A criação do fundo de pensão dos servidores públicos federais Primeiras impressões sobre a Lei no 12.618/12

11 de setembro de 2012

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Introdução

No dia 2 de maio de 2012 foi publicada a Lei no 12.618, oriunda do Projeto de Lei no 2, de 2012 (PL no 1.992/07 na Câmara dos Deputados), que instituiu o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, fixando o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo RPPS federal.

A Lei no 12.618/12 autoriza a criação de 3 (três) entidades fechadas de previdência complementar, deno­minadas Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg) e Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud)

Finalidade e vigência 

Como se observa do art. 40, §§ 14 a 16, da Constituição, tais entidades devem ser criadas para que os regimes próprios de previdência de servidores – RPPS, possam adotar o mesmo limite máximo de pagamento do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. A União dá partida ao seu sistema, assim como alguns Estados. A lógica, em linhas gerais, é limitar o gasto do regime público e transferir os pagamentos superiores ao sistema complementar, como já funciona no setor privado.

Em alguma medida, é instrumento de isonomia, pois a sistemática diferenciada para servidores, do ponto de vista estritamente protetivo, nunca teve razão de ser. Isso, naturalmente, não implica, necessariamente, apontar servi­dores como privilegiados – em especial no âmbito federal – pois desde o início dos anos 90 há contribuição sobre o total da remuneração. A questão, como se disse, não é a derrocada de alegados privilégios, mas somente trilhar um modelo previdenciário que trate todos os brasileiros com igual consideração e respeito.

Não nego a possibilidade, em algumas carreiras, da manutenção, por lei, de benefício integral pago pelo Estado, com adequado financiamento do servidor e do Poder Público, como forma de assegurar a necessária isenção na função pública, como magistratura, fiscalização, Ministério Público etc. Essa, todavia, seria a exceção, e não a regra.

A limitação ao teto do RGPS somente alcançará, de forma obrigatória, os servidores que ingressarem em RPPS após o início da vigência do novo regime de previdência complementar criado pela Lei. Nesse ponto, merece destaque o art. 33, I, que desloca a vigência da parte inicial da lei – onde se prevê a limitação – à data de criação da primeira Funpresp.

Ou seja, aquele que ingressou no serviço público federal, mesmo após a publicação da lei, ainda poderá escapar à limitação do teto do RGPS, tendo seu benefício futuro calculado pela média de suas remunerações, nos termos da Lei no 10.887/04. Todavia, a possibilidade acaba com a criação de qualquer um dos fundos – Executivo, Legislativo e Judiciário.

Por exemplo, uma vez criada a Funpresp do Executivo, um novo servidor do Judiciário já estará, automaticamente, submetido ao limite do RGPS em seu futuro benefício do RPPS. Assim, a lei prevê até pela possibilidade de o servidor ingressar em Funpresp de outro Poder, na hipótese de inércia dos demais.

Quanto à vigência da nova lei, importa notar que a mesma não é condicionada ao funcionamento da primeira Funpresp, mas sim à sua criação. O art. 31, § 2o, da Lei no 12.618/12 prevê o prazo de 180 dias para a criação das fundações, mas o art. 26 ainda traz o prazo de 240 dias, a partir da publicação da autorização da PREVIC, para a entrada em funcionamento.

A vigência plena da Lei no 12.618/12, como expressamente previsto no art. 33, está adstrita à criação de qualquer uma das fundações, não sendo necessária, para esse fim, a autorização da PREVIC ou mesmo o início de seu funcionamento.

A estratégia é evidente. Permitir que novos servidores já sejam submetidos à nova sistemática da maneira mais rápida possível. Adicionalmente, por outro lado, preceitos possivelmente vantajosos para servidores já vinculados a RPPS desejosos de ingressar no novo sistema, como benefício proporcional diferido e autopatrocínio, já estarão também em plena vigência, permitindo a adesão imediata, a partir da criação da primeira Funpresp.

Natureza jurídica

De acordo com o art. 4o, § 1o, da Lei no 12.618/12, cada uma das entidades será estruturada na forma de fundação, de natureza pública, com personalidade jurídica de direito privado.

O tema não é irrelevante, pois há consequências decisivas na distinção, apesar de, não raramente, a diferença não ser tão visível em entidades criadas pelo Poder Público. O tema, de saída, carece de apreciação constitucional, pois há previsão normativa sobre a questão.

Sobre a natureza de fundação, não há críticas a se fazer. A Funpresp atende às três notas típicas de quaisquer fundações, que são a universidade de bens, a personalização e a finalidade. Ou seja, como é uníssono na doutrina, uma fundação é um patrimônio personificado com determinado fim. Trata-se de uma associação de bens com uma finalidade, ao contrário das demais pessoas jurídicas, que, em geral, são compostas por uma associação de pessoas, com determinada finalidade.

Entendo que tal entidade não possui condições de ostentar uma verdadeira natureza pública. Não há uma finalidade propriamente pública em seu funcionamento, pois se trata de patrimônio dos servidores. Além disso, é desprovida de poder de império e sem imposição de associação, pois a filiação é sempre facultativa, nos termos do art. 202, caput, da Constituição, o que, enfim, exclui a possível natureza pública de uma entidade.

