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As contribuições do CNJ para o Judiciário brasileiro

18 de julho de 2012

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1. Introdução

Criado pela Emenda Constitucional no 45, de 2004, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi instalado em junho de 2005 e, desde então, tem trabalhado incansavelmente pela melhoria do controle, da racionalização e da transparência administrativa e processual. Composto por representantes da magistratura, do Ministério Público, da advocacia e da sociedade civil, o CNJ é encarregado de realizar a supervisão da atuação administrativa e financeira do Judiciário.

Ao contrário de outros países, a instituição desse Conselho no Brasil não ocorreu para responder a anseios da magistratura por maior autonomia e independência, nem para impedir a ingerência de outros Poderes no Judiciário, mas como forma de integração e coordenação dos diversos órgãos jurisdicionais nacionais, por meio de uma Instituição central com atribuições de controle e fiscalização de caráter administrativo, financeiro e correcional.

A autoridade a ser exercida pelo Conselho Nacional de Justiça deve ter em vista suprir as necessidades dos diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro, considerando, como premissa inafastável, que tais órgãos são os primeiros responsáveis pelos próprios destinos e somente diante de sua inegável insuficiência ou deficiência, de todas as ordens, é que deverá o órgão central atuar.

De tal forma, a atividade desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça como órgão de coordenação e planejamento administrativo do Poder Judiciário é fundamental para o aperfeiçoamento do sistema judiciário brasileiro. O presente texto abordará suas principais características e contribuições para o sistema judiciário brasileiro.

2. Conselho Nacional de Justiça e Gestão Estratégica do Judiciário

A atuação do Conselho Nacional de Justiça, como órgão encarregado de supervisionar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, está subdividida em duas grandes vertentes: modernização da gestão, a partir da adoção do planejamento estratégico e cultura de resultados; e modernização do “processo produtivo” do Judiciário, com o investimento permanente em meios tecnológicos que aperfeiçoem a eficiência dos órgãos judiciais e reduzam a cultura burocrática e cartorária da Justiça.

A realização de pesquisas que permitam conhecer a realidade da justiça brasileira é um pressuposto dessa atuação institucional. Somente com o diagnóstico preciso dessa realidade é possível buscar soluções para os problemas estruturais e conjunturais do Poder Judiciário, bem como fomentar mudanças substanciais no sistema brasileiro de prestação de justiça.

Nesse sentido, destaca-se a importância do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça e do relatório “Justiça em Números”, organizado por este órgão desde 2004. Esse documento é capaz de fornecer e sistematizar dados e indicadores que permitem o melhor conhecimento do funcionamento da Justiça pelos próprios órgãos do Poder Judiciário, pelas instituições do Estado e pela sociedade civil.

De acordo com a última edição do “Justiça em Números”, divulgado em 2011, durante o ano de 2010 tramitaram na Justiça brasileira cerca de 83,4 milhões de processos, que representa 0,6% de aumento em relação ao ano anterior.  Entretanto, em relação a processos novos, houve queda de 3,9% quando comparado com o período anterior – algo em torno de um milhão de novas demandas a menos. Outra questão apurada foi a de que a maioria do movimento processual nacional (60%) está concentrado nos Tribunais de Justiça de quatro Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Diante desse diagnóstico, medidas como aplicação propor­cional dos recursos orçamentários, realocação de servidores, maior investimento em infraestrutura e tecnologia passam a ser discutidas e incentivadas, como ações desejáveis e que podem, a curto ou médio prazo, alterar essa realidade.

De um modo geral, os relatórios estatísticos revelam que, para além dos investimentos de que a justiça brasileira carece, é preciso que se atue na reestruturação da própria gestão do Judiciário.

Consolida-se o entendimento de que a efetividade da Justiça brasileira passa ao largo do mero expansionismo, traduzido repetidamente em aumento da estrutura física e do quadro de pessoal, e de que é preciso melhorar a eficiência nas áreas administrativa e judiciária para fazer frente à cultura de judicialização excessiva, em que o Judiciário é visto como desaguadouro das expectativas de um terço da população, aproximadamente.

