Edição

TRE-RJ firma posição sobre abuso do poder Econômico

31 de agosto de 2006

Compartilhe:

Voto-Mérito

Juiz Márcio Pacheco de Mello (Relator): Senhor Presidente, a questão trazida a julgamento versa sobre a acusação de que os representados, na condição de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de São Francisco de Itabapoana, teriam cometido abuso de poder político pelo fato de ter havido cadastramento de inúmeras famílias no programa assistencial “Bolsa Família” no período entre 14 e 17 de setembro de 2004.

Portanto, a questão central é a de se saber se efetivamente os representados utilizaram-se ou não da máquina administrativa municipal para captação ilícita de votos, utilizando-se para tanto de cadastramento indevido ou não criterioso de famílias no programa federal Bolsa Família.

Senhor Presidente, a prova produzida nestes autos é basicamente de natureza documental, posto que a própria decisao singular afirma; à fl. 456, que a prova testemunhal colhida seria inconclusiva, e que a única pessoa que poderia trazer prova bastante ao conhecimento do julgador em verdade sequer teria sido arrolada pelas partes.

Assim, entendeu o Juízo a quo que o sensível acréscimo no número de cadastrados no programa assistencial a quinze dias das eleições aliado à prova documental, materializada em dois relatórios de fiscalização do programa assistencial, um do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (fIs. 155/165) e outro da Chefia da Controladoria Geral da União no Estado do Rio de Janeiro (fls. 428/446), e ainda tendo em conta a realidade fática sócio-econômica do eleitorado naquele município, seriam elementos aptos a concluir pelo desequilíbrio da disputa mediante abuso de poder.

O caso é o seguinte: em face de diversas denúncias veiculadas pela imprensa escrita informando suposta utilização ilegal do programa assistencial Bolsa Família, que, não obstante pertencer ao Governo Federal, tem sua realização implementada pelos executivos municipais, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome confeccionou o Relatório de Acompanhamento de Projetos n° 20/2004 (fls. 155/165 do Recurso em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo).

Dele destaco os seguintes trechos, como especialmente conclusivos:

“As informações prestadas e documentos analisados revelam que os marcos legais e regulatórios dos programas locais atendem, no geral, às prescrições exigidas pelas leis federais citadas no parágrafo primeiro deste relatório.”

(…)

“No que tange aos resultados da apuração de denúncia constatamos que: 

– a confrontação dos registros às documentações originais e registros auxiliares comprovaram que a amostra selecionada guardava consonância entre as informações obtidas e as informações prestadas; 

não identificamos prejuízo material aos programas pelo ato supostamente ilegal, inclusive porque não geraram benefícios.”

E conclui o relatório daquele Órgão federal:

“Diante do exposto, em que pese a gravidade das denúncias veiculadas e, à vista dos fatos, circunstâncias e situações citadas neste relatório, concluímos que apesar do cadastramento das famílias do município de São Francisco do Itabapoana ter sido realizado próximo ao pleito eleitoral, portanto em momento que consideramos pouco oportuno, e também pudesse ter sido melhor trabalhado quanto à forma de divulgação para que todas as famílias carentes em situação de extrema pobreza fossem cientificadas… não se constatou concretamente vínculo dos procedimentos adotados pelo Executivo local à escolha ou favorecimento político-partidário.” 

Já a conclusão do relatório confeccionado pela Controladoria Geral da União menciona especialmente o seguinte:

“(…) Não há evidência de que o cadastramento transcorreu de forma contínua durante o presente exercício.” 

“Durante entrevista realizada a Sra. Sandra Ribeiro Azeredo declarou oralmente que ela e a sua familia votando no atual Prefeito e, na hipótese de sua reeleição, seriam beneficiados com urna bolsa no valor mensal de R$ 80,00. Todavia, tanto essa quantia quanto as demais cadastradas estão enquadradas no perfil do público-alvo do programa.”

Importante lembrar que um dos fundamentos da decisão singular é justamente o sobredito depoimento que, no entanto, como se vê da própria sentença, havia sido tomado fora do juízo, por órgão de natureza meramente administrativa e, portanto, sem qualquer respeito ao contraditório ou à ampla defesa, garantias inafastáveis aos que se vêem processados em âmbito judicial ou mesmo de cunho administrativo-punitivo.