Como forma de contornar a questão, a Lei no 12.618/12 traz a figura inusitada da fundação privada com natureza pública, como forma de moldar o texto constitucional à pré-compreensão do sistema de previdência complementar. De modo mais enfático, o art. 8o da Lei no 12.618/12 discorre sobre os efeitos práticos dessa natureza pública, basicamente limitando-a à necessidade de concurso para a contratação de pessoal, submissão ao procedimento licitatório e à publicidade no funcionamento da entidade.

Cria-se, assim, um ornitorrinco na previdência complementar, o que certamente só servirá para gerar desconfiança e dúvidas variadas no funcionamento da entidade, especialmente sobre a divisão das situações em que venha a ser submetida a regime privado ou não. Pessoalmente, considero a melhor solução a inconstitucionalidade parcial do art. 40, § 15, da CF/88, com a redação dada pela EC no 41/03, com redução de texto, excluindo a expressão natureza pública.

Plano de benefícios

De modo geral, percebe-se que a Lei no 12.618/12 copia a terminologia tradicional da previdência complementar, com os conceitos de patrocinadores, participantes e assistidos. Nada mais natural, pois é de previdência complementar que se trata.

O art. 12 estabelece, de forma compulsória, a modalidade de contribuição definida a quaisquer dos planos de benefícios ofertados. Embora a praxe dos novos planos de previdência complementar seja a adoção de tal modalidade, a restrição não é absoluta.

As normas gerais sobre previdência complementar, previstas nas LC nos 108 e 109/01, no que couber, também vinculam o funcionamento da previdência complementar ao servidor, haja vista a expressa remissão do art. 40, § 15, da Constituição ao art. 202. Tendo a LC no 109/01, no art. 7o, admitido outras modalidades, não poderia a lei ordinária fixar restrição tão severa. Somente entidades fechadas constituídas por instituidores é que se submetem a tal limitação, em razão do maior risco de insolvência (art. 31, § 2o, II, da LC no 109/01).

Em verdade, o estabelecimento coercitivo do plano de contribuição definida, quando analisado em conjunto com os demais dispositivos do Capítulo III da Lei, expõe, muito claramente, a perturbadora e patológica necessidade de afastar, de toda e qualquer maneira, a responsabilidade estatal por eventuais déficits das fundações.

A neurose vai desde dispositivos desnecessários, como o art. 12, § 1o, que trata da evidente necessidade de revisão do plano de custeio quando necessário, até a exposição de motivos da lei, que defende o modelo de contribuição definida como forma de blindar a União, pois o sistema nunca seria deficitário. Por natural, em modelos de contribuição definida puros, o benefício dura enquanto perdurar as reservas; terminado o dinheiro, acaba o benefício.

Em prestações de risco, como benefícios por morte, doença ou invalidez, caberá algum tipo de seguro diferenciado ou, dependendo das opções das entidades, a criação de prestações na modalidade benefício definido, haja vista a dificuldade de concretizar coberturas de eventos imprevisíveis no modelo expresso na Constituição.

Servidores com ingresso em RPPS anterior à Lei no 12.618/12 – Opção pelo benefício especial

A Constituição, na atual redação do art. 40, § 16, dispõe que o servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar, ou seja, quando da criação da primeira Funpresp, somente aderirá às novas regras mediante prévia e expressa opção.

Em primeiro lugar, cumpre reforçar a data marco para início do novo regime. Como preceitua a Lei no 12.618/12, no art. 33, I, o Capítulo I da lei, que justamente trata da instituição do regime, tem sua vigência postergada até a criação de uma das fundações. Não é necessário criar-se a Funpresp respectiva, mas qualquer uma delas, até pela possibilidade de opção dos demais servidores em aderir à entidade fechada de outro Poder (art. 31, § 2o).

Caso haja ingressado a pessoa em cargo público de provimento efetivo, com vinculação a RPPS, antes da criação da primeira Funpresp, terá a opção prevista no art. 1o, parágrafo único, da Lei no 12.618/12, em conformidade com o previsto no art. 40, § 16, da Constituição.

Por certo, o permissivo constitucional, ao prever o direito de opção, traz, implicitamente, a necessidade de alguma compensação pelo tempo de contribuição já transcorrido, no qual o servidor, em muitas situações, já terá contribuído com valores superiores ao teto do RGPS para o regime próprio de previdência – RPPS.

Daí a razão para, no art. 3o, §§ 1o a 8o, prever o chamado benefício especial, que nada mais é do que uma indenização pela contribuição já realizada pelo servidor, em valores superiores ao limite máximo do Regime Geral de Previdência Social.

