A convenção de arbitragem: sua força vinculante e seus reflexos na jurisdição penal

31 de maio de 2010

Professor de Direito Processual da UERJ e Universidade Cândido Mendes

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I – Da natureza jurídica da arbitragem e sua força vinculante

A palavra “arbitragem” é derivada do latim “arbiter” (juiz, louvado, jurado), sendo especialmente empregada na linguagem jurídica para significar o procedimento utilizado na solução de litígios. Arbitragem é instituição pela qual as partes confiam a árbitros, que livremente designam a missão de resolver seus litígios[1], envolvendo direitos patri­moniais disponíveis.

A arbitragem é, pois, uma técnica para a solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nessa convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial. As pessoas que queiram utilizar esse meio de solução de controvérsia devem ser capazes e o litígio deverá versar sobre direitos patrimoniais disponíveis.

Vale ressaltar que a arbitragem é o meio de resolução de conflitos mais simples e objetivo, e os julgadores, além de imparciais, são técnicos especializados na área científica sobre a qual recai o objeto litigioso, e, via de regra, do mais alto quilate científico e respeitabilidade. Esses atributos conferem às partes um julgamento seguro e rápido.

Muito se discute se arbitragem teria natureza prepon­derantemente contratual ou se prevaleceria a natureza jurisdicional, ou ainda se teria natureza mista.

Em linhas gerais, para os que defendem a natureza contratual, a arbitragem seria oriunda de um acordo entre as partes e, portanto, refletiria uma obrigação de natureza eminentemente privada.

Para aqueles que entendem ser a arbitragem uma forma de solução de conflitos alternativa ou mesmo substitutiva ao poder do Estado, a sua natureza predominante seria a jurisdicional.

Tem-se, ainda, aqueles que afirmam ter a arbitragem tanto natureza contratual como jurisdicional, sustentando assim sua natureza mista.

Com absoluto acerto, afirma Tavares Guerreiro estar hoje superada essa discussão, pois não seria necessário “nos fixar em qualquer uma das teorias que procuram desvendar a natureza do instituto: nem à contratual nem à jurisdicional, nem à mista”. E conclui: “Preferimos, nesse particular, a posição nitidamente assumida por Clive Schmitthoff, ao simplificar a oposição aparentemente irredutível entre caráter contratual e caráter jurisdicional da arbitragem, afirmando que o instituto tem, simplemesmente, um elemento contratual e um jurisdicional. O primeiro (the agreement of the parties) é que determina ou que dá causa à existência do segundo (the jurisdiction of the arbitor). Parece bem claro, segundo Schmitthoff, que ‘The arbitor, as a private judge chosen by the parties or appointed in accordance whit the arbitration agreement, must approach the issues before him in the same apirit as a judge appointes by the State. He must be absolutely impartial’. Um e outro elementos, o contratual e o jurisdicional, são relevantes para explicar a arbitragem”.[2]

Com efeito, na sistemática estabelecida na legislação brasileira em vigor (Lei 9.307/96), encontram-se os dois aspectos ou elementos acima descritos: contratual, na medida em que as partes interessadas podem facultativamente submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem (art. 3o da Lei 9.307/96), ao invés de recorrer à jurisdição exercida pelo Estado; e jurisdicional, em razão do procedimento arbitral, que se inicia a partir do surgimento da lide (o efetivo litígio), após a constituição do tribunal arbitral, o que somente ocorrerá quando for aceita a nomeação pelo único árbitro ou pelo último dos árbitros, se as partes decidirem recorrer a um colégio de árbitros (art. 19 da Lei 9.307/96).

Ainda assim, predomina na doutrina o entendimento de que a Lei 9.307/96 adotou a teoria jurisdicional, tendo em vista que em seu art. 31 estabelece: “A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

É inescusável, entretanto, em face da Lei 9.307/96, a verificação dos aspectos contratuais e jurisdicionais da arbitragem, com as seguintes características: a autonomia da vontade; a convenção privada; a opção das partes de escolher as regras a serem utilizadas na solução do conflito e o consequente afastamento da prestação jurisdicional do Estado.

