Ajufe mulheres e a defesa da diversidade no poder judiciário

6 de setembro de 2023

Compartilhe:

Boas práticas e a atuação associativa junto ao Conselho Nacional de Justiça

Introdução

A Comissão Ajufe Mulheres foi criada em 2017, a partir da inquietação de juízas e juízes fede-
 rais com a baixa participação feminina na magistratura, escancarada em números pelo Censo do Poder Judiciário de 2014. Havia o sentimento por parte das juízas de que vida pessoal sempre fora mais afetada que a dos seus colegas homens, vivenciando dificuldades adicionais durante a carreira pelo simples fato de serem mulheres.

Uma das primeiras iniciativas da Ajufe Mulheres foi a realização de uma pesquisa para coleta de informações acerca dos anseios e dificuldades das magistradas federais. Pela primeira vez, elas foram ouvidas sobre os obstáculos encontrados no exercício da magistratura e na progressão na carreira.

A grande maioria das pesquisadas, naquele momento, mencionou a dupla jornada da mulher e a dificuldade de acompanhamento familiar nas mudanças de lotação decorrentes das promoções.

Outrossim, coletou-se sugestões sobre como mudar esse cenário, tendo especial destaque a necessidade de maior presença feminina em posições de gestão do Judiciário, mudança na estrutura da carreira, regulamentação do teletrabalho, e medidas de educação e divulgação sobre o tema.

Os resultados da pesquisa foram transformados na Nota Técnica nº 1/2017, que passou a ser divulgada pela Ajufe e apresentada aos órgãos do Judiciário, além de ter sido utilizada como material de pesquisa acadêmica.

No mesmo ano, iniciou-se o trabalho de coleta de informações junto ao Conselho da Justiça Federal (CJF) sobre a carreira das magistradas, participação de mulheres em bancas de concurso e cargos de direção, e convocações, o que, em 2019, deu ensejo à Nota Técnica nº 2/2019.

A obtenção dos dados iniciais, a partir das magistradas federais e dos Tribunais Regionais Federais, foi fundamental para que a comissão pudesse dirigir sua atuação, levantando hipóteses que pudessem explicar a baixa participação feminina na magistratura e o chamado “teto de vidro”, promovendo eventos científicos e propondo soluções e medidas junto aos órgãos de cúpula do Judiciário.

Desde então, a Ajufe Mulheres vem promovendo eventos científicos, pesquisas, publicações e requerimentos aos órgãos de cúpula do Judiciário com a intenção de debater as assimetrias de gênero e raça na composição dos quadros do Poder Judiciário, por entender que a diversidade é indispensável para a concretização da democracia.

Além disso, tem jogado luzes sobre o tratamento das usuárias e usuários do sistema de Justiça, promovendo e participando de discussões sobre julgamento com perspectiva de gênero, com atuação de integrantes da comissão no grupo de trabalho instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a redação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.

O que os números mostram

As ações da Ajufe Mulheres estão ancoradas em dados oficiais sobre a participação feminina no Poder Judiciário, que decorrem de pesquisas realizadas pelo CNJ e o CJF, tais como o Censo do Poder Judiciário de 2013, publicado em 2014, a pesquisa “Diagnóstico da participação feminina no Poder Judiciário”, de 2019; a pesquisa “A participação feminina nos concursos para a Magistratura”, de 2020, a “Pesquisa sobre negros e negras no Poder Judiciário”, de 2021, e a mais recente de todas, publicada em 2023, a pesquisa “Participação feminina na magistratura: Atualizações”.

De acordo com os dados atuais, as mulheres
correspondem a quase 52% da população brasileira, enquanto as juízas representam apenas 38% e as magistradas negras apenas 6%,do total de magistrados no País.

As juízas substitutas representam 45,7% do total, mas na segunda instância as mulheres representam apenas 25,7% do quadro. Além disso, as pesquisas apontam a estagnação no acesso aos cargos de segunda instância: entre 2008 e 2018, o percentual de 24,9% aumentou menos de um ponto percentual (25,7%). 

Na Justiça Federal houve uma redução de magistradas federais, de 34,6%, em 2008, para 31,2%, em 2018. A diminuição foi mais acentuada quanto ao número de desembargadoras: em 2008, elas eram 24,5%, passando para 20,3% em 2018. Após a ampliação da Justiça Federal em segundo grau e a criação do TRF6, com o aumento de 76 novos cargos de desembargador, as mulheres continuaram a representar apenas aproximadamente 20% do quadro.

A situação não é melhor quando se analisam os tribunais superiores: na última década, as mulheres ocuparam apenas 13,3% das vagas abertas.

Por que diversidade importa?

Diante desse retrato, é indispensável que os órgãos estatais, em especial os que materializam Poderes do Estado, que é republicano e democrático, sejam compostos de forma plural, refletindo a sociedade em que estão inseridos.