Outro ponto em que a sentença toca é o fato do Município ter iniciado cadastramento para o preenchimento de 500 novas vagas no programa assistencial, sendo que este já possuía cadastro em número superior às vagas que visava preencher.

Quanto a tal argumento também entendo insuficiente para, por si só, gerar a presunção de abuso de poder, posto entender este relator que tal conduta se insere no âmbito normal da mera discricionariedade da administração pública em realizar seus projetos sociais ao tempo e da forma que entender mais benéficas a seus municípes.

Neste passo, Senhor Presidente, importante ressaltar que, tendo o legislador constituinte admitido em nosso sistema eleitoral o instituto da reeleição, é de se ter alguma reserva na aferição da ocorrência de eventual abuso de poder por parte dos administradores-candidatos, vez que, sem um critério mais rigoroso, restaria inviabilizada a própria condução dos serviços públicos municipais, mormente aqueles de natureza assistencial.

Além disso, é preciso ressaltar que existiu um pedido expresso do Ministro do Desenvolvimento Social, em Ofício datado de agosto, solicitando o empenho dos governos municipais no cadastramento do Programa Bolsa Família. Dessa forma, o cadastramento ocorreu em São Francisco de Itabapoana porque houve um pedido formal do Governo Federal e não por um ato, imotivado da administração pública.

Assim, penso não haver no presente processo qualquer elemento concreto que indique que o agir dos candidatos foi movido com o fim de desestabilizar o pleito, mudar o resultado das eleições majoritárias ou captar votos mediante artifícios ilícitos.

Portanto, Senhor Presidente, por todo o exposto, e do panorama probatório presente nos autos, não visualizo a ocorrência de qualquer abuso de poder político ou econômico, pelo que dou provimento ao recurso de Pedro Jorge Cherene e Cláudio Luiz Henriques, para cassar a sentença recorrida, bem como a multa aplicada aos representados, e manter os diplomas que foram conferidos aos mesmos, improvendo-se, por conseguinte, os recursos, da Coligação Força do Povo e do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.

É como voto.

Juiz Ivan Nunes Ferreira (Revisor): Senhor Presidente, gostaria de destacar uma questão introdutória, já que da leitura dos autos fiquei convicto disso. O Governo Federal, de uma forma totalmente inoportuna, em julho de 2004, lançou o programa Bolsa Família no Brasil inteiro, provavelmente para favorecer aqueles candidatos que o apoiavam ou melhorar a situacão do partido em âmbito nacional. Efetivamente, isto gerou prós e contras ao Governo Federal, e acredito que, naturalmente, algumas críticas mais cáusticas foram lançadas em relação àqueles que não eram correligionários do PT e que se apropriaram, de alguma maneira, do referido programa.

Ocorre que o programa Bolsa Família é implementado pela Caixa Econômica Federal, e não pela prefeitura, que só é responsável pelo cadastramento. Este aspecto, a meu ver, dilui muito a participação dos municípios no incremento desse programa.

A matéria, foi apreciada, embora superficialmente, por esta Corte, quando do agravo regimental interposto da decisão que deu efeito suspensivo ao recurso. Primeiramente, como mencionado no parecer original da douta Procuradoria Regional Eleitoral – alterado em parte, nesta Sessão-, não vejo qualquer prova de captação de sufrágio, lastreada tão somente em prova testemunhal. Já é do conhecimento desta Corte que não aplico, de forma alguma, o art. 41-A da Lei 9.504/97 com base apenas em prova testemunhal.

O recurso gira em torno da aplicação do programa Bolsa Família, instituído pelo Governo Federal e implementado com a ajuda das Prefeituras municipais. Enfatize-se, mais uma vez, que a distriuição do Bolsa Familia se faz pela Caixa Econômica Federal, cabendo aos municípios apenas auxiliar no cadastramento dos interessados. Mais de 500 municípios realizaram o cadastramento no Bolsa Família a partir de julho de 2004, ou seja, não apenas o município em questão foi beneficiado com o programa.