II – Da unidade da jurisdição estatal e da interferência da Lei 9.307/96 na jurisdição penal

Decorre expressamente do texto constitucional ser a jurisdição um poder do Estado, a ser exercido de forma unitária, podendo, entretanto, os órgãos que integram o Poder Judiciário receber competência concreta para o exercício da jurisdição em razão de critérios definidos pelo legislador, visando racionalizar a administração da justiça.

A distribuição da competência pelo critério hierárquico, funcio­nal, territorial ou material, este último visando à especialização da jurisdição, não compromete a unidade da jurisdição, conferida de forma abstrata aos órgãos do Poder Judiciário.

Como leciona Ada Pellegrini Grinover: “A função juris­dicional, que é uma só a atribuída abstratamente a todos os órgão do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se à determinação do juiz competente para determinado processo: através de regras constitucionais e legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com referência a dada categoria de causas (regras de competência), excluem-se os demais órgãos jurisdicionais para que só aquele deva exercê-la, em concreto”.[3]

Segundo Cândido Rangel Dinamarco, discorrendo sobre a jurisdição: “Sendo una como expressão do poder estatal, que é também uno e não comporta divisões (supra, n. 117), a rigor a jurisdição não seria suscetível de classificação em espécies”. E complementa: “As conhecidas classificações das espécies de jurisdição justificam-se, apesar disso, pela utilidade didática de que são portadoras e por serem elementos úteis para o entendimento de uma série de problemas processuais, como a competência, graus de jurisdição, poderes decisórios mais amplos do juiz em certos casos etc”.[4]

Com relação, especificamente, à classificação da jurisdição em civil ou penal, afirma Dinamarco: “Fala-se inicialmente em jurisdição civil em contraposição a jurisdição penal, em simetria com a classificação do próprio direito processual em direito processual civil e direito processual penal. Assim como a rigor o direito processual não comporta tais adjetivações, sendo invariavelmente um conjunto de normas e princípios de direito público e tendo objeto próprio (supra, nn. 8-9), assim também a jurisdição não é civil ou penal, ao sabor dos fundamentos penais ou não-penais das pretensões sobre a quais ela se exerce”.[5]

Não é diferente a lição trazida por Athos Gusmão Carneiro, que, citando José Frederico Marques, afirma: “Como função inerente do Estado, a jurisdição, poder-dever de administrar justiça, é una e homogenea, qualquer que seja a natureza jurídica do conflito que deva resolver”.[6]

Na verdade, essa doutrina já era enfatizada por João Mendes de Almeida Júnior: “O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a ideia de unidade e totalidade da força, que são as notas características do conceito de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos dos Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual; é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância”.[7]

Da unidade da jurisdição, decorre necessariamente que os sistemas processuais civil e penal, estruturados sob os mesmos princípios constitucionais, devem obrigatoriamente interagir, de forma a garantir que, na prática, essa unidade não seja quebrada, desrespeitada, comprometendo não apenas a unidade da jurisdição mas sua própria autoridade. É o que ocorreria, por exemplo, se se admitisse que uma mesma questão ou que os mesmos fatos pudessem ser apurados e valorados simultaneamente pela justiça cível e pela criminal.

Como revela Carvalho Santos, citado por Ricardo Teixeira Brancato: “Tanto a jurisdição civil como a criminal, operando embora em campos diversos, guardam a unidade no mesmo propósito de realizar a justiça através de manifestações de uma só atividade social. Absurdo que essas instâncias possam se mover para o reconhecimento de fatos diversos e opostos, ‘como absurdo ainda seria que as duas ações, que apenas constituem um duplo processo de reparação do mesmo fato danoso, materialmente idêntico, pudessem ter vida desintegrando-se uma da outra sobre o mesmo ponto de fato, isto é, divergindo naquilo que constitui a sua matéria comum”.[8]

A esse respeito, cita Manoel Pedro Pimentel lição de Washington de Barros Monteiro, no sentido de que: “efetivamente, repugna conceber que o Estado, em sua unidade, na repressão de um fato reputado como ofensivo da ordem social, decida soberanamente, por um de seus órgãos jurisdicionais, que esse fato constitui crime, que seu autor é passível de pena e o condene a sofrer o castigo legal; e que esse mesmo Estado, prosseguindo na repressão do fato antijurídico, venha a declarar, que é perfeitamente lícito, que não acarreta responsabilidade alguma para seu autor, que não está assim adstrito ao dever de compor os danos a que deu causa. Chocante ofensiva do prestígio da justiça seria essa contradição, pela qual o mesmo ato seria, a um tempo, justo e injusto, lícito e criminoso, irrepreensível e condenável, legítimo e punível”.[9]

