Edição

A independência dos Poderes

5 de maio de 1999

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(Discurso proferido na posse dos novos dirigentes do Tribunal Regional Federal da 2a Região, em abril de 1999)

“O Tribunal Regional Federal da 2a Região comemora o seu 10° aniversário, ocorrido no último dia 30 de Março, e empossa os seus novos dirigentes. Os Desembargadores Alberto Nogueira e Arnaldo Esteves Lima assumem a Presidência e Vice-Presidência, respectivamente, do Tribunal Regional Federal da 2a Região, e o Desembargador Frederico José Leite Gueiros assume a Corregedoria-Geral da Justiça Federal nesta Região.

Como autoridades máximas do Poder Judiciário Federal na 2a Região, serão responsáveis diretos pelo seu bom funcionamento e deverão zelar pela permanência da sua dignidade, mantendo a harmonia e a independência entre os Poderes. Não é tarefa fácil, mas missão árdua dificultada pelo momento político em que vivemos.

Instala-se no Senado Federal, por iniciativa de seu Presidente, Comissão Parlamentar de Inquérito, a chamada CPI do Judiciário, em clima de desconfiança e de discórdia, para apuração de atos de corrupção de improbidade administrativa e de nepotismo, que teriam sido praticados por juízes. As Comissões Parlamentares de Inquérito estão previstas constitucionalmente para apuração de fato determinado e por prazo certo. Sua criação, portanto, deveria ser precedida da indicação precisa do fato que pretende apurar, para não ocorrer violação de expressa disposição constitucional.

É absolutamente inadmissível investigar sentenças judiciais, ao menos enquanto se pretender que vivamos no Estado de Direito Democrático que tem em um dos seus fundamentos a independência dos Poderes.

É preciso, pois, cautela na condução de assunto tão grave. A CPI não poderá ser Tribunal de exceção ou de revisão de atos judiciais.

Perante tal Tribunal, nenhum juiz responderá sobre as razões de seus despachos, decisões, sentenças e votos.

É essencial, como condição de validade, que a CPI imaginada pelo Senador Antonio Carlos Magalhães submeta-se desde o seu nascimento, aos limites constitucionalmente impostos, e que a apuração do ato determinado que a motivou obedeça o devido processo legal. Se assim não ocorrer, os atos da CPI poderão ser anulados pelo próprio Poder que pretenda investigar, instalando-se crise institucional sem precedente na história do Brasil. Tampouco a reforma do Judiciário pode ser tratada validamente na referida CPI, embora houvesse tal intenção, pois se falava em extinção ou redução das Justiças do Trabalho e Militar e em criação de um órgão de controle externo, que o Ministro Sepulveda Pertence receia ‘viesse a servir como nova máquina burocrática, inevitavelmente, como arrazoável representação de políticos mal sucedidos em eleições’.

Sob tal clima, instala-se na Câmara dos Deputados outra Comissão destinada a discutir e definir a reforma do Poder Judiciário, por todos desejada, pois todos almejam o aperfeiçoamento do Estado.

Existem propostas formuladas há mais de sete anos que estão obsoletas, e outras recentes com sabor de novidade. Algumas são sugeridas por pessoas que não conhecem suficientemente bem aquilo que querem reformar. A reforma do Poder judiciário, não pode ser a reforma imaginada previamente por determinada pessoa, mas aquela que surja após a análise serena da situação de fato, depois de amplo debate, de estudo sobre o impacto jurídico, social e econômico de cada modificação pretendida; enfim, aquela que corresponda aos seus objetivos, ou seja, a reforma que torne o Poder Judiciário mais célere, eficaz e menos oneroso, sem afetar a segurança de seus julgados e a sua independência.

É necessário, ainda, que reformadores não se deixem influenciar pela CPI do Judiciário. As críticas mais contundentes feitas pela sociedade ao Poder Judiciário se referem a sua morosidade e ineficiência. Em outras palavras, ele é lento e não consegue entregar o bem da vida a quem a ele tem direito. Afirma-se, também, que o seu funcionamento é excessivamente oneroso aos cofres públicos, e óbvio, portanto, que qualquer reforma do Poder Judiciário, deverá atacar e remover as causas que o fizer lento, ineficaz e oneroso.

