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Reconstruir uma Nação é uma missão humanitária

23 de novembro de 2012

Desembargador do TJMG e coordenador da Escola Nacional da Magistratura

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Acreditar nas mudanças, na reestruturação, modernização e estabilidade das instituições do Timor-Leste, país irmão, é somar e fortalecer a rede de solidariedade em todo o mundo em favor do renascimento dessa jovem nação do sudeste asiático.

Igualmente é importante destacar o esforço desse país em reconstruir suas instâncias jurídicas, após conquistar a independência em 1999, quando, por meio de um plebiscito, dirigido pela ONU, 80% dos timorenses optaram pela autonomia própria em desfavor da integração com a Indonésia.

É um processo  de reconstrução que, claro, por ser coletivo, vai demandar tempo, mas terá, com certeza, bons resultados: o caminho do Estado de Direito e da cidadania, que, gradativamente, irão pavimentar instituições sólidas.

Apesar de a conquista definitiva da independência ser recente, o país avança rapidamente desde a vigência da Constituição, em 2002. Não se pode esquecer que, até se tornar um Estado independente, a República Democrática do Timor-Leste ficou mais de 20 anos sob o domínio da Indonésia, após se emancipar de Portugal, país do qual foi colônia de 1511 até 1975.

Ao contrário da maioria dos países, com mais de 100 anos de independência, o jovem país ainda busca os caminhos de estruturação das suas instituições políticas, sociais e econômicas. Com isso, é natural que ainda viva uma fase de transição e insegurança quanto ao seu futuro político institucional.

Em 2006, por exemplo, experimentou a primeira crise institucional grave, quando tentaram assassinar o presidente de República, Ramos Horta (Prêmio Nobel da Paz, de 1996) e, depois, o 1º ministro Xanana Gusmão, em um conflito entre parcela do Exército e da polícia.

Ainda apresentando fortes deficiências, carências, pobreza e desorganização, seu mais grave problema é a falta de preparo de recursos humanos e educação para bem gerir e para administrar os bens, a economia e a política.

De acordo com a ONU, 40% dos timorenses vivem abaixo da linha da pobreza. Não têm saneamento básico nem orientação sobre higiene, rede de saúde, iluminação pública regular, água potável, entre outros. Reconstrói-se através de 2.500 cooperantes contratados pela ONU para diversos setores, apoiados pela presença de 1.300 soldados oriundos de mais de 40 nacionalidades.

A saída dos indonésios desestabilizou o Judiciário local. A maioria dos profissionais que atuavam no setor era da Indonésia e a formação local era bastante precária. Por isso, desde 2003, magistrados e outros juristas brasileiros tem integrado o acordo de cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O acordo baseia-se na solidariedade entre os povos e permite que o Ministério das Relações Exteriores, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), leve o Brasil a apoiar a reconstrução do Poder Judiciário do Timor-Leste, indicando nomes de magistrados e servidores da Justiça para serem selecionados, e também com a participação da Defensoria e do Ministério Público.

A ideia é ser útil, servir, transferir e agregar valores, dando amplo auxílio e apoio àquele país. Tive a grata satisfação de trabalhar e integrar missão da ONU, durante seis meses deste ano, nesse sofrido país, de 1,1 milhão de habitantes, a mais de 30 horas de voo do Brasil. No meu caso, fui convidado a trabalhar como assessor da presidência da alta Corte, chamada Tribunal de Recursos, na capital Dili, além de auxiliar na organização das eleições presidenciais deste ano.

Foi uma oportunidade única de poder transferir conhecimentos e contribuir com propostas de melhorias e divulgação de ideias mais atuais e modernas para o futuro do Judiciário e, também de modo especial, honrar o nome do nosso país e do judiciário mineiro.

Conclui, por exemplo, que, após os primeiros 10 anos de independência, se faz necessário que as inadequações trazidas do direito e do judiciário europeus (Portugal), para um país pobre e em formação, sejam revistas ou removidas. Ao contrário do Brasil e dos países da América Latina, o sistema português, assim como alguns países da Europa, exige, por exemplo, no mínimo três juízes de 1º grau no julgamento de causas ordinárias acima de certo valor no cível e nos processos penais, com crime de pena acima de três anos.

O expediente é inviável por triplicar o número de magistrados naquele país, gerando um custo elevadíssimo e atrasando os avanços institucionais. Para ser ter uma ideia da inviabilidade do modelo, se fôssemos adotá-lo em um Estado como Minas Gerais, teríamos que saltar de mil para mais de dois mil juízes, para que todas as comarcas, num certo período do mês, oferecessem três juízes para proferir os julgamentos acima.

Além disso, o modelo parlamentarista copiado dos europeus impede a plena autonomia financeira e administrativa do Poder Judiciário, diferentemente do que ocorre em vários países das Américas. De certa forma, admite, ainda que minimamente, eventuais interferências do Executivo sobre o Judiciário.

São dois rápidos exemplos de como uma nação jovem depois de 10 anos já poderia rever e readaptar conceitos da sua estrutura judiciária e processual trazendo suas rotinas mais para perto dos modelos dos países novos da América. Além disso, o Timor-Leste se situa muito distante da realidade dos países do velho mundo, especialmente no campo social e político.

Foi de fato, para mim, uma experiência importante no moderno contexto do estudo multidisciplinar do Direito. Trabalhar com o direito português e indonésio, em contato com outras culturas jurídicas, aliado a uma missão humanitária, foi uma experiência que não se obteria aqui.

Ademais, ser solidário com quem muito necessita é agir e trabalhar sem egoísmo. Busquei transferir toda a vivência sobre o Judiciário na tentativa de fazer o que for melhor para agregar valores e transmitir conhecimentos. Orgulho-me de compor o grupo de brasileiros que se dedicaram a essa causa humanitária, especialmente os mineiros Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza, jurista e consultor de Assuntos Judiciários da ONU, e Sandra Aparecida Silvestre, juíza de Rondônia.

Penso que os povos e a vida não oferecem fronteiras para quem deseja auxiliar e se dedicar a boas causas. Em troca, recebemos conhecimentos inovadores e profundas experiências, qualquer que seja a missão.

Honrado pela oportunidade ímpar, posso afirmar que, por tudo que vi, ouvi, compreendi, aprendi e vivi nesses seis meses no Timor-Leste e na Ásia – de bom e de ruim -, estou bem convencido que nenhum curso de doutorado ou aulas jamais me darão parte do que recebi de tão rico e importante em ensinamento e em experiências sobre o direito, o ser humano, a vida e o mundo.

Como escreveu, há 50 anos, Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. De fato, não apenas as questões materiais devem mover nossas vidas.