2.1. Planejamento estratégico e estabelecimento de metas

No tocante à melhoria da gestão dos tribunais, o Conselho Nacional de Justiça coordenou o “Planejamento Estratégico do Poder Judiciário”, aprovado pelos Presidentes dos 91 tribunais brasileiros no 2o Encontro Nacional do Judiciário, realizado em fevereiro de 2009, e institucionalizado pela Resolução no 70, do Conselho Nacional de Justiça.

Tal iniciativa significa que, pela primeira vez na história, todos os órgãos do Poder Judiciário passaram a atuar com propósitos comuns, traduzidos em objetivos estratégicos, norteados por atributos de valor como credibilidade, acessibilidade, celeridade, ética, imparcialidade, modernidade, probidade, responsabilidade social e ambiental e transparência.

Assim, a partir de objetivos estratégicos comuns a todo o Poder Judiciário, eleitos de forma consensual, programas são desenvolvidos, com espectro nacional e local, na busca de um serviço público padrão em que o compartilhamento de conhecimentos, boas práticas, sistemas e estruturas contribuem para o aprimoramento dos serviços e para a eliminação gradativa da desigualdade entre os diversos segmentos da Justiça Brasileira. O Poder Judiciário hoje se define como um Poder Nacional, em que cada um dos órgãos, independentemente de sua competência, é parte de uma grande engrenagem.

Diante dos diferentes estágios de desenvolvimento dos tribunais brasileiros, a revelar a necessidade de um nivelamento mínimo dos serviços judiciais postos à disposição da sociedade, os presidentes dos tribunais brasileiros também se comprometeram com o cumprimento, já a partir de 2009, de 10 Metas Nacionais, traçadas para combater o volume de ações a partir de grupos específicos de processos.

Merece destaque a denominada “Meta 2”, destinada a identificar os casos mais antigos e a adotar medidas concretas para o julgamento de todos aqueles distribuídos até 31 de dezembro 2005 (em 1o, 2o grau ou tribunais superiores). A par do desafio lançado e da necessidade de redobrado esforço de cada um dos magistrados e servidores do Poder Judiciário, esta meta demonstra o compromisso institucional, perante a sociedade brasileira, de entrega de serviços judiciais em prazo razoável.

O essencial a destacar é que, a partir de um Plano de Gestão Nacional, o Judiciário brasileiro passa a adotar uma cultura de resultados, em que cada objetivo estratégico está vinculado a indicadores e metas de curto, médio e longo prazos, permanentemente monitorados em busca de melhores e melhores resultados.

2.2. A informatização do Poder Judiciário

A informatização do Poder Judiciário é medida relevante e que tem sido realizada como estratégia indispensável para a ampliação da transparência, publicidade e eficiência dos órgãos judiciais para a proteção e promoção de direitos fundamentais.

Para tanto, foi criado o Sistema CNJ – Projudi, sistema de processo eletrônico que elimina o uso do papel no Judiciário e automatiza rotinas cartorárias, gerando grande economia de tempo e de custos. Esse recurso permite às partes, advogados, servidores e magistrados o acesso aos autos via internet, de qualquer lugar do mundo, com total segurança.

No mesmo sentido, importante mencionar também o Sistema BACEN JUD, resultado de convênio com o Banco Central do Brasil e que permite o bloqueio eletrônico de valores em contas de devedores, bem como o Sistema Renajud, originado de convênio com o Ministério da Justiça e o Denatran, para identificação e o registro de restrições a veículos de devedores em todo o território nacional.

No âmbito criminal, uma inovação relevante foi a instalação da VEP-virtual, sistema eletrônico para uso das Varas de Execução Penal, que permite o controle eletrônico das condenações. Essa será analisada adiante, no tópico destinado aos avanços do CNJ em âmbito de execução penal.