Nessa perspectiva, a baixa diversidade no Poder Judiciário não é exclusivamente um problema das minorias sociais, mas sim de toda a sociedade. A partir da análise da dimensão interna do sistema de Justiça, ou seja, das estruturas que o compõem e das dinâmicas de ingresso e progressão na carreira, com a lente de gênero e raça, a diversidade na composição dos quadros é premissa necessária para que o Poder Judiciário cumpra seu compromisso com a democracia e com o Estado de Direito.

A luta por representatividade interna impulsiona a reflexão sobre a realidade demográfica da população brasileira e a garantia efetiva de igualdade de oportunidades nos espaços de poder, conectando-se, também, com a dimensão externa, que se traduz na prestação jurisdicional. 

Pioneirismo e boas práticas

A Ajufe Mulheres foi primeira comissão instituída entre as associações de classe para tratar do tema gênero no sistema de Justiça, tendo inspirado a criação de outras comissões, como a Anamatra Mulheres, ANPR Mulheres, AMB Mulheres, Rejufe Mulheres, TRF1 Mulheres, dentre outras.

Em um momento em que ainda não se discutia a baixa participação feminina e inexistia qualquer tipo de política de incentivo à participação das mulheres no Poder Judiciário, a Ajufe Mulheres inovou ao iniciar o debate sobre desigualdades e assimetrias de gênero no sistema de Justiça, em especial ao publicar as Notas Técnicas nº 1 e 2, conforme já explicitado anteriormente. 

De 2017 para cá, a Comissão atuou diretamente no CNJ frente à Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, em pesquisas internacionais e na realização dos cinco seminários “Mulheres no sistema de Justiça: Desafios e trajetórias”, além de elaborar cartilhas, livros, publicações diversas, podcast, grupo de estudos, dentre outros eventos.

A Comissão ainda trabalha junto aos órgãos do Poder Judiciário para a implementação de medidas tais como a paridade no acesso aos tribunais, nas convocações e cargos diretivos, criação de plataforma de dados permanente de informações dos tribunais sobre raça e gênero na magistratura, e a regulamentação do teletrabalho para gestantes e lactantes e pais até os 24 meses de vida da criança.

Conclusões

Após seis anos de criação da Ajufe Mulheres e cinco da publicação da Resolução nº 255 pelo CNJ, a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário tem frutificado. Sabe-se que a diversidade é imperativo à concretização da democracia.

Pesquisas e dados têm sido publicados com frequência, embasando a formulação das políticas públicas de promoção da igualdade. Tem-se notícia da iminente criação de um banco de dados desagregados com recortes de gênero, raça e etnia, que irá permitir a consulta aos números do Poder Judiciário em tempo real, favorecendo de modo mais eficiente a elaboração de medidas de incentivo e promoção da diversidade pelos diversos atores do sistema da Justiça.

Das informações disponíveis até o momento, extraiu-se que a participação feminina na magistratura tem decrescido nos últimos anos, a despeito de todos os esforços para sua promoção. O chamado “teto de vidro”, longe de ser uma hipótese, tem sido reiteradamente confirmado: as mulheres ascendem na carreira em menor proporção que os homens. A iniquidade chega ao extremo quando se inclui o marcador racial nesta equação.

O tempo não está se encarregando de promover a igualdade e a diversidade nos tribunais.

Diante desse quadro já conhecido e respaldado em números, é preciso avançar e buscar respostas aos novos questionamentos sobre os caminhos e ferramentas para a concretização da diversidade na composição do Poder Judiciário.

A Ajufe Mulheres continuará defendendo a pauta da igualdade e diversidade no Poder Judiciário, da defesa dos direitos humanos e do combate à discriminação em todas as suas formas, em colaboração com o CNJ na formulação de políticas públicas para a diversidade no sistema de Justiça.

Notas_________________________

1 https://www.Ajufe.org.br/images/pdf/NotaTecnica01Mulheres.pdf

2 SCIAMARELLA, Ana Paula. “Magistratura e gênero: Uma análise da condição profissional feminina no Judiciário fluminense” – Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2020, disponível em https://www.academia.edu/56802775/Magistratura_e_g%C3%AAnero_um_olhar_sobre_as_mulheres_nas_c%C3%BApulas_do_judici%C3%A1rio_brasileiro

3 https://www.Ajufe.org.br/images/2019/PDF2019/Nota-Tecnica-Mulheres-2.pdf

4 https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/censo-do-poder-judiciario/edicao-2013/

5 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/05/cae277dd017bb4d4457755febf5eed9f.pdf

6 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB_RELATORIO_Participacao_Feminina-FIM.pdf

7 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/rela-negros-negras-no-poder-judiciario-150921.pdf

8 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/03/relatorio-participacao-feminina-na-magistratura-v3-20-03-23-ficha-catalografica.pdf

9 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/rela-negros-negras-no-poder-judiciario-150921.pdf

10