Edição

Algumas considerações sobre a política, como ciência e arte, o direito e o poder judiciário

31 de março de 2007

Compartilhe:

A política, como ciência, no dizer de Garner, proporciona conhecimentos sobre o Estado e, como arte, procura a solução dos problemas concretos e trata dos processos e meios que o governo emprega para realizar os fins do Estado.

A política é uma ciência aplicada, que tem por objeto a dinâmica do Estado, sua projeção no futuro.

É preciso ter consciência, na análise da questão, de que, no mundo da sociedade, imperam as mudanças, as diferenciações, o desenvolvimento, e ele é diverso do mundo da natureza. Nele reina a heterogeneidade, a infinita diversidade, a probabilidade, a teleologia. No mundo da natureza, basta um fenômeno para se levar à lei geral. Na sociedade, tudo se passa diferentemente, e cada fenômeno é, em si mesmo, uma espécie, alguma coisa irreversível que, na lição de Jellinek, existe uma só vez e não se reproduz em condições idênticas, senão, no melhor dos casos, em situações análogas, da mesma forma que na “infinita massa dos seres humanos nunca reaparecerá o mesmo indivíduo”.

O político precisa atuar com conhecimentos científicos, como estudioso da sociedade. Ele deve se apresentar como um ser dotado de um mínimo de dogmatismo inconsciente e se propor a versar o conteúdo difícil das ciências sociais, sabendo de seus embaraços, com honestidade incansável, e se mostrar um pesquisador das verdades que se extraem do comportamento dos grupos e da dinâmica das relações sociais.

Sobre o prisma filosófico, a política estuda os acontecimentos, as instituições, as idéias políticas, tanto em sentido teórico (a doutrina) como em sentido prático (a arte), referindo-se ao passado, ao presente e às possibilidades futuras. Nesse campo, cabe a análise sobre a racionalização do poder, a legitimação das bases sociais em que o poder repousa; investiga-se o poder político, a essência dos partidos, sua organização, sua técnica de combate e proselitismo, sua liderança, seus programas; interrogam-se as formas legítimas de autoridade; indaga-se à administração pública como nela fluem os atos legislativos ou como a força dos parlamentares, sob a égide de grupos socioeconômicos poderosos, empresta à democracia suas pe-culiaridades mais flagrantes. Em sua constante sociológica, não podem ficar esquecidas as raízes históricas da evolução política.

A evolução política de nosso Estado brasileiro trouxe-nos à atual organização com base no direito. Somos uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, que se constitui em Estado Democrático de Direito, o qual tem como fundamento a regra de que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, segundo a Constituição, e se norteia pelos princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político. Todos importantes e que precisam ser aprimorados e tornados efetivos, em nosso meio social, para o que será indispensável o trabalho altruístico da classe política, das autoridades públicas e do povo.

O Direito escrito, que deve, pelo Judiciário, ser aplicado no âmbito do Estado, vem do trabalho construtivo do Poder Legislativo, com a participação, hoje, essencial, do Poder Executivo. Historicamente, bem se sabe, o direito não se repete, salvo em relação à permanência de seus elementos abstratos, ou seja, enciclopédicos. O direito tem suas fases, suas etapas encadeando-se, variando sempre sobre um grande fundo imutável, conforme salienta Edmond Picard.

O direito transforma-se com os interesses e as necessidades da vida. Os elementos jurídicos constituídos fazem-lhe surgir outros, o organismo desenvolve-se em virtude de sua força íntima, nasce, cresce como um ser, desde a vida interuterina e embriogênica das instituições jurídicas rudimentares, em uma série de aproximações, em um crescimento incessante, em uma eliminação e assimilação sucessivas, análogas às secreções e às evaporações fisiológicas. No Direito, como em todas as evoluções, a mortalha das instituições que perecem serve de faixa às instituições recém-nascidas. A todo momento, há morte e vida!

Os fatos e os acontecimentos jurídicos do passado são documentos para consultar, não modelos para imitar.

Se a força costumeira faz luzir e fermentar o suco jurídico à superfície das multidões, como o suor na pele, não é por este único modo de colher o direito que a humanidade tem mantido. Também emprega a força legislativa, que o produz pelo funcionamento de um Poder organizado, trabalhando conforme determinados processos e revestindo estes da forma das leis propriamente ditas. O Poder Legislativo, que deve fazer as leis do Estado, precisa se conscientizar de seu valor social para a manutenção das instituições sociais e para seu aprimoramento.

O Poder não pode servir para realizar, sob a aparência jurídica, as fantasias e o egoísmo daqueles que o tem exercido. O povo deve ser governado não para servir de corpo de experimentação às lucubrações pessoais dos legisladores, mas para orientar, executar suas próprias indicações, para realizar o ideal que ele segrega. O legislador deve ser um registrador hábil das necessidades populares, um confessor da alma geral, dizendo melhor e com mais clareza o que esta balbucia confusamente. Batido, constantemente, pelas vagas humanas, deverá, conforme a magnífica expressão de Nicolau Berryer, notável advogado francês, que viveu entre os séculos 18 e 19, “não sentir no assalto destas ondas, senão uma solicitação ao seu gênio”.

Do mesmo modo que o legislador, o jurisconsulto, em suas edificações teóricas, deve inspirar-se, antes de tudo, na alma popular e só empregar a razão para melhor descobri-la e melhor exprimi-la. Deve permanecer seu intérprete fiel, aconselha Picard, traduzindo, em uma forma clara e metódica, essas tendências flutuantes e dando solidez ao que elas têm de fluidez. O jurista de bom conselho, como o legislador de bom quilate, deve ser apenas um hábil parteiro das necessidades nacionais. É sempre irracional e tirânico tentar realizar, pela vontade e pela força, um efeito fora da causa natural que o produz.

O Poder Judiciário precisa, de igual modo, evoluir sempre, enfrentando os fatos e as aspirações de seu tempo, procurando cumprir bem seu ideal de servir ao povo e realizar sua missão constitucional.

A Justiça, para merecer seu grande nome, precisa abraçar toda  a sociedade, não fornecer suas vantagens a alguns, mas a todos; não ser apenas a servidora dos poderosos, mas, sobretudo, dos humildes; não esquecer ninguém e não esquecer nenhuma necessidade; exigir o concurso de todos, mas no limite das forças de cada qual; penetrar na organização social como um fluído benéfico, levando saúde e alegria para todos. Este programa pre-cisa ser realizado e ser o norte fervoroso de todos os magistrados.

À luz do pensamento democrático, que tem clareado seu caminho de progressão para a defesa da liberdade, a Justiça deve estar sempre na busca da orientação do direito de participação no ato criador da vontade política. Ela dever considerar a soberania popular como fonte de todo poder legítimo, que se traduz através da vontade geral, enfatizar o princípio do sufrágio universal, com pluralidade de candidatos e de partidos, a observância constitucional do princípio da distinção de poderes, a igualdade de todos perante a lei, a adesão ao princípio da fraternidade social, a limitação das prerrogativas dos go-vernantes, o Estado de direito, a temporariedade dos mandatos eletivos e a existência plenamente garantida das minorias políticas, com direito e possibilidade de representação.

O poder é do povo e o governo é dos representantes, em nome do povo, bem se sabe!