Cumpre agora indagar quais são essas causas e o que fazer para eliminá-Ias invertendo a situação, isto é, tomando o Judiciário rápido e eficaz a custo razoável.

Eis aí, em síntese apertada e simplificada, o problema posto em discussão. Resolvê-lo cientificamente não e fácil, mas devemos de pronto afastar qualquer modificação que implique em restrição à independência do Magistrado e do próprio Poder Judiciário.

Devemos, igualmente, repelir com veemência a menor tentativa de intervenção no resultado do julgamento. Este deverá ser produto exclusivo da livre convicção do Juiz e poderá ser revisto nos termos da lei e por Tribunal legalmente constituído.

Algumas respostas são obtidas da observação de fatos evidentes. Podemos afirmar que a Justiça Federal é lenta, porque as leis processuais fazem o processo tramitar vagarosamente, e porque o número de ações distribuídas a cada Juiz excede, em muito, o número das julgadas por mais operoso que seja. A Justiça Federal é ineficaz, também, em razão de leis que dificultam a execução dos seus julgados. A execução contra a Fazenda Pública é um tormento para todos os envolvidos no processo, principalmente para o Diretor que não consegue receber o que Ihe é devido, senão depois de decorridos vários anos, às vezes décadas.

É fato corriqueiro a expedição de vários Precatórios requisitórios referentes a mesma Execução. E tudo isso representa custo, onerando desnecessariamente a atividade de prestar jurisdição.

A solução compete em parte ao Poder Legislativo que pode rever toda a Legislação, simplificando-a e tornando-a mais adequada à obtenção dos objetivos perseguidos.

Porque na justiça Federal são propostas tantas ações? Porque a Administração Pública, principalmente do Poder Executivo, viola com freqüência os direitos dos administrados e não age de acordo com o decidido pelos Tribunais Superiores?

O administrador só pode fazer o que está previsto em Lei. O Judiciário interpreta a Lei esclarecendo a sua compreensão e extensão.

Inexplicavelmente, a Administração age em desacordo com esta interpretação e milhares de ações são propostas com o mesmo objeto, já decididas pelos Tribunais. São ações desnecessárias. E tudo isto tem um custo elevado.

E quando o Poder Legislativo, por um lado, gera Lei, permitindo a antecipação da tutela jurisdicional, por outro, abre exceções favorecendo os entes públicos e políticos, o que, na Justiça Federal, a torna ineficaz.

A reforma do Poder Judiciário exige cuidadosa revisão da legislação e da sua estrutura e tudo isto tem um custo. Mas, a reforma do Poder Judiciário não pode ser feita sem a cooperação dos outros Poderes e sem a presença concreta, atuante de um Estado Democrático de Direito, limitado pela Lei e obediente ao julgado dos Tribunais.

Se quisermos realmente avançar significativamente neste campo, deveremos reformar o próprio Estado, mas, mantendo o frágil equilíbrio entre os Poderes.

Outro motivo de séria preocupação é a instalação, no Senado, da CPI do sistema financeiro, ao mesmo tempo em que se instala a do Judiciário. É que, em tese, os interesses de uma poderão influir na outra, prejudicando a ambas.

Difícil, portanto, o momento em que os novos dirigentes desta casa assumem seus cargos e funções. Mas, estão à altura da complexidade dos fatos e de suas graves responsabilidades. Nenhum deles é uma improvisação, como os senhores poderão verificar de seus currículos simplificados e resumidos.

Das primeiras letras, Presidente, Vice-Presidente e Corregedor, foi uma longa caminhada, vencida pelo brilho de suas inteligências, pelo esforço pessoal e pela retidão de caráter.

Todos eles têm atuação significativa na vida pública e cultural.

Como predestinados, vieram se preparando ao longo dos anos para a missão que ora Ihes é confiada.”