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Recurso “Per Saltum” – Sugestão para a Justiça do terceiro milênio

5 de janeiro de 2001

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Obstáculos à realização da justiça – os recursos

Um dos graves entraves com que se defronta qualquer propósito de agilizar a Justiça prende-se aos recursos, resultantes da adoção do duplo grau de jurisdição.

Como a Constituição Federal estabelece, no seu art. 5º, item V, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos demais acusados em geral são assegurados 0 contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, supõe-se que um processo, em face do texto constitucional, só pode ser definitivamente sepultado, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, ou pelo Supremo Tribunal Federal. Aliás, assim tem sido como regra, porquanto, no Brasil, sempre se considerou que a melhor justiça e aquela feita por um colegiado – “diversas cabeças pensam melhor do que uma”, afirma-se – do que a feita pelo juiz singular, na primeira instancia.

Esse pensamento vem sendo recentemente infirmado pelas constantes alterações feitas no Código de Processo Civil, prestigiando cada vez mais as decisões singulares do relator (arts. 544 e 557), que é um órgão monocrático do tribunal, em detrimento das atribuições do colegiado (turmas, câmaras), tamanho o número de recursos que ascende ao tribunal de segundo grau; desde os agravos das interlocutórias, agora interpostos diretamente no tribunal, passando pelas apelações, até as remessas de ofício, vetusto, privilegiado e antidemocrático entulho processual, do qual o Poder Publico não parece disposto a abrir mão.

A adoção do princípio do duplo grau de jurisdição, ou, mais propriamente, da diversidade de graus de jurisdição primeiro, segundo, terceiro e até quarto graus de jurisdição proporciona, muitas vezes, com decisões tão antagônicas, na apreciação dos mesmos fatos e aplicação do mesmo direito, que fica a impressão de que se esta aplicando leis de países diferentes.

É o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça – ou qualquer dos demais tribunais superiores – orientando-se num sentido, e os tribunais locais (dos Estados), ou regionais (da União), seguindo outro, indiferentes a jurisprudência que se forma nos tribunais superiores encarregados da aplicação das normas constitucionais (STF), ou de preservar a harmonia do ordenamento jurídico, na aplicação das normas infraconstitucionais (STJ).

Em princípio, se ao Supremo Tribunal Federal compete julgar sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis, uma vez por ele declarada uma lei constitucional ou inconstitucional, nenhum juiz, de nenhum tribunal do Pais, tem o poder de afirmar o contrário no julgamento de causas submetidas a sua apreciação. Na mesma linha, se o Superior Tribunal de Justiça considerou aplicável uma lei, nenhum juiz tem o poder de negar-lhe aplicação, nas mesmas circunstancias. A isso se opõe a lógica do sistema (CALMON DE PASSOS), que esta na base de toda a organização judiciária de qualquer pais do mundo.

Mas, se essa lógica não se imp6e aos juízes, que, muitas vezes tem por inconstitucionais normas que a Suprema Corte considerou constitucionais, ou por constitucionais, normas que a Suprema Corte considerou inconstitucionais, cabe a doutrina a busca de soluções que harmonizem o sistema, não sendo possível que, havendo um juiz de primeiro grau afeiçoado a sua sentença a orientação dominante no STF ou no STJ, veja a parte vencedora obrigada a assistir a sua reforma pelo tribunal local ou federal, que pensa diferentemente, para de novo restabelecê-la em grau de recursos especiais (extraordinário ou especial stricto sensu); ou vice-versa, a parte sucumbente, que perdeu porque o juiz singular afeiçoou a sua sentença a orientação do tribunal local ou federal, divergente da dominante nos tribunais superiores, se veja obrigada a fazer uma via sacra no segundo grau, para, só então, ver a sentença reformada em seu favor.

Nova dinâmica processsual

Na medida em que os ordenamentos jurídicos caminham a passos largos para uma Justiça informatizada, como será a Justiça do terceiro milênio, alguma solução há de ser buscada pela doutrina, para neutralizar as “incoerências” que ainda presidem o sistema, e insistem em continuar, em homenagem a um “burocratismo” – quer dizer, a “parte burra” da burocracia que não devia mais ter lugar na consciência do juiz moderno.

