda de qualidade. Afinal, ‘Somos todos anjos de uma asa só. E só podemos voar quando abraçados uns aos outros’ – como dizia o poeta. Juntos, seremos fortes.
Esse mesmo convite eu estendo a nossos excelentes servidores: vamos juntos vestir a camisa da nossa Segunda Região, aquela que ocupou o primeiro lugar na arrecadação da Dívida Ativa da União Federal e ganhou um prêmio por ter sido uma das que mais cumpriu as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Estamos de parabéns, e grande parte do mérito é de vocês, nossos fieis escudeiros.
Este é um momento de alegria e reflexão. Por ser da essência do tempo a marcha para a perfeição, foi ele meu aliado. Hoje, sem desconhecer a importância e a dificuldade em julgar – e apesar da violência ainda imperante, a despeito da existência de políticos e dirigentes de nações não terem entendido ainda a natureza do Pacto Social que aderiram, de o horizonte acenar-nos com as nuvens negras da reação da Natureza às agressões dos homens – continuo otimista porque creio no na grandeza do Homem – o maior investimento da Vida – e na Justiça.
O meu otimismo advém, principalmente, de conhecer o magnífico material humano do Poder Judiciário. Garanto aos senhores, com orgulho: nossos juízes são da melhor qualidade.  O povo precisa, mais do que nunca, do seu saber, de sua competência, de seu discernimento, de seu bom senso e, principalmente, de seu coração valente e puro. É com juízes conscientes do seu importante papel – Juízes da Nova Era – que a administração que hoje se inicia deseja poder contar, já sabendo de antemão que não se decepcionará.
Para finalizar, e deixando de lado os fardos do cargo e da Vida, incompatíveis com a beleza da festividade, ouso pensar com a alma do poeta – pois que a poesia existe em todos nós, que fazemos parte dessa magnífica Obra do incomparável Arquiteto do Universo, – e dizer a esta seleta plateia, principalmente aos magistrados presentes, que esta presidência deseja que o juiz do Terceiro Milênio seja para o jurisdicionado:

Como é o sol para a alvorada,
Como é a beleza para o êxtase,
Como é a alegria para a infância,
Como é a luz para a escuridão,
Como é a esperança para o desencanto.

Por seu turno, o Juiz da Nova Era, ao abraçar essa difícil e importante carreira, deverá encarar a Justiça de uma forma também romântica, porque o amor – o mais nobre de todos os sentimentos – deve permear todas as ações humanas, principalmente as daqueles que se arvoram em juízes dos juízos alheios. Destarte, a Justiça deve ser, para o Juiz do Terceiro Milênio:

Como a primavera é para as flores,
Como a chuva é para as plantas,
Como o rio é para os peixes,
Como a plenitude é para o amor.

Mas a visão poética, a despeito do colorido que empresta ao discurso, não diz tudo.  O papel do Juiz do Terceiro Milênio, que é chamado para julgar questões tão relevantes, que vão desde as disputas do amor às disputas políticas, exige o pronunciamento da Filosofia. É preciso saber o que se espera dos Juízes do Novo Milênio.
E o filósofo que há em todos nós, faz o que fazem todos os filósofos: formula outros questionamentos, que encontram respostas na magnífica lição de Eduardo Couture, tão atual neste momento ímpar em que os povos fazem prevalecer o anseio comum de liberdade sobre as suas ideologias mais arraigadas:
Tem fé no direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino normal do direito; na paz, como substituto benevolente da justiça;  e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz.
E que Deus não me abandone nesta árdua caminhada, e ilumine cada um dos instrumentos da Justiça: os magistrados, os procuradores, os advogados e todos aqueles que contribuem para a sua disseminação.”