Conforme ainda lição de Francisco Assis Toledo, “a inexistência, assim proclamada, do ilícito civil constitui obstáculo irremovível para o reconhecimento posterior do ilícito penal, pois o que é civilmente licito, permitido, autorizado, não pode estar, ao mesmo tempo, proibido e punido na esfera penal, mais concentrada de exigências quanto à ilicitude”.[10]

Ressalta ainda Alcides Amaral Sales que “à semelhança do que ocorre no direito italiano, o legislador pátrio também se inspirou, nessa complexa matéria, no chamado princípio da unidade da jurisdição, diversamente do que acontece em outros países, cujos sistemas, fundados no princípio oposto, a saber, o da separação das jurisdições, considera uma delas autônoma e exclusiva”, para então concluir: “É preciso sempre evitarem-se decisões conflitantes entre juízes integrantes do mesmo Poder. Inexistindo essa possibilidade de conflito, nada impede que ambos realizem, segundo seu livre convencimento e de acordo com critérios próprios do respectivo processo, cada qual o seu julgamento. Quando, porém, essa independência das jurisdições civil e penal puder conduzir, como no caso em exame, as decisões contraditórias e absurdas, há que se admitir a prejudicialidade de uma decisão sobre a outra, do juízo penal em relação ao cível, ou vice-versa, pouco importa”.[11]

Nesse sentido decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no Inquérito 33-0/SP, relator o Ministro Vicente Cernicchiaro, cuja ementa é a seguinte: “O Direito, como sistema, é unitário, inexiste contradição lógica. A ilicitude é una, não obstante repercussão distinta nas várias áreas dogmáticas. A denúncia deve imputar fato ilícito, atribuível (ação ou omissão) ao acusado. Se o narrado na denúncia foi declarado lícito, no juízo cível, enquanto não desconstituído o julgado, impede a imputação criminal. Aquela decisão configura prejudicial (CPP, art. 93). Denúncia rejeitada”.

É também importante transcrever, a esse respeito, a lição de Júlio Fabbrini Mirabete: “Tem força vinculante na justiça penal a sentença civil que conclui pela não existência de uma infração penal. Se a decisão irrecorrível de prejudicial civil em processo penal faz desaparecer elementos constitutivos do crime descrito na denúncia, tornando atípicos os fatos atribuídos ao réu, tal decisão tem força vinculante que deve ser aceita como verdadeira pela jurisdição criminal, desaparecendo a justa causa para a ação penal. Trata-se de formulação da vontade do Estado, que, nessa hipótese, alcança o Ministério Público ou o querelante, ainda que não tenham participado do processo prejudicial”.[12]

Para Bento de Faria, “o juízo criminal tem competência para decidir todas as circunstâncias constitutivas do fato delituoso ligadas ao mesmo fato”. Mas excepciona: “as questões cíveis de fundamental importância, das quais depende a certeza da existência do crime, ou seja, as referentes à propriedade e aos direitos reais e a existência ou interpretação dos contratos” e “as referentes ao estado das pessoas (matrimônio, filiação, adoção etc.)”.[13]

Parece-me, portanto, absolutamente incontroverso que a unidade da jurisdição implica na comunicação dos sistemas processuais civil e penal, de forma tal que a existência de questão de fato já decidida no juízo cível ou que necessariamente precise ser decidida no juízo cível, impede o exercício da jurisdição penal sobre essa mesma questão.

Essa comunicação entre os dois sistemas processuais, o civil e o penal, é refletida na legislação quando, por exemplo, o art. 584, II, do Código de Processo Civil considera título executivo judicial no processo civil, a sentença penal condenatória, bem como quando os arts. 92 e 93 do Código de Processo Penal, ao tratarem das questões prejudiciais, fazem referência a questões cuja análise na jurisdição cível determina ou possibilita a suspensão ou mesmo o trancamento da ação penal.