Se se sabe que uma decisão, ou sentença, proferida por um juiz de primeiro grau, provavelmente será confirmada ou reformada pelos juízes dos tribunais superiores, porque esta em harmonia ou em choque com a sumula ou a jurisprudência neles dominantes, por que obrigar a parte a “tomar assento” num agravo ou numa apelação, obrigando-a a passar por um tribunal local ou federal, com jurisprudência dissonante, só para, depois, ”tomar assento” num recurso especial ou extraordinário, que lhe permitira alcançar o seu propósito.

Talvez nunca se tenha pensado no custo de um processo, cuja sentença esta em harmonia com a jurisprudência dominante nas Cortes Superiores de Justiça, e que vem a ser reformada pelo tribunal local ou federal, para, só mais tarde, ser recomposta na superior instancia, pois, se pensado, há de se convir que alguma coisa deveria ser feita para evitá-lo.

A vinculação sumular tem sido apontada como solução, mas essa vinculação já existe, apoiada na própria lógica do sistema, mas sem ser, contudo, respeitada; e dificilmente será se vier a ser imposta por lei, se o julgador não tiver consciência das limitações do seu poder de afrontar, em nome da jurisdição do Estado, as orientações ditadas pelos órgãos superiores da organização judiciária deste mesmo Estado.

Digo “afrontar”, porque, muitas vezes, o julgador se “defronta” com uma orientação contraria de tribunais superiores, que, se aplicada a determinado caso concreto, importaria em negar eficácia a direitos e garantias constitucionais, que o juiz, em nome do Estado, e, no exercício da sua jurisdição, tem o dever e o poder de resguardar.

Neste cenário, entra em campo o recurso “per saltum”, como instrumento de agilização da Justiça, um verdadeiro desconhecido do ordenamento jurídico brasileiro. Alias, só não é tão desconhecido porque, muitas vezes, o mandado de segurança, na esfera civil e penal, ou o habeas corpus, na esfera exclusivamente penal, fazem-lhe as vezes, levando aos tribunais superiores discussão sobre questões que ainda tramitam nos tribunais de origem, ou, até mesmo, no primeiro grau de jurisdição. O recebimento de uma denuncia, par exemplo, pelo juiz singular, impugnada pelo denunciado por falta de justa causa para a ação penal, e mantida pelo tribunal de segundo grau, permite, via habeas corpus, o conhecimento e julgamento da questão pelos tribunais superiores, que tem, na pratica, acolhido a ordem para trancar processos penais, quando evidente a inexistência de motivo para a instauração da ação penal.

O recurso “per saltum” existe para obviar um dos graves inconvenientes da multiplicidade de recursos e órgãos recursais –, de segunda, terceira e até quarta instancias –, quando a questão discutida e exclusivamente de direito, e tem o prestígio da jurisprudência dominante nos tribunais superiores, embora não conte com o respaldo da adotada pelo tribunal de apelação.

Pelo sistema processual em vigor, pode-se chegar ao seguinte absurdo, que registra antecedentes concretos em diversos tribunais: a sentença de primeiro grau decide de acordo com a jurisprudência dominante no ST J ou STF; a parte inconformada apela para o tribunal de segundo grau, cuja jurisprudência e contraria a sentença, e também à dos tribunais superiores; o tribunal de segundo grau reforma a sentença de primeiro grau, afeiçoando-a à sua jurisprudência; nestas circunstancias, a parte vencedora no primeiro, mas perdedora no segundo grau, tem que buscar, via recurso extraordinário ou especial, a reforma do acórdão nos tribunais superiores. E com um grande inconveniente, resultante do fato de esses recursos não estarem, no que tange a sua elaboração e interposição, ao alcance de todos os profissionais do foro: muitas vezes perde-se uma demanda, não porque não se tenha direito, mas porque o recurso especial ou extraordinário não foi adequadamente manejado.

