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O SILENCIO NÃO PRODUZ FRUTOS

5 de agosto de 2003

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Discurso da Senadora Heloisa Helena em face às propostas de reforma da Previdência

“É evidente de que a fala do Senador Arthur Virgilio e extremamente provocativa, por motivos diversos. Sabe S. Exª, por quem tenho carinho especial, mas profunda divergência ideológica, programática e política, que na sua fala, neste momento, esta a resgatar uma proposta de reforma da Previdência que havia sido apresentada ainda no Governo Fernando Henrique – portanto, com a sustentação política do PSDB, PMDB, e PFL – é que, infelizmente, nosso Governo se predispõe a aceita-la e, em alguns aspectos, piorá-la. É claro que isso nos deixa profundamente angustiados. É claro que o comportamento e “dinossáurico” para aqueles que tentam, de alguma forma, enfrentar a agiotagem internacional, os fundos de pensão, os “Zinzins”, aqueles que ganham, de fato, jogando o dinheiro e a poupança dos trabalhadores dos setores publico ou privado na lama da especulação. Temos uma enorme divergência de concepção em relação a reforma do aparelho de Estado.

Por várias vezes, tenho dito que defendo uma proposta de reforma, porque, ao longo da história, o Estado brasileiro foi sendo parasitado e privatizado por uma elite política e econômica decadente, cínica, incapaz e incompetente. Montaram-se oligarquias patrimonialistas espalhadas por todo o Brasil. Muitos estufam o peito de forma arrogante falando dos supersalários; os supersalários nos seus respectivos Estados tem nome, sobrenome e endereço, geralmente vinculados a estrutura do poder político e econômico.

Eu até poderia me sentir contemplada com a fala do Senador Paulo Paim e do Senador Eduardo Suplicy, mas eu não poderia deixar de falar, até porque durante a vida, aprendi que o silêncio não produz frutos e, mesmo quando o falar significa ser combatido com violência, com truculência e com arrogância, sempre aprendi, Senador Mão Santa, que eu não teria a capacidade de olhar nos olhos dos meus filhos se eu não falasse aquilo que a minha cabeça, o meu coração, a minha alma e a minha hist6ria de vida mandam, obrigam e legitimam.

Por que estou falando hoje? Primeiro quero dizer que, há algo de surpresa benéfica nessa história toda. Enquanto o Senador Arthur Virgilio reclama porque discorda das modificações, acho que as modificações interessantes foram propostas – lógico· que isso e na minha concepção. Mas eu não poderia deixar de dizer, que realmente estou profundamente surpresa com essas modificações de ontem para hoje. Quando falávamos da integralidade das aposentadorias dos trabalhadores do setor público, éramos acusados de “radicalóides”, defensores dos privilegiados, defensores dos marajás. E isso era muito grave, porque legitimava no imaginário popular que a ele, que – insisto – além das prerrogativas exclusivas ao aparelho de Estado, sejam elas civis ou militares, não e delegada a contratação de nenhuma empresa para fazê-lo, pois, além dessas atividades que são prerrogativas exclusivas do aparelho de Estado, os Únicos que precisam do setor público na área da saúde, da educação e da segurança pública não são filhos dos que aqui estão, são filhos da pobreza. Os pobres e que precisam do setor público.

Não consigo deixar de ficar impressionada com a mudança. Com satisfação, é verdade, porque quando falávamos que quanto aos fundos de pensão era inadmissível que apresentássemos uma proposta, pois os fundos de pensão e a previdência complementar eram apresentados como alternativa para garantir saneamento, a eficácia das contas públicas, e nós éramos apresentados como dinossauros. É claro que não tenho nenhum problema por ser chamada de dinossauro, porque, quando é para defender o espaço público sou Tiranossauro Rex, e não, nenhum herbívoro.

Duas coisas ainda precisam ser explicadas. É possível, não tenho dúvida, de muitos parlamentares que aqui trabalharam, como os Senadores Eduardo Suplicy, Paulo Paim e Parlamentares da Câmara … E, já que falo do Senado, quero aqui adiantar que espero que não se faça nenhum acordo para diminuir os prazos e rasgar o Regimento para o Senado se transformar em anexo arquitetônico do cronograma estabelecido pelo Palácio do Planalto. Se isso ocorrer, deve acabar o Senado. Não somos apenas as velhinhas e os velhinhos revisores do que a juventude da Câmara faz. Temos um papel, que e definido constitucionalmente, e temos obrigação de qualificar o debate com a sociedade em torno da necessidade de aprimorar o projeto de reforma.