Com relação à arbitragem, em especial à convenção arbitral, é ela hoje, por força da Lei 9.307/96 e como demonstrado no tópico anterior, impedimento contratual absoluto para que se instaure a jurisdição cível a respeito das questões sobre as quais as partes convencionaram a arbitragem.

O Código de Processo Civil, modificado neste particular pela Lei 9.307/96, estabelece em seu art. 267, VII, acima transcrito, que a existência de convenção de arbitragem entre as partes é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, pois o mérito da questão, por disposição voluntária das partes, à qual a lei reconhece força vinculante, deve necessariamente ser apreciado pelo árbitro, cuja sentença, por força do art. 31 da Lei 9.307/96, produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

Não se pode deixar de reconhecer que a nova redação do art. 267 do CPC, dada pela Lei 9.307/96, atribuiu à convenção de arbitragem (inciso VII do art. 267 do CPC) eficácia equivalente à existência de litispendência e de coisa julgada, que também, de acordo com o inciso V desse dispositivo legal, acarretam a extinção do processo sem julgamento do mérito.

Também por força da Lei 9.307/96, foi introduzida no art. 584 do Código de Processo Civil, no rol dos títulos executivos judiciais, ao lado da sentença condenatória proferida no processo civil (inciso I) e da sentença penal condenatória transitada em julgado (inciso II), a sentença arbitral (inciso VI), que hoje, portanto, tem a mesma força e autoridade da sentença emanada de qualquer órgão do Poder Judiciário, mesmo porque, segundo dispõe o art. 18 da Lei 9.307/96: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.

Assim sendo, parece-me cristalino que, estando determinados fatos submetidos à arbitragem, por força de uma convenção de arbitragem válida e eficaz, o óbice que essa convenção opera para o exercício da jurisdição estatal a respeito dessas questões, óbice este cuja constitucionalidade já foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, não se limita apenas à jurisdição civil, estendendo-se forçosamente também à jurisdição penal ou criminal, que fica assim impedida de valorar os fatos e de apreciar a licitude das condutas sujeitas à arbitragem, até que venha a ser proferida a decisão arbitral sobre esses mesmo fatos, em todas as hipóteses em que, para a constatação do ilícito penal, seja necessária a configuração do dano ou dos prejuízos de natureza civil.

Concluir-se em sentido contrário, equivale a negar-se a unidade da jurisdição, bem como vedar os vasos comunicantes entres os sistemas processuais civil e penal.

Além disso, o entendimento oposto permitiria que se afastasse o caráter vinculante da cláusula compromissória, negando-se assim vigência ao texto da Lei 9.307/96, pois a parte que quisesse se furtar ao império da convenção arbitral bastaria invocar a jurisdição penal para apuração de fatos também caracterizadores de prejuízos a serem indenizáveis no cível, para, posteriormente, utilizar-se da força executiva no cível da sentença penal condenatória e, assim, impedir a instituição da arbitragem a respeito desses mesmos fatos.

Desta forma, é imperioso concluir que a convenção de arbitragem provoca, na jurisdição penal, os mesmo efeitos gerados na jurisdição civil, sempre que o tipo penal em questão depender da apuração de fatos, que, por convenção entre as partes, estiverem submetidos à arbitragem e, assim, subtraídos da jurisdição estatal (civil ou penal).

III – Arbitragem como modo de transação antes do oferecimento da denúncia penal

Por outro lado, ainda que se atribua o caráter meramente contratual à convenção de arbitragem, enquanto não for ela devidamente invocada e instituída, estaria afastada a justa causa para configuração de crime na jurisdição penal, uma vez que a composição entre as partes para o ressarcimento de danos e prejuízos, naqueles crimes em que a constatação era necessária para a tipificação penal (como é o caso, por exemplo, do crime tipificado no art. 171 do Código Penal), faz descaracterizar o comportamento punitivo.