O art. 22 da Lei no 12.618/12, que dispõe sobre o benefício especial que se aplica aos servidores públicos federais oriundos, sem quebra de continuidade, de cargo público estatutário de outro Ente da Federação que não tenha instituído o respectivo regime de previdência complementar e que ingresse em cargo público efetivo federal a partir da instituição da primeira Funpresp, deve ser interpretado como uma opção dada a tais servidores, que, caso desejem, possam ingressar no novo sistema, contando com a quantificação do benefício especial pelo tempo pretérito exercido em cargos públicos estaduais, distritais ou municipais. Somente em tal contexto poderá o dispositivo vigorar.

Ingresso e manutenção da filiação 

Mesmo para novos servidores, cumpre notar que o ingresso no regime de previdência complementar será sempre voluntário (art. 202, caput, CF/88). Caso não deseje ingressar, pode optar por somente contribuir ao regime próprio sobre o limite máximo do RGPS, garantindo o benefício nas regras vigentes do RPPS.

Pode mesmo optar por regime de previdência complementar aberto, por convicção pessoal ou outro motivo; pode mesmo assegurar seu futuro por investimentos diferentes, como imóveis. O que importa é que resta assegurada a liberdade do servidor em optar pelo melhor meio de usufruir de seu patrimônio.

A Lei no 12.618/12, por natural, não ingressa em detalhes de manutenção mínima, períodos de contribuição, quantificação de renda mensal, os quais, por prudência, devem ser fixados nos respectivos regulamentos, passiveis de adequações periódicas quando há motivação atuarial para tanto. Portanto, o art. 13, caput, delega aos regulamentos dos planos de benefícios a disciplina específica das prestações.

A contribuição, fixada em lei, tanto para o participante como para o patrocinador é de 8,5% (art. 16, § 3o). Nada impede que o servidor efetue, além da contribuição normal, recolhimentos superiores ao percentual estabelecido, mas não haverá, para tais excedentes, contraprestação do patrocinador estatal (art. 16, § 4o).

A Lei também admite a manutenção da filiação ao regime complementar nas hipóteses de cessão a outro órgão, mesmo empresas públicas ou sociedades de economia mista, licenças com ou sem remuneração, e ainda para os que optarem pelo benefício proporcional diferido ou autopatrocínio (art. 14).

Caso seja uma cessão com ônus, ou seja, quando o órgão cedente mantém o pagamento da remuneração, o respectivo patrocinador preserva, também, o encargo de continuar efetuando as contribuições devidas. Caso o ônus seja do cessionário, este assume, frente ao servidor público, os encargos do patrocinador.

Conclusão

A temática da previdência complementar, em especial desde a reforma de 1998 e a publicação das LC nos 108 e 109/01, muito tem evoluído, tendo o sistema nacional uma maturidade nunca antes alcançada.

No momento em que os regimes próprios de previdência aderem ao sistema, haverá um natural crescimento do setor, demandando acompanhamento rigoroso do Poder Público e dos participantes e assistidos. Não poderá o sistema ser utilizado como instrumento político ou meio de assegurar equilíbrio financeiro do Estado, sem compromisso com o bem-estar dos servidores públicos.

A Lei no 12.618/12 traz algumas previsões preocupantes, as quais, esperamos, sejam oriundas do descuido natural de um projeto aprovado com grande celeridade, mas que nunca poderão propiciar um modelo inferior e mais restritivo que a previdência complementar privada hoje existente.

Sendo o objetivo principal do novo regime a isonomia – e não o mero equilíbrio financeiro – deve o Estado reconhecer os novos direitos decorrentes da normatização inovadora, adotando, nas dificuldades que ainda virão, o paradigma dos modelos privados existentes, já maduros e robustecidos pelas experiências dos últimos anos.

Notas___________________

1 Sobre o tema, ver A Previdência Social no Estado Contemporâneo. Niterói: Impetus, 2011.

2 A chamada aposentadoria integral, com proventos fixados de forma igual à última remuneração do servidor, somente poderá ser obtida por aqueles que já haviam ingressado no serviço público até 31/12/2003. Sobre o tema, ver o meu Curso de Direito Previdenciário. 17 ed. Niterói: Impetus, 2012.

3 Cf. FERREIRA, Sérgio de Andréa. As Fundações de Direito Privado Instituídas pelo Poder Público no Brasil. Rio de Janeiro, 1970, p. 15.

4 Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Fundações de Direito Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 04.

5 Por todos, ver GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 217.

6 Sobre a necessidade de poder de império e a imposição de ingresso como atributos necessários de entidades públicas, ver FERREIRA, Sérgio de Andréa. Op. cit., p. 20.

7 O item 19 do EMI no 00097/2007/MP/MPS/MF, que acompanhou o PL no 1997, reza que os planos de benefícios a serem oferecidos aos servidores, conforme as disposições estabelecidas no Capítulo III do Projeto, serão estruturados de modo a manter características de contribuição definida nas fases de acumulação de recursos e de percepção dos benefícios. Tal desenho apresenta vantagens do ponto de vista fiscal, pois elimina a possibilidade de geração de eventuais déficits.

8 Tal situação, em tese, poderá ser atendida pelo Fundo de Cobertura de Benefícios Extraordinários – FCBE, previsto no art. 17, § 1o, da Lei no 12.618/12.