O recurso “per saltum” admite -, e essa é a sua principal característica –, saltar um grau de jurisdição, ou até mais de um, caso pretenda o recorrente buscar diretamente no Supremo Tribunal Federal o respaldo da sua jurisprudência, para uma sentença a ela afeiçoada. Com isso elimina-se, no mínimo, uma apelação, um recurso especial, um recurso extraordinário, e, eventualmente, dois agravos de instrumento; e, em conseqüência, toda uma carga de trabalho que pesa sobre os desembargadores (ou juízes), presidente e vice-presidente dos tribunais de origem, ministros do STJ, e ministros do STF, para que se alcance um objetivo que parece muito simples: manter a sentença como esta, ou seja, de conformidade com a orientação dominante no STF.

Na verdade, o recurso “per saltum” não é uma especial modalidade de recurso, diverso dos tantos que povoam o universo jurídico-processual, senão uma especial modalidade de processamento de um recurso, que faz com que este recurso – a apelação, o agravo –, saltem um grau de jurisdição, que seria um obstáculo ao atendimento do seu objetivo, de buscar o apoio da jurisprudência dominante no tribunal superior.

Hipóteses que comportam o “saltum” condição específica de admissilidade questão de direito.

Não se pense que sempre que basta a sentença afeiçoar-se a jurisprudência dos tribunais superiores, para que tenha lugar o recurso “per saltum”, o que viria sobrecarregar esses tribunais com esse recurso, esvaziando os tribunais de segundo grau e o objetivo que se alcança através do recurso de apelação.

Se, na inferior instancia, houver discussão sobre matéria fática, definitivamente, não se pode prescindir da apelação, ainda que a sentença esteja afeiçoada a jurisprudência dos tribunais superiores, no que tange a matéria de direito. É que, tendo o juiz feito a valoração dos fatos sob determinado angulo, justa aquele que lhe permitiu aplicar a jurisprudência dos tribunais superiores, podem esses fatos virem a ser diversamente avaliados pelo tribunal de segundo grau, o que afasta a incidência da jurisprudência que serve de trampolim para o “saltum”.

Questão fática passa, necessariamente, pelo duplo grau, não comportando, em nenhuma circunstancia, essa modalidade recursal.

Para que tenha cabimento o recurso ”per saltum” impõe-se que não haja discussão de matéria fática, ou que sobre ela não tenha havido controvérsia, restando controvertidas apenas as questões jurídicas, pois, apenas estas permitem saltar um grau de jurisdição, ou mais de um, permitindo o seu conhecimento e julgamento pelo tribunal “ad quem”.

Mais próprio seria dizer, talvez, saltar um julgamento, porque pode-se admitir o “saltum”, no âmbito do próprio tribunal, como por exemplo nas decisões do relator para o órgão competente para julgar o recurso; nas decisões das turmas para as câmaras ou seções; ou nas decisões das câmaras ou seções para o plenário. Assim, se a decisão da turma estiver ajustada a orientação dos tribunais superiores, e a câmara ou seção, ou o plenário, não, saltar esses colegiados para buscar, de imediato, a jurisprudência dos tribunais superiores, não depõe contra essa especial forma de processamento recursal.

Esse recurso funda-se num suposto lógico, de que toda questão de direito é sempre uma questão de direito, seja na primeira, segunda, ou nas instancias especiais, pelo que, julgada essa questão de acordo com a jurisprudência dominante nos tribunais superiores, não precisa, para ser confirmada por estes, de passar pelo exame dos tribunais de apelação. E não precisa, por uma razão também muito simples: se esse tribunal decidir contra essa jurisprudência, será reformada, na via especial; se decidir em favor dela, provocara igualmente recurso pelas vias especiais, mesmo que com propósitos protelatórios.

Extensão do recurso “paer saltum” sentenças de mérito e decisões interlocutórias

O recurso “per saltum” depende da disciplina que lhe venha a imprimir o ordenamento jurídico, podendo ser admitido em maior ou menor extensão, podendo alcançar todas as questões de direito, processuais e substanciais, ou apenas as sentenças finais de mérito, ou também as sentenças finais processuais, ou, ainda, as decisões interlocutórias de mérito, ou ate as interlocutórias processuais. Pode, também, ser condicionado a observância de determinados requisitos quanta ao seu campo de incidência.