Vejamos, a propósito, os seguintes julgados:

Sendo o estelionato crime de cunho patrimonial, a sua consumação depende da efetiva obtenção da vantagem ilícita, correspondente à lesão patrimonial de outrem. Assim, desde que o prejuízo não se mostre efetivado, não há razão para se punir o agente, quando este restituiu ao lesado o produto de sua locupletação, antes do oferecimento da denúncia. (TACRIM – SP – AC – Rel. Gonçalves Sobrinho – RT 536/328). No mesmo sentido: RT 50/65.

O crime de estelionato, ainda que básico, não se concretiza quando o agente repara os danos causados à vítima antes do oferecimento da denúncia. (TACRIM – SP – AC 324.155 – Rel. Ercílio Sampaio).

A consumação do estelionato está relacionada à efetiva verificação de uma diminutio patrimonii, em sentido econômico. É óbvio, portanto, que se tal diminuição inexistiu, em virtude de pronta reparação de dano, antes mesmo do início da ação penal, não há cogitar de tipicidade da conduta posta em prática pelo agente. (TACRIM – SP – AC – Rel. Silva Franco – RT 580/366 – 368 e JUTACRIM 77/300).

Em sede de estelionato, o ressarcimento de prejuízo, através do pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, antes do oferecimento da denúncia, afasta qualquer tipo de fraude, devolvendo-se, portanto, trancar a ação penal pelo crime previsto no art. 171, § 2º, VI, do CP, conforme interpretação das Súmulas 246 e 554 do STF. (STJ – HC – Rel. Edson Vidigal – j. 05.08.1999 – RT 771/560)

Porquanto, a teoria contratual explica a arbitragem como sendo modalidade de transação, conhecido instituto de direito civil, previsto nos artigos 1.025 e seguintes do Código Civil de 1916.

Evidentemente que, sendo a arbitragem modo de transação, significa dizer que as partes contratantes da convenção arbitral transacionaram sobre todos os direitos patrimoniais disponíveis, que compõe o escopo do contrato, de maneira que fica inibida a denúncia penal imputando crime que visa a tutela penal do patrimônio, por conta de que o conflito patrimonial se encontra equacionado por esta modalidade extrajudicial de solução de controvérsia.

A convenção arbitral implica, pois, o equivalente à transação entre a “se dizente” vítima e o suposto agente do crime contra o patrimônio antes do oferecimento da respectiva denúncia penal.

IV – Conclusão

Com fundamento em todo o exposto, concluímos que a cláusula compromissória de arbitragem tem força vinculante para impor o afastamento da jurisdição estatal a respeito de questões patrimoniais disponíveis envolvendo partes capazes, relativamente a litígios que possam surgir em decorrência de relações contratuais entre essas partes.

Essa força vinculante do compromisso de arbitragem não ofende o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, conforme já se manifestou, a esse respeito, o Supremo Tribunal Federal.

Em face na unidade da jurisdição estatal, é perfeitamente oponível na justiça criminal a convenção de arbitragem para afastar o controle pela jurisdição estatal sobre fatos relativos  a uma relação privada e contratual entre as partes, especialmente quando esses fatos se constituem em pressuposto para a caracterização do tipo penal objeto da denúncia.


[1] STRENGER, Guilherme Gonçalves. “Do Juízo Arbitral”, RT 607/31.

[2] GUERREIRO, José Alexandre Tavares. “Fundamentos da Arbitragem do Comércio Internacional”. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 37.

[3] GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES, Antonio e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. “As nulidades no processo penal”. 7.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,  2001. p. 45.

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. “Instituições de Direito Processual Civil”. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, vol. I, p. 314.

[5] Op. cit. p. 319.

[6] CARNEIRO, Athos Gusmão. “Jurisdição e Competência”. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.  p. 21.

[7] “Direito Judiciário Brasileiro:”. 5. ed.  Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960. p. 47.

[8] “Direito Judiciário Brasileiro:”. 5. ed.  Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960. p. 47.

[9] “Ciência Penal”. 3. ed., 1974, p. 573.

[10] “Estudos e pareceres de Direito Penal”. Ed. RT, 1973, p. 52.

[11] “Princípios Básicos de Direito Penal”. Ed. Saraiva, 1987, p. 153/154.

[12] “Dos efeitos da coisa julgada cível na esfera criminal”. JUTACRIM 81/8.

[13] “Código de Processo Penal Interpretado”. 8. ed. Ed. Atlas,  p.206.