2.3. O estímulo à conciliação

Para estimular que conflitos sejam resolvidos pelas partes em momento anterior ao seu acesso às instâncias do Poder Judiciário, o CNJ criou o projeto Conciliar é legal,que vem apresentando resultados bastante significativos.

Em 2011, durante a Sexta Semana Nacional da Conciliação, 53 tribunais realizaram 339.608 audiências de conciliação. Nessas, 163.906 processos foram solucionados de forma definitiva, evitando o congestionamento do sistema e efetivando o direito das partes envolvidas de forma satisfatória. Os valores envolvidos nos acordos chegaram à cifra aproximada de R$ 1 bilhão de reais.

Em conjunto, tais dados são representativos de como a atuação racional e planejada é importante para a geração de maior celeridade e maior efetividade dos direitos fundamentais no acesso à Justiça.

Como forma de estímulo, o CNJ ainda reconhece os esforços dos Tribunais, concedendo destaque àqueles que conseguiram obter os melhores índices de conciliação. Em dezembro de 2011, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1), e o Tribunal Regional do Trabalho da 14a Região (TRT14) receberam o Prêmio “Conciliar é legal”. Juntos, homologaram 34 mil acordos, totalizando, em valores, R$ 97.669.996,33.

Ainda, mencione-se a preocupação do Conselho Nacional de Justiça em procurar sistematizar a atuação de conciliadores e mediadores. Por meio da Resolução no 125, de 29 de novembro de 2010, instituiu a “Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos”. Esta, que especifica que o CNJ é competente para “organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação” (art. 4o), organiza a atuação de conciliadores e mediadores – inclusive em relação à formação mínima exigida para atuação –, e institui um Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais.

2.4.  Medidas alternativas para o grande volume de execuções

As edições do “Justiça em Números” têm indicado que as execuções formam a maior parte do volume de ações atualmente em tramitação no Poder Judiciário. Dados do último relatório apontam a existência de 27 milhões de execuções fiscais no Brasil – aproximadamente 27% do total – a maioria concentrada em primeiro grau. De acordo com levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com o CNJ, a carga média de trabalho dos magistrados brasileiros é de 1.679 processos por juiz. Na execução fiscal, a taxa sobe para 2.730.

A fase de execução também representa a maior taxa de congestionamento do 1o grau. O “Justiça em Números” constatou que a cada 100 processos que tramitaram em 2010, aproximadamente 84 não tiveram sua baixa definitiva alcançada.

Para combater especificamente esse problema, o Conselho Nacional de Justiça decidiu, junto com os 91 tribunais do País, priorizar a redução em pelo menos 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução e, em 20%, o acervo de execuções fiscais. Essa medida está prevista na denominada “Meta 3” do CNJ.

Os dados apurados indicam, por exemplo, que, apesar do volume de demandas, os valores arrecadados são normalmente irrisórios, a confirmar a ineficiência do nosso sistema judicial de cobrança. Com base nisso, muitos magistrados passaram a apostar na tentativa de conciliação para casos considerados menos complexos, no que vem apresentando bons índices de acordo.

Uma novidade que também é apontada como provável apoio à solução dessa matéria é a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Estes, que tiveram sua instalação autorizada pela Lei 12.153/2009, estimulam a conciliação e pretendem dar rápidas respostas às demandas.

Além disso, mencione-se outra novidade introduzida pela Emenda Constitucional no 45, de 2004, que é a transferência da competência do julgamento de execução fiscal trabalhista, até então da Justiça Comum, para a Justiça Federal do Trabalho. É o previsto pela atual redação do art. 114, VII, da Constituição Federal. Trata-se de alteração que deu maior praticidade à execução, inclusive por tal execução continuar no mesmo tribunal especializado que lhe deu origem.