O direito português admite esse recurso apenas nas decisões de mérito, na primeira instância, para o Supremo Tribunal de Justiça, atendendo: a) ao valor da causa ou da sucumbência; b) a natureza da questão discutida, que deve ser, apenas, de direito; c) não haver agravos retidos que devam subir nos termos do nº 1 do art. 735º (primeiro recurso que, de pois de interpostos, deva subir imediatamente); d) e o recurso interposto seja de decisão de mérito em primeira instancia (Art. 725º). Portanto, comportam-no.

Pode-se admitir o recurso ”per saltum”, igualmente, em questões processuais – por exemplo, questões de competência, determinação de foro, legitimação das partes – tudo dependendo da preferência legal. O importante é que se trate de questões de direito, a respeito da qual se controverte na inferior instancia, mas já pacificada na superior, sem qualquer necessidade de exame de fatos. Indispensável, também, que, entre a decisão de primeiro grau e a do tribunal superior, medeie uma jurisprudência contraria do tribunal de apelação, que venha sendo reformada pelos acórdãos dos tribunais superiores. Isso acontece, geralmente, nas denominadas Ações múltiplas, em que, depois de decidir as primeiras, o tribunal superior só faz repetir, de forma padronizada, seus acórdãos.

As interlocutórias de mérito, que são o repositório natural da tutela antecipada, poderiam igualmente, preenchidos determinados requisitos, ser objeto de ”per saltum”, desde que tivessem por fundamento questões exclusivamente de direito, como, v.g., as relativas aos reajustes de vencimentos dos servidores públicos.

O fato de ser questão de ordem processual ou de mérito não oferece maiores dificuldades, pois o que se pretende, com o recurso ”per saltum”, é fazer com que se firme, de imediato, a jurisprudência prevalente nos tribunais superiores, evitando seja a sentença “a quo” reformada pelo acórdão de segundo grau, para vir, em seguida, a ser restabelecida pelo acórdão de terceiro grau.

Instrução do recurso “per saltum”

O recurso “per saltum” pode ser admitido, por exemplo, desde que o recorrente comprove que: a) a controvérsia prende-se a uma questão de direito; b) a sentença esta ajustada a jurisprudência do tribunal superior, embora desajustada com a do tribunal de apelação; c) a matéria está comprovada por meio de certidão, ou de publicação em órgão credenciado; d) a decisão do tribunal esta sumulada, ou e predominante no plena rio ou no 6rgao especial.

Se tais decisões já contam com o apoio da jurisprudência dos tribunais superiores, seria despiciendo dizer que, por certo, trata-se de matéria que, constitucionalmente, passaria, mais cedo ou mais tarde pelo crivo do STF (art. 102, inciso III, alíneas a, b e c, CF), ou do STJ (art. 105, inciso III, alíneas a, be c, CF), pois somente tais matérias atraem a competência desses tribunais.

Ao juiz de direito, cabe decidir sobre o cabimento desse recurso, nos mesmos moldes que o presidente ou vice-presidente do tribunal de apelação, nos recursos especial e extraordinário. Deve-se exigir que o recorrente ”per saltum” efetue o depósito de determinada quantia –, como acontece na ação rescisória –, em garantia do seu provimento, e que, na hipótese contraria, revertera em benefício da parte contraria; além, evidentemente, de sofrer as conseqüências da litigância de má-fé (arts. 17, VII e 18 do CPC).

Se a sentença recorrida estiver de acordo com a jurisprudência sumulada, ou predominante no tribunal superior, e o recorrente apelar, fundado na jurisprudência contraria do tribunal de apelação, a parte apelada pode, fazendo as comprovações retro, pedir ao juízo “a quo”que, em vez de remeter os autos ao tribunal de apelação, os remeta diretamente ao tribunal superior, a fim de que seja ali julgada “per saltum”.

Poder-se-ia facultar ao relator do recurso ”per sa/tum”, nos tribunais superiores, pedir informações ao relator do tribunal originário, quando necessite de algum esclarecimento indispensável a formação da sua convicção; como sucede hoje com o agravo de instrumento (art. 527, I, CPC).

