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As ações nos Juizados Especiais Cíveis e as recuperações judiciais de empresas

27 de agosto de 2021

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A presença das empresas nos Juizados Especiais Cíveis pode ocorrer tanto na condição de requeridas quanto como autoras. Por vezes, as micro e pequenas empresas utilizam o sistema dos Juizados Especiais para cobrar seus créditos, contando com os benefícios desse microssistema especial. Mais comum ainda é a demanda ajuizada por consumidores contra empresas no âmbito dos Juizados Especiais.

Nesse sentido, surge uma frequente dúvida: qual é o impacto da recuperação judicial de uma empresa sobre as demandas em curso nos Juizados Especiais?

Nossa proposta, neste texto, será a breve análise das hipóteses em que a recuperação judicial de uma empresa impacta no andamento de uma ação nos Juizados Especiais. Para isso, nosso ponto de partida será a necessária análise das hipóteses em que as empresas atuam nos Juizados Especiais.

Os Juizados Especiais  e a atividade empresarial 

Os Juizados Especiais Cíveis, instituídos pela Lei nº 9.099/1995 em cumprimento ao mandamento constitucional do art. 98, inciso I, foram idealizados para solucionar as lides que estampam causas cíveis de menor complexidade de forma mais eficiente. 

Dado o sucesso que o rito especial ganhou entre a população, promovendo soluções rápidas de problemas que por vezes nem sequer eram levados ao Poder Judiciário, não tardou o legislador em determinar a aplicação desse mesmo rito às microempresas e às empresas de pequeno porte (art. 74 da Lei Complementar nº 123/2006). Ainda que haja respeitáveis entendimentos no sentido de que essa capacidade postulatória está limitada apenas às pessoas físicas empresariais, a verdade é que existe razoável consenso no sentido de que a LC nº 123/2006, ao afirmar que as microempresas e as empresas de pequeno porte que a lei trata, assim como as pessoas físicas capazes, passam a ser admitidas como proponentes de ação perante o Juizado Especial, não deixou margem à dúvida: estava falando também das pessoas jurídicas empresárias, constituídas sob a forma de microempresa ou empresa de pequeno porte.

Dito isso, salta aos olhos a importância dos Juizados Especiais Cíveis estaduais para a atividade empresarial também sob a ótica creditória: as microempresas e empresas de pequeno porte, contingente majoritário, em termos absolutos, das empresas do País, estão habilitadas a buscarem seus créditos de até 40 salários mínimos na gratuita via dos juizados. E mais. De acordo com o Enunciado nº 48 do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje), a faculdade de demandar sem a assistência de advogados (art. 9º, § 1º, da Lei nº 9.099/1995) se estende também àquelas. Em tempos de crise econômica, mostra-se imprescindível esse instrumento de acesso à Justiça, possibilitando às empresas uma opção mais barata (isenta de custas), mais célere e informal de tentativa de recuperação de créditos. Não há dúvidas, portanto, que se trata de mecanismo que de alguma forma dá concreção ao art. 170, inciso III, da Constituição Federal (CF), promovendo a função social da empresa.

Por otro lado, não se pode desconsiderar que a entrada em vigor dos Juizados em 1995 potencializou a eficácia de outra lei que também tem fundamento constitucional (artigos 5º, XXXII, e 170, V, ambos da CF) – o Código de Defesa do Consumidor, popularizando as causas consumerista em todo o País. Na relação jurídica de consumo, não podemos nos olvidar que, na ponta invertida da relação, encontra-se o empresário. Consequentemente, é absolutamente corriqueira a presença das empresas (micro, pequenas e grandes corporações) no polo passivo de processos de Juizados. Daí por que, do ponto de vista de estratégia econômico-jurídica, mostra-se imprescindível que se busque uma organização defensiva consistente, incluindo opções de composição, como forma de minimizar custos e orientar condutas futuras, tanto no campo de propaganda, quanto no campo negocial.

Do mesmo modo, com a entrada em vigor da Lei nº 14.181/2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor para incluir regras de prevenção ao superendividamento, o consumidor superendividado poderá requerer a instauração de processo de repactuação de dívidas em audiência conciliatória, presentes todos os credores, incluindo os empresários. Imaginando que as dívidas desse consumidor não ultrapasse o teto de 40 salários mínimos, será possível que se instaure esse processo no sistema dos Juizados Especiais.

Finalmente, vem se revelando muito comum nos Juizados Especiais processos envolvendo somente empresários nos dois polos, como, por exemplo, litígios havidos entre franqueados e franqueadores, máxime quando o cerne da lide envolve apenas análise de cláusula contratual. 

