Apropriação indébita nos precatórios e títulos públicos

30 de novembro de 2000

Orpheu Santos Salles Editor

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(Editorial originalmente publicado na edição 10, 11/2000)

Constituição federal:
Dos direitos e garantias fundamentais

Art 5º – ……………………………………….
XXXIV – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Art. 60 – …………………………………….
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir;

IV –  os direitos e garantias individuais.

O Governo Federal, agora com a conivência do Congresso Nacional, pretende fazer letra morta das cláusulas pétreas da Constituição Federal.

O pretendido calote dos títulos da dívida pública, – como vem sendo defendido pelo Governo perante os Tribunais, constitui a negação do direito e uma manobra sub-reptícia visando confundir a Justiça, obrigando os Magistrados a aceitarem esse esbulho contra o direito, a razão e a moralidade.

Agora, absurdamente, o Governo conseguiu do Congresso a aberração espúria da aprovação de Emenda Constitucional, alterando o pagamento dos Precatórios, prorrogando o prazo para 10 anos.

Da bancada da imprensa, na Câmara Federal, assistimos atônitos e espantados a quase totalidade dos Deputados presentes – com exceção apenas do Deputado Ricardo Fiúza, do PFL/PE – aprovar o absurdo, verdadeiro esbulho e apropriação indébita, como cansou de repetir da tribuna, esse bravo, esclarecido e responsável representante do povo.

Acresce, que além do libelo proferido pelo Deputado Ricardo Fiúza, também a ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS (AMB), divulgou nota assinada pelo seu presidente o Juiz ANTONIO CARLOS VIANA SANTOS, afirmando que a Emenda Constitucional nº 30, que prevê o pagamento dos precatórios em dez parcelas anuais “constitui uma verdadeira institucionalização do calote do Estado em causa própria.”

A nota da AMB afirma ainda que “o brasileiro lesado pelo  Estado terá de esperar ainda mais dez anos para recebimento de crédito incontestável, ‘em parcelas a perder de vista’, e que a administração pública interpõe todos os recursos possíveis e imagináveis para retardar a própria condenação”.

Para a AMB, os governantes devem dar o exemplo, procedendo de forma honesta na reparação de qualquer dano causado aos cidadãos. “Na contra-mão do exemplo que dele se espera, o Congresso constitucionaliza o calote, deixa os lesados pelo Poder Público ao desamparo e protela por mais dez anos os já longos processos contra a administração pública, depois de submeter a inúmeras restrições a concessão de liminares em tais feitos”.

Declarou mais o Presidente da AMB, Juiz Antonio Carlos Viana Santos: “Amanhã, diante do quadro pouco edificante resultante, alguns por desconhecimento, outros por má-fé, irão culpar o Poder Judiciário pela falta de efetividade da jurisdição e demora na solução dos processos conscientemente buscada. (…) O Congresso Nacional, ao invés de colaborar para tornar efetivas e rápidas as decisões judiciais, garantindo o direito do cidadão brasileiro, preferiu inserir na própria Constituição norma autorizadora de calote governamental”.

Não bastasse a tentativa do calote oficial dos Precatórios, já plenamente sacramentada pelo Congresso Nacional e em vias de sanção da Presidência da República – ferindo nos casos de débitos oriundos de sentenças transitada em julgado e de direito adquirido nas cláusulas pétreas da Constituição Federal, – ainda temos a questão do resgate dos títulos da DÍVIDA PÚBLICA, emitidos pelo Tesouro Nacional no interregno de 1902 a 1924, já com inúmeros pleitos que tramitam nos emperrados Juízos Federais para frustração dos jurisdicionados e angústia dos Operadores do Direito.

Sobre a matéria, torna-se oportuna a lembrança do cenário da Alta Corte, em voto conspícuo, ressaltado pelo Ministro CELSO MELLO: “A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadadas em julgado traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da separação de poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso sistema jurídico, a própria concepção do Estado Democrático de Direito”. Enfatizando, a seguir: “ O DEVER DE CUMPRIR as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder Público, muito mais de que simples incumbência de ordem processual, representa uma INCONTORNÁVEL obrigação institucional a que NÃO se pode subtrair o aparelho do Estado, sob pena de grave comprometimento dos princípios consagrados no texto da  República “(RTJ 167/767).