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A CPI insincera e o Judiciário

5 de julho de 1999

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O Congresso Nacional, ao longo dos anos, tem dado demonstração inequívoca de seu compromisso com a nação. Debruça-se sobre temas de grande relevância para toda a sociedade e em nenhum momento converteu-se em obstáculo à ação governamental. Mas como casa política, em função da diversidade de interesses nela representados, tem cometido equívocos. E um deles é se submeter demasiadamente ao Executivo.

A CPI do sistema Judiciário, apregoada pelo Presidente do Senado, pode ser enquadrada, segundo o meu entendimento, na categoria dos equívocos.

Ao invés de uma proposta amadurecida, negociada amplamente com os diversificados segmentos da sociedade, levando-se em consideração as mazelas de todos os poderes, e também a necessidade de se proceder a rigorosa harmonia entre eles, a CPI irrompeu no cenário como um jogo de esperteza política. A alicerçá-la apenas o senso comum – sempre perigoso, pela simplificação e reducionismo – que, como já não suporta políticos e política, e responsabiliza o governo por tudo que acontece em nosso país, também é extremamente crítico em relação ao Judiciário.

E como fica difícil enfrentar o governo de quem é base de sustentação e o Legislativo, que preside, ficou mais fácil ao seu idealizador atacar lateralmente – o Judiciário.

O Judiciário, todos sabemos, e já bem disse o Ministro do STF, Sepúlveda Pertence, não é antro de anjos. É ineficiente, tem problemas estruturais imensos (de sua responsabilidade ou por falta de recursos), convive com mazelas, atropelos, corrupção – igual ao que ocorre nos outros poderes – e está contaminado em algumas de suas esferas por inconfessáveis interesses privados. Em outras palavras, necessita urgentemente de uma profunda reforma, visando a obter eficiência, maior transparência e mais publicização.

Não tenho nenhum compromisso com o Judiciário que não seja o dos princípios democrático e republicano. Em suas instâncias não tramita nenhuma ação envolvendo-me diretamente (de ordem política, moral, ética, patrimonial, familiar ou financeira) e, portanto, não tenho “nenhum rabo preso” com aquele poder. Por isso mesmo, defendo uma profunda reforma do sistema Judiciário e por essa bandeira venho me batendo há muito tempo.

Esse posicionamento parte da convicção de que a primeira medida é ampliar a presença do Judiciário na sociedade. E essa proposta ampara-se em um dado alarmante: enquanto nos vários países desenvolvidos existe a relação de um juiz para cinco mil habitantes, no Brasil a relação é medíocre, de um para aproximadamente 20 mil.

Vou além: se quero mais juízes para acelerar os processos e se defendo, intransigentemente, a punição de todos os funcionários e magistrados que cometam ilícitos, é democrático o debate, no bojo da reforma, a cerca da organização judiciária que queremos, inclusive quanto ao futuro da Justiça do Trabalho. Para mim, quanto a justiça militar nos estados não seria nem preciso debate, bastaria extingui-la.

Se critiquei a CPI foi por entender que existem caminhos mais estruturadores para proceder a discussão, sem oportunismo político e sem estar preocupado com os refletores da mídia. Nesse ponto, a alternativa trilhada pela Câmara dos Deputados, ao criar a comissão de Reforma do Judiciário, é mais plausível e democrática. Ao exercitar uma prerrogativa constitucional permite que toda a sociedade possa participar do processo. A CPI, eivada de inconstitucionalidade, nasceu limitada e pouco contribuirá para a reforma; ela tenderá a deslocar o seu foco para fatos mais inerentes ao campo da polícia e não ao da Justiça.

O Presidente do Senado, em toda a sua trajetória política, nunca teve como característica marcante a defesa do processo democrático e, muito menos, interesse em democratizar a Justiça no Brasil. Atentou contra ela ao apoiar politicamente o regime militar que cassou ministros do STF e juízes; como ministro e liderança nacional do PFL contribuiu para derrotar a idéia do controle externo do Judiciário; o projeto de Reforma, parado na Câmara dos Deputados, sempre teve um aliado seu como relator, deputado do PFL baiano; no Senado, fez vista grossa à manutenção da justiça militar dos estados, nada falou acerca do fim da prisão especial para criminosos com curso superior, não se esforçou em nenhum momento para acabar com a ultrapassada figura do juiz classista, votou contra o nosso projeto que proíbe o nepotismo em todos os poderes, não mobilizou o seu prestígio pessoal para aprovar os cancelamentos de verbas para as novas construções civis e de prédios suntuosos e luxuosos da Justiça, por mim apresentados e não aceitos pelo relator do Orçamento.

Todas essas medidas e ações sem necessidade de CPI, poderiam ter sido adotadas pelos legisladores, usando-se apenas as nossas atribuições e competências constitucionais.

Não se faz a reforma do judiciário desmoralizando-o, interferindo de forma indevida em seu funcionamento e, muito menos, partindo do oportunismo de um grupo isolado da sociedade. Ela deve ser obra coletiva, pactuada, negociada, sempre à luz das mais recentes conquistas democráticas.

O discurso e a habilidade fazem parte da política. Entretanto, a República está a demandar mais seriedade.