Paulo Gonet Branco tomou posse como Procurador-Geral da República para um mandato de dois anos em solenidade realizada no dia 18 de dezembro. Nascido no Rio de Janeiro, o novo PGR integra o Ministério Público Federal desde 1987 e é subprocurador-geral desde 2012. De perfil discreto, exerceu diversos cargos na instituição, tendo atuado também como diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) entre 2020 e 2021 e como Vice-Procurador-Geral Eleitoral (de julho de 2021 a setembro de 2023).
Há mais de uma década, Gonet é professor universitário, com ênfase em Direito Constitucional, além de ter publicado diversos livros e artigos. Foi Procurador-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Conselheiro Superior do Centro de Altos Estudos em Controle e Administração Pública do Tribunal de Contas da União (TCU).
Sua indicação para suceder Augusto Aras à frente da PGR foi aprovada pelo Plenário do Senado, por 65 votos a 11, após aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em discurso na cerimônia de posse, que segue abaixo, Gonet falou em “reviver na instituição altos valores constitucionais”, defendeu a unidade do Ministério Público e a preservação dos direitos individuais e coletivos. E, ainda, a proteção da população vulnerável.
Leia a seguir a íntegra do discurso de Gonet Branco:
“Temos um passado a resgatar, um presente a nos dedicar e um futuro a preparar.
O Ministério Público vive um momento crucial na cronologia da nossa República democrática. O instante é de reviver na instituição os altos valores constitucionais que inspiraram a sua concepção única, na história e no direito comparado.
O Constituinte de 1988 nos situou como corresponsáveis na constituição e preservação do fomento dos direitos individuais e coletivos, dos direitos sociais, das liberdades públicas, da peleja em prol da igualdade e do progresso econômico ecologicamente sustentado.
Somos corresponsáveis pela preservação da democracia, estabelecida como eixo axiomático de toda a ordem jurídica, social e política. Somos corresponsáveis pelo estilo e resguardo dos valores republicanos.
Cabe-nos, sem dúvida, o sentimento de enlevo diante da importância com que nos tratou a República de 1988, entregando-nos tantas competências inéditas e requalificadas.
Cumpre que nos portemos sob a inspiração dessas fontes básicas da nossa existência institucional e a ela constantemente nos reportemos. Se o fizermos, teremos boa atuação no presente, e demonstraremos para o futuro, que também conosco o constituinte foi bem avisado.
Sabemos que não nos foi dado formular políticas públicas, nem deliberar sobre a conformação social e política das relações entre cidadãos. Essas decisões essenciais estão reservadas ao povo, que se expressa pelos representantes eleitos para isso. Cabe, porém, a nós, do Ministério Público, função muito a ser apreciada. Está no nosso domínio concitar que as políticas públicas determinadas pelo constituinte sejam efetivamente concebidas e que as que forem prescritas sejam consumadas, sempre que estiverem adstritas aos limites constitucionais da liberdade de conformação dos representantes do povo.
A harmonia entre os poderes, fundada no respeito devido a cada um deles às altas missões próprias e as dos outros, é pressuposto para o funcionamento proveitoso e resoluto do próprio Estado Democrático de Direito, a isso o Ministério Público deve ater-se e é isso que lhe incumbe propiciar.
A defesa constante dos direitos inerentes à dignidade que peculiariza cada ser humano deve ser o nosso norte intransigente.
Respeitar a dignidade é atuar para que todos disponham das condições mínimas para viver – e viver em liberdade, de acordo com as conquistas da civilização tecnológica, democrática e republicana.
Nos limites de nossa atuação, havemos de estar atentos, de modo especial, aos que sofrem e que não têm quem os acolha; aos que não acham espaço de proteção na política, nem no interesse jornalístico, nem nos cuidados da sociedade civil, a fim de que todos encontrem alívio e alento. Esses que tantas vezes estão invisivelmente ao nosso lado nas paisagens do cotidiano, são os que mais reclamam o dever de agir.
Respeitar a dignidade do outro é reconhecer autonomia, liberdade de realizar e elaborar seus próprios projetos de vida. É, contudo, também, cobrar-lhes a responsabilidade pelos seus atos e omissões, que infrinjam os deveres legais para com todos os semelhantes e para com a coletividade. Não há respeito pleno da dignidade sem que reconheçamos a responsabilidade de cada qual pelos atos que praticam ou que omitem.
A nós do Ministério Público espera-se que atuemos firmemente na cobrança dessas responsabilidades, na investigação dos fatos que importem falta a esses compromissos, em busca de punição e reparação justas.
Daí o nosso dever indeclinável de combater a corrupção, as organizações criminosas, os atos que perturbam a indispensável segurança na vida das relações. Daí a nossa pertinaz e radical oposição aos que se dedicam a destruir os projetos vitais de convivência pacífica e democrática. Daí a nossa terminante rejeição à leviandade na gestão dos bens comuns de todos os cidadãos.
No zelo pelo cumprimento dessa tarefa primordial, haveremos de ser os primeiros a mostrar o nosso compromisso com os direitos de dignidade de todos, mesmo do mais censurável malfeitor, submetendo-os sempre às garantia constitucionais dos que estão sob as nossas vistas, contendo-nos às estritas competências de que somos titulares e obedecendo aos limites éticos do papel que nos foi confiado.
A atuação no Ministério Público é, assim, particularmente exigente para os seus membros, e para o seu melhor desempenho é de se esperar o seu reconhecimento prático do seu labor, medido em retribuição proporcional ao que se lhes demanda.
Mais ainda, se devemos manter sempre o ânimo ardente pelo nobre múnus que o Constituinte nos conferiu, não podemos perder de vista que o equilíbrio deve ser o nosso apanágio. Toda ordem jurídica final visa ao balanço satisfatório de forças, interesses e direitos.
Esse equilíbrio se obtém a partir de ações consequentes e assisadas. Se todos somos, por decisão constitucional, independentes no exercício de nossas funções, formamos, também, em virtude do desenho constitucional que nos define, uma unidade. Daí seria imperioso o bom funcionamento dos órgãos de coordenação e disciplina para que a independência desatenta da unidade não resulte em momentos de cacofonia institucional, desmerecedores da nossa vocação superior.
Nesse plano, como Ulisses, no Mar das Sereias, sedutoras e capciosas, devemos estar aferrolhados ao mastro forte; no nosso caso, o dos princípios constitucionais diretores do nosso atuar e do nosso destino.
No nosso agir técnico, não buscamos palco, nem holofotes, mas com destemor, havemos de ser fiéis e completos ao que nos delega o Constituinte e nos outorga o legislador democrático.
Devemos ser inabaláveis diante os ataques dos interesses contrariados e constantes diante das efervescências das opiniões ligeiras.
Devemos sobretudo ter a audácia de sermos bons, justos e corretos.
É isso o que impetro para mim e para todo o Ministério Público,ao Deus da Paz, com a dedicação a essas causas dos meus melhores esforços no desempenho do cargo em que fui investido. Muito obrigado.”