Considerações sobre a condenação à suspensão ou proibição do direito de dirigir em face da pena mínima aplicável

14 de janeiro de 2015

Desembargador do TJMG e coordenador da Escola Nacional da Magistratura

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Doorgal-BorgesOptou o Código de Direito Penal pátrio por tipificar o crime e sempre balizar a pena máxima e a mínima a ser aplicada nos casos de condenação. Essa é a regra geral e uma das exceções recai na aplicação da pena dos crimes eleitorais, pois o Código Eleitoral (Lei no 4.737/1965) prevê apenas o máximo da pena de detenção e reclusão em cada tipo penal especificamente.

Mas temos uma terceira modalidade no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em que não se estabelece o quantum da pena de “suspensão ou proibição do direito de dirigir” a ser aplicada em cada tipo penal, porque o legislador não a especificou em delito e optou, de forma genérica, no art. 293 do CTB, que a pena de “suspensão ou proibição do direito de dirigir” poderia variar de 2 meses a 5 anos.

Vamos ao exemplo:

a) o art. 302 do CTB pune o crime de homicídio culposo no trânsito – CTB – com pena que varia de 2 a 4 anos de detenção, mais a “suspensão ou proibição” do direito de dirigir (…);
b) para o crime de lesão corporal culposa, previsto no art. 303 do CTB a pena varia de 6 meses a 2 anos de detenção, mais a “suspensão ou proibição” do direito de dirigir […].

Como visto, os artigos 302 e 303 tipificam o crime e o montante da pena privativa de liberdade, mas não quantificam o período de tempo da pena de “suspensão ou proibição”, a qual poderá variar de 2 meses a 5 anos com base no art. 293 do CTB. Mas não podemos fugir ao exame da razoabilidade e da proporcionalidade na aplicação da pena.

Surge então o questionamento: para o homicídio culposo, a pena privativa de liberdade varia de 2 a 4 anos e, para lesão corporal culposa, ela varia de 6 meses a 2 anos. Vê-se que 2 anos é a pena mínima para o crime de homicídio culposo e, ao contrário deste, é também a pena máxima na lesão culposa.

Então, se para esta lesão culposa a pena mínima é de 6 meses de detenção e para o homicídio culposo é de 2 anos, não seria justo nem razoável, data venia, aplicar-se esse mínimo de 2 meses de “suspensão e/ou proibição” (previsto no genérico art. 293 do CTB) para ambos os delitos tão distintos. Isso porque são delitos com potenciais ofensivos diversos e resultados muito diferentes (homicídio e lesão) em que as penas privativas de liberdade são desiguais.

Considerando a necessária observação da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação da pena, o prazo mínimo genérico de 2 meses de “proibição ou suspensão”, se cabível ao crime de lesão corporal culposa (art. 303 – CTB) não há como ser considerado razoável para ser aplicado no homicídio culposo (art. 302 – CTB), cuja pena privativa de liberdade se inicia alta, com mínimo de 2 anos.

Cremos que o legislador impôs penas privativas de liberdade mais elevadas para o homicídio culposo que a lesão culposa no trânsito, obviamente porque aquele delito é ofensivamente mais grave e deve ser assim com a aplicação da pena de multa e a da “suspensão e/ou proibição”.

O renomado Nucci nos ensina: “[…] as penas devem ser harmônicas com a gravidade da infração penal cometida, não tendo cabimento o exagero, nem tampouco a extrema liberalidade na cominação das penas nos tipos penais incriminadores” [grifo nosso].1

Vemos que não atende ao princípio da proporcionalidade a fixação de um mesmo mínimo de 2 meses para a pena de “suspensão ou proibição” tanto no crime do art. 302 como no crime do art. 303.

Willis Santiago2 destaca, como marco histórico para o surgimento da formação política (Estado de Direito), a Magna Charta inglesa, de 1215, na qual aparece com clareza: “O homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito” [grifo nosso].

Ora, aplicar uma mesma pena para réus condenados em diferentes delitos, como homicídio culposo e a lesão culposa, não se coaduna com a construção de um direito penal sempre mais justo, exigido pelo nosso tempo em pleno século XXI.

“Direito injusto não é Direito. Poderá ser convenção humana, vontade de uma assembleia ou imposição de um ditador, mas, apesar dessa forma jurídica, apesar de ser elaborado segundo a técnica jurídica, ter todas as características formais da norma jurídica, se não tiver conteúdo justo, não é Direito. [grifo nosso]3

Notas _____________________________________________________________________
1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012.
2 SANTIAGO, Willis. Teoria processual da constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000. p. 75-76.
3 MENDONÇA, Jacy de Souza. O curso de filosofia do direito do professor Armando Câmara. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 127.