Há duas coisas que o Governo não respondeu e que o Congresso Nacional tem que responder. Foram duas motivações de discursos gigantescos. Lembro-me, Senador Eduardo Suplicy, de quantas lágrimas foram derramadas e que em nada sensibilizaram a mudança da proposta. Debates qualificados foram feitos e igualmente não sensibilizaram. Hás o movimento social. Há os Parlamentares, é verdade. Mas eu só não espero, porque a primeira coisa que percebo e: como um leão valente se transforma num gatinho manhoso diante de uma toga. E realmente impressionante como pode haver urna transformação como essa!

Mas há duas coisas que precisamos falar para a sociedade. Se estamos falando em reforma da Previdência, cometemos um crime no imaginário popular ao dividir a classe trabalhadora, ao jogar os trabalhadores da iniciativa privada contra os trabalhadores do setor público.

Temos que dar duas respostas as seguintes indagações: onde está o combate aos supersalários? Eu quero saber. Será possível que não há condição de o Presidente da Republica, o Presidente do Senado e o Presidente do Supremo Tribunal Federal sentarem a mesa – porque isso só a eles compete fazer – para definir o teto salarial, para acabar com qualquer discurso, ou demagógico, ou bem ou mal intencionado? Diante de conjunturas políticas, começam novamente a dizer “os servidores públicos são privilegiados, são os marajás, os donos dos supersalários”.

Então, tenhamos a coragem política de definir o teto salarial, porque isso, sim, combate privilégios e distorções.

Há ainda outra resposta que devemos dar a sociedade: o que essa reforma faz pelos pobres? Ela não faz nada pelos pobres. É por isso que eu quero ter o direito, como senadora, bem como todos os outros Senadores, de alterar a proposta de reforma da Previdência, porque é de fundamental importância que se acabe com o fator previdenciário que obriga os filhos da pobreza, que estão na iniciativa privada, e entram mais cedo no mercado de trabalho, a continuar, pela omissão da proposta por mais dez anos para não sofrerem um corte de até 45% dos seus salários.

Então, é fundamental que façamos uma emenda que privilegie o cortador de cana, o catador de lixo, o bóia-fria, os pobres, os oprimidos e excluídos, os filhos da pobreza. Eu, como todos os senadores, quero ter o direito de fazer a modificação na reforma, porque ela nada faz para eles. Também em relação ao teto salarial.

É cansativo, para todos aqueles que defendem um Estado nacional, ou que defendem o Estado como elemento fundamental em urna sociedade que se queira civilizada, ter sempre alguém passando nas nossas caras, fazendo o discurso, repetindo a cantilena dos supersalários e dos privilégios.

Para encerrar, apenas quero deixar absolutamente clara uma situação, que para mim só não é “risível” porque me provocou muito sofrimento. Realmente, as lágrimas derramadas não foram suficientes para sensibilizar, os debates e os argumentos apresentados não produziram frutos; apenas estéreis ameaças fortalecidas. Mesmo assim, eu não poderia deixar de saudar os que tem coragem, os que tiveram a capacidade de criticar quando o mais cômodo era calar e, especialmente, o movimento social, o movimento sindical, que estar a fazer o que aprendemos dentro do PT: que partido e partido, governo e governo e movimento sindical e movimento sindical.

Agora, ficam duas tarefas. É claro que aqui também está preservada a injustiça de impor aos trabalhadores do setor público terem que trabalhar entre cinco e sete anos a mais para não terem urna perda de 35% na aposentadoria.

Algumas alterações de fundamental importância devem ser feitas, inclusive a possibilidade de se criar a previdência complementar para os novos servidores.

Há ainda duas questões as quais o Executivo tem obrigação de responder. Onde está o combate aos privilégios? A proposta, da forma como foi apresentada, continua possibilitando os supersalários. É preciso analisar as alterações a serem feitas para os filhos da pobreza, para o cortador de cana, para o bóia-fria, para o trabalhador rural, para aquele que, por entrar mais cedo no mercado – existe uma omissão na proposta em relação a esse assunto – deve continuar trabalhando mais dez anos para não ter um corte de ate 45% na sua aposentadoria. Espero que o senado possa realizar essas modificações, porque deixar roubar o meu mandato, eu não deixo.”