Por outro lado, os recorrentes não têm apoio político do partido do Governo Federal. Ademais, o programa Bolsa Família foi anunciado pela televisão brasileira vinculado ao Governo Federal, o que também, a meu ver, dilui, de certa forma, a influência do município.

Muito me impressionou, também, o voto da Juíza Jacqueline Lima Montenegro, de cujas luzes freqüentemente me valho, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 209, de 2005.

“Alegam os agravantes, no entanto, que o programa Bolsa Família era de iniciativa do Governo Federal, que não apoiava o Executivo local nas eleições de 2004, e que o Município apenas cadastrou as famílias, em razão de pedido formal do Ministério do Desenvolvimento Social, a quem competia deliberar sobre a concessão deste benefício social.

Por fim, os agravantes frisam que, de acordo com o Relatório Sintético de Fiscalização do Ministério do Desenvolvimento Social: ‘não se constatou concretamente vínculo dos procedimentos adotados pelo Executivo local à escolha ou favorecimento político partidário (fls. 104 do referido Agravo). 

No caso em exame, alguns detalhes me impressionam. Primeiramente, esse cadastramento se fez a pedido expresso do Ministro do Desenvolvimento,  em expediente escrito e datado de final de agosto. Desta maneira, a intensificação desse cadastramento se fez inclusive em documento, no qual se pede empenho dos Governos Municipais, através dos prefeitos, no sentido de ajudar a criar uma parceria com o Governo Federal, num momento em que havia muitas denúncias de fraudes em programas de assistência à população carente.” 

A propósito, penso que não cabe, neste caso, a discussão sobre ter havido ou não fraude ou abuso na aplicação do programa. Continua, então, Sua Excelência:

“Foi cientificado o juízo eleitoral da implementação desse programa de cadastramento e, até aquela oportunidade, nenhum partido político já ciente do cadastramento se colocou contrariamente ou efetuou qualquer denúncia perante a Justiça Federal. Essa situação só se implementou dias depois de realizado esse cadastramento, com a publicação da reportagem no Jornal O Globo, em que se denunciou ‘ter havido uso eleitoreiro’ de tal programa do Governo Federal.

Ora, o programa foi do Governo Federal, o empenho foi solicitado por documento escrito pelo Ministério do Desenvolvimento, no máximo 15 ou 20 dias antes da ocasião em que se implementou esse cadastramento. 

Por outro lado, o próprio representante do Ministério Público local, mesmo reconhecendo uma certa falta de sensibilidade quanto ao momento e oportunidade da realização do programa, também não vislumbrou conduta dolosa, mas apenas o atendimento a pedido do Governo Federal que, aliás, nada tinha de proximidade política com o Governo local.”

A cassação do mandato eletivo só se justifica quando respaldado em provas contundentes. No caso, embora possa restar dúvida quanto a algum aproveitamento eleitoreiro do programa Bolsa Família, não há prova cabal desse aproveitamento e nao há divergência de que a iniciativa do programa inclusive quanto à época de sua implementação, foi do Governo Federal.

A falta de senso de oportunidade foi do Governo Federal que pode ter dado margem a eventual aproveitamento do programa para fins eleitoreiros em todo o Brasil.

Enfim, faço minhas as palavras da Juíza Jacqueline Lima Montenegro no referido julgamento e, tendo em vista os relatórios de acompanhamento dos projetos nº 20 de 2004 e da Controladoria Geral da União, destacados no cuidadoso voto do eminente relator, meu voto é no mesmo sentido do proferido pelo Juiz Márcio Pacheco de Mello.

Decisão

“Por unanimidade, rejeitaram-se as preliminares de ilegitimidade ativa e de prova pré-constituída. por maioria, rejeitou- se a preliminar de cerceamento de defesa, vencida a desembargadora Vera Lúcia Lima da Silva, que a acolhia. no mérito, por maioria, deu- se provimento aos recursos de pedro jorge cherene e claudio luiz henriques e negou-se provimento aos recursos de Leonardo Terra de Almeida, Fátima Ornelas e do Partido Trabalhista Brasileiro, vencido o des. Roberto Wider, que negava provimento a todos os recursos.”