Reforma do art. 557 do CPC – hipótese que comportaria o “saltum”

A súmula e a jurisprudência dominantes nos tribunais superiores já servem de norte as decisões do relator, nos tribunais de segundo grau, facultando-lhe negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado, ou em confronto com as mesmas (art. 557, CPC), bem assim ao provimento monocrático do recurso pelo relator, nas mesmas condições (art. 557, § 1º, CPC).

Decididos assim tais recursos, comportam agravo ao órgão competente para o julgamento do recurso, e que, se não houver retratação, será posta em mesa; se vier a ser provido, o recurso retoma o seu seguimento (art. 557, § 2Q, CPC).

Empiricamente, quando o relator –, que faz parte da turma ou câmara –, tem duvida de que a sua decisão será referendada pelo colegiado, por certo preferira levar o feito a julgamento, evitando mais um recurso. Daí se deduz que, quando ele chega a usar os poderes de que dispõe é porque conta com o respaldo do colegiado. Portanto, conceder agravo interno ou regimental para o órgão que seria o competente para o julgamento do recurso é, nada mais nada menos, do que retardar, com mais um recurso, a chegada dos autos aos tribunais superiores; em outras palavras, o legislador choveu no molhado, porque dificilmente tais decisões singulares serão reformadas pelo colegiado, e a pratica tem demonstrado que real mente não o são.

Para chegar aos tribunais superiores, devera o recorrente interpor recursos especial e extraordinário, que, inadmitidos, comportam ainda agravo de instrumento, com toda a instrução a cargo dos tribunais de origem, por força de provimentos editados pelo STF e pelo STJ.

Teria sido mais prático, que, em aplicando o relator súmula ou, jurisprudência dos tribunais superiores, o legislador tivesse admitido um “saltum” do órgao colegiado do tribunal (turma, câmara) para o tribunal superior, fazendo o agravo ascender de imediato aquela corte, hipótese em que seria a decisão referendada, também monocraticamente, pelo relator, mediante simples homologação, adotando-se os mesmos fundamentos, cumprindo nesse ponto o art. 93, inciso IX, da Constituição, que obriga a fundamentação.

Exigir-se um agravo para o órgão competente do tribunal recorrido, simplesmente para viabilizar um recurso especial, que, no fundo, ira referendar a decisão do relator no segundo grau, já não compraz com os prop6sitos de quem quer agilizar a Justiça eliminando a carga de recursos que pesam sobre os tribunais, notadamente sobre os 6rgaos colegiados.

Conclusões

É chegada a hora de se pôr fim ao mito de que, apenas esgotadas as vias recursais ordinárias, tem as partes acesso aos tribunais superiores, por que esse entendimento tem contribuído para multiplicar os recursos, sem nenhuma utilidade pratica para aliviar a carga de trabalho dos tribunais, ou de suavizar as agruras que um processo ocasiona aos litigantes. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desmente esses pressupostos, pois são inúmeras as hipóteses em que concede ordem de habeas corpus ou mandados de segurança, para corrigir inconstitucionalidades ou ilegalidades perpetradas nas instancias inferiores, com os processos em pleno andamento.

Por quem já admite essas ações autônomas de impugnação, diretamente no tribunal superior, e construiu toda uma jurisprudência sobre elas, não será difícil absorver o recurso “per saltum”, caso venha ele a ingressar de vez no nosso ordenamento processual recursal.

Pode-se ate, num primeiro momento, adotar-se o “saltum” relativamente as decisões de mérito, condicionadas ao preenchimento de determinados requisitos, como fez o Código de Processo Civil luso, e, com a experiência, adaptá-lo as nossas realidades, que são profundamente diversas das experimentadas pelo direito do país-irmão.

Estas considerações, tecidas em torno dessa modalidade de processamento recursal, não tiveram por fundamento nenhum estudo de direito comparado, a exceção do precedente registrado no início, agasalhado pelo Código de Processo Civil português, com as alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, e/ou pelo Decreto-Lei nº 180-86, de 25.05, sendo fruto da criatividade de quem se preocupa com a efetividade do direito, que somente será alcançada quando se chegar a efetividade do processo.