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A sucessão no Direito Empresarial

12 de junho de 2023

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Com repercussões em várias áreas jurídicas, a temática da sucessão empresarial encontra algumas dificuldades no Direito Privado, segundo os especialistas, devido às “lacunas legislativas” ainda existentes em relação às operações societárias relativamente corriqueiras no mundo corporativo. Para debater eventuais avanços jurisprudenciais que venham para aperfeiçoar a interpretação das leis ou mesmo preencher este “vácuo normativo”, a Revista JC realizou em 18 de maio nova edição do programa Conversa com o Judiciário, com o tema “A sucessão no Direito Empresarial”.

O encontro reuniu o atual Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, o seu colega magistrado na Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro, e o professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Heitor Vitor Mendonça Sica, que discutiram aspectos legais controversos da sucessão.

Participaram do evento diretores jurídicos de empresas, acadêmicos e vários magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), como o Vice-Presidente da Corte, Desembargador Guilherme Strenger, o Presidente da Câmara de Direito Privado, Desembargador Artur César Beretta, o Diretor da Escola Paulista de Magistratura (EPM), Desembargador José Maria Câmara Júnior, além dos desembargadores Maria Olívia Alves (6ª Câmara de Direito Público), Sérgio Shimura (2ª Câmara Empresarial), Márcia Barone (4ª Câmara de Direito Privado) e dos juízes Clarissa Tauk (3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais), Mônica Di Stasi (3ª Vara Cível) e João de Oliveira Rodrigues Filho (1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais).

Drop down e transpasse – Uma das práticas empresariais relacionadas à sucessão ainda não devidamente regulada pela legislação é o chamado drop down, que consiste basicamente na criação de nova sociedade a partir de uma estrutura societária já existente, na qual, em troca dos ativos aportados na integralização de capital, há a atribuição de cotas societárias.

“Em princípio, seguindo-se a estrutura normal de uma operação como essa, não haveria qualquer tipo de defraudação à garantia que o patrimônio da sociedade original representa para o pagamento dos credores. Contudo, é evidente que se essa operação for utilizada com finalidades fraudulentas, precisaríamos atrair a incidência dos elementos que já existem na legislação, a começar pela desconsideração da personalidade jurídica ou, quando não, na fraude contra credores, com mecanismos destinados a buscar no patrimônio de quem não é originalmente integrante da relação obrigacional bens que possam responder pela satisfação da obrigação”, explicou o professor Heitor Sica.

Outro tema relacionado à sucessão considerado por Heitor Sica como ainda mal regulado no Brasil é o chamado trespasse ou transpasse de estabelecimento, cujas regras definidas no Código Civil, segundo ele, são fontes de muitas dúvidas na doutrina e nos tribunais quanto à extensão das responsabilidades por dívidas do alienante em relação ao adquirente. “É preciso separar o trespasse irregular, feito com o objetivo de lesar credores, da hipótese de um imóvel circunstancialmente utilizado para uma finalidade específica passar a ser utilizado para essa mesma finalidade por um terceiro, estranho ao titular originário desse estabelecimento, em que, portanto, não se verificaria essa transmissão de todos os aspectos materiais e imateriais que constituem um estabelecimento”, apontou o professor.

Capitalismo com alma – Outra questão levantada pelo Ministro Moura Ribeiro relacionada à sucessão diz respeito à exclusão da obrigatoriedade das empresas limitadas de grande porte de publicarem ou não as suas demonstrações contábeis. Segundo o magistrado, o tema causava preocupação na “comunidade empresarial”, mas foi pacificado por recente decisão da 4ª Turma do STJ no julgamento, em março deste ano, do Recurso Especial (REsp) nº 1.824.891-RJ, relatado por ele, no sentido de que o silêncio intencional do legislador a esse respeito na Lei nº 11.638/2007 afasta a obrigatoriedade.

O Ministro Moura Ribeiro comentou ainda outra decisão recente do STJ relacionada à sucessão, em agravo interno do REsp nº 1.837.435-SP, no qual se decidiu que a caracterização da sucessão empresarial não exige a comprovação formal da transferência de bens, direitos e obrigações a nova sociedade, admitida sua presunção, quando os elementos indicam que houve prosseguimento da exploração da mesma atividade econômica, no mesmo endereço e com o mesmo objeto.

“Queremos um capitalismo que tenha cheiro bom, que tenha alma, isso é o que no fim das contas o STJ vem pensando nessa ideia de sucessão de Direito Empresarial”, comentou por fim em sua participação o Ministro Moura Ribeiro.

Personalidade jurídica – Após uma verdadeira aula sobre as origens históricas da desconsideração da personalidade jurídica – hoje utilizada na interpretação do Consolidação das Leis Trabalhistas, no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil, no Código de Processo Civil e de várias outras leis nacionais – o Ministro Luis Felipe Salomão explicou que a aplicação do instituto no Brasil “não se contenta apenas com o esvaziamento patrimonial da empresa para se atingir os bens dos sócios”, mas exige outros pré-requisitos, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

Segundo o ministro, por meio dos artigos relacionados à sucessão no Código Civil (1.144 ao  1.146), a lei diz que o adquirente responde pelas obrigações anteriores, desde que contabilizadas, e que sempre haverá solidariedade de quem vendeu por um período de um ano, fora situações excepcionais e eventuais atos ilícitos. Contudo, ele sublinhou que o STJ é frequentemente provocado para julgar questões que fogem a essas regras, e que, nesses casos, em geral, o Tribunal atua em defesa dos investimentos.