Nesse quadro, percebe-se que os Juizados Especiais Cíveis, a despeito de alguma ideia pré-concebida, vêm se revelando cada vez mais presentes no dia a dia empresarial, o que os transforma em importante instrumento de realização de atividade econômica.

Os impactos da recuperação judicial nos créditos e execuções cíveis

Conforme dispõe o art. 6º, e seus incisos, da Lei nº 11.101/2005 (recentemente reformada pela Lei nº 14.112/2020), a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: a suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeita ao regime dessa lei; a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor; e a proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

A primeira observação importante é notar que somente os créditos sujeitos ao regime dessa lei e as respectivas execuções é que são atingidos por seus efeitos. Nesse sentido, conforme dispõe o art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Assim, somente sofrerão impactos da recuperação judicial as execuções referentes a créditos cuja origem seja anterior à data da distribuição do pedido de recuperação judicial.

Deve-se atentar que somente ficarão suspensas as execuções de créditos cuja origem ou cujo fato gerador seja anterior à distribuição do pedido de recuperação judicial. Nesse caso, não só as execuções deverão ficar suspensas, como também será proibida a prática de qualquer ato de constrição na referida execução, como penhora, arresto ou qualquer outra forma de retenção.

As ações de conhecimento que estejam em andamento nos Juizados Especiais, ainda que referentes a créditos anteriores ao ajuizamento do pedido de recuperação judicial, deverão prosseguir normalmente até a definição da existência e do valor do crédito por sentença.

Nesse sentido, dispõe o art. 6º, § 1º, que terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida

Assim, as ações de conhecimento que versarem sobre créditos sujeitos à recuperação judicial devem prosseguir até a sentença que defina sua existência e seu valor. Já as execuções de créditos sujeitos à recuperação judicial que estiverem em andamento ao tempo do ajuizamento da recuperação judicial deverão ficar suspensas a partir da decisão que deferir o seu processamento.

Nesses casos, o credor deverá requerer ao juiz dos Juizados Especiais a expedição de uma certidão do crédito (reconhecido na sentença, quando proferida, ou em já execução) para habilitação no processo de recuperação judicial. Não há, em hipótese alguma, redistribuição de processos.

O credor deverá participar do processo de recuperação judicial, negociando e aprovando ou rejeitando o plano de recuperação da empresa. Caso aprovado um plano, o credor deverá receber nas condições estabelecidas na recuperação judicial, havendo a novação do crédito original (novação sui generis, pois apenas se tornará definitiva com o encerramento da recuperação judicial; se houver convolação da recuperação em falência, os credores voltam à situação inicial, restabelecidos seus direitos nas condições originais).

Vale destacar que a habilitação do crédito poderá ser até mesmo desnecessária, se a devedora já o houver relacionado na lista de credores que acompanha a petição inicial da recuperação judicial e que será publicado por meio de edital, nos termos do art. 52, §1º, da Lei nº 11.101/2005. Nesse caso, basta ao credor verificar a exatidão do valor do crédito e de sua classificação. Caso exista algum equívoco, o credor poderá pleitear diretamente ao administrador judicial a modificação por meio do procedimento informal da divergência administrativa, no prazo previsto no art. 7º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005.

Caso o credor não tenha sido originalmente relacionado pela devedora, ou na hipótese de a divergência administrativa não ter sido acolhida pelo administrador judicial, caberá ao credor providenciar a habilitação do seu crédito nos termos do art. 8º e seguintes da Lei nº 11.101/2005.

Quando a empresa em recuperação judicial é autora de ações nos juizados especiais, a existência desse procedimento recuperacional não causa nenhum impacto no andamento da demanda nos juizados. A empresa em recuperação judicial continua sendo gerida por seus administradores naturais, sendo-lhe preservado o direito de prosseguir nas demandas já ajuizadas antes da recuperação ou que venham a ser ajuizadas depois dela.

Se houver a excepcional situação de afastamento judicial dos gestores da empresa em recuperação judicial, o gestor judicial passará a representar processualmente a empresa autora da demanda nos juizados especiais.

Vale destacar que o administrador judicial de uma recuperação judicial é apenas um auxiliar do juízo recuperacional com função predominantemente fiscalizatória. Não se trata de um gestor da devedora, tampouco de seu representante legal.

Conclusão

Os Juizados Especiais, como proposta de intervenção estatal por meio de um procedimento sumariíssimo, flexibilizado e desformalizado, trouxeram significativos avanços não só para a prestação jurisdicional e para o acesso ao sistema de Justiça, mas, sobretudo, para o próprio exercício da cidadania. Assim, conhecer como se dá a repercussão das decisões proferidas nos processos de recuperação judicial nos processos que correm nos Juizados Especiais é crucial para a efetiva execução do crédito e a satisfação do interesse econômico.