2.4.1. Estímulo à desjudicialização

É preciso, entretanto, racionalizar todo esse proce­dimento e evitar, principalmente, o ajuizamento de novas demandas. O CNJ apoia a criação de mecanismos que estimulem a via administrativa, combatendo-se a judicialização.

Sob essa perspectiva, meios extrajudiciais de resolução de conflitos passam a ser uma alternativa ao Judiciário, seja pela celeridade, pela especificidade dos conflitos ou pela complexidade técnica.

Ressalte-se, nesse sentido, a eficiência do Procon para dirimir conflitos entre consumidores e fornecedores, inclusive por meio do incentivo à conciliação. Para dar maior efetividade às decisões proferidas por esse órgão, há projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados para transformá-las em título executivo extrajudicial. Com isso, pretende-se não apenas fortalecer a atuação especializada do Procon, mas, principalmente, garantir que menos demandas sejam ajuizadas.

Entretanto, a consolidação de uma cultura de utilização de meios alternativos no nosso país passa necessariamente pela aceitação da ideia de que é possível a resolução de controvérsias por outros caminhos, que não passem, obrigatoriamente, pela intervenção do poder estatal.

Há, entre nós, um flagrante desenvolvimento da crença de que a única forma de fazer justiça é por meio do Poder Judiciário. O fortalecimento da cultura administrativa, que permitiria a realização do Direito sem intervenção judicial, também é um desafio a essa questão.

3. Conselho Nacional de Justiça e Execução Penal

Uma questão recorrente no meu período como Presidente do Conselho Nacional de Justiça – biênio 2008/2010 – era o recebimento de reclamações sobre atrasos na concessão da Lei de Execuções Penais, bem como de excesso de prazo da prisão provisória. Como resposta, esse órgão tem atuado de diversas maneiras, em cooperação com os diferentes Poderes e com a sociedade civil, no intuito de garantir o efetivo cumprimento dos direitos fundamentais de caráter judicial e da própria Lei de Execução Penal.

Para efetividade de direitos como a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da CF/88), garantia do devido processo legal (art. 5o, LIV, da CF/88), presunção de inocência (art. 5o, LVII, da CF/88) e razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII, da CF/88), o Conselho Nacional de Justiça tem atuado basicamente segundo quatro diretrizes: planejamento estratégico e coordenação da política judiciária, modernização tecnológica, ampliação do acesso à justiça, pacificação e responsabilidade social e garantia de efetivo cumprimento da Lei de Execução Penal.

3.1. Modernização do Poder Judiciário

A adoção de medidas que visem à modernização do Judiciário e, consequentemente, à celeridade processual, é importante instrumento para a garantia do devido cumprimento da lei, especialmente de Execução Penal, assim como das garantias legais e constitucionais dos sujeitos do processo criminal.

A utilização do processo virtual possibilita maior controle e transparência às execuções criminais, maior celeridade no trâmite processual e uma prestação jurisdicional mais eficiente. Sua ideia surgiu a partir da verificação de centenas de casos de penas vencidas e de excesso de prazo para a concessão de benefícios garantidos pela Lei de Execução Penal. Esses problemas foram constatados nos mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, nos quais restou evidente a necessidade de criação de mecanismos de verificação do cumprimento das penas que não fossem apenas baseados no controle manual dos processos. Daí o surgimento de Varas Criminais e de Execução Penal Virtuais (VECs e VEPs-Virtuais).

Com a criação do processo virtual nas varas de execuções penais, possibilita-se ao Juízo de Execuções Penais, v.g., o recebimento, a devolução e o acompanhamento das guias de execução de pena (definitiva ou provisória) e de medidas de segurança; o recebimento e acompanhamento de presos provisórios; o controle gerencial dos processos de execução; o controle populacional (réus conforme regime ou situação penal); o controle de concessão de benefícios; e o controle das atividades dos servidores do Juízo de Execuções Penais.

A primeira vara de execução penal virtual foi instalada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em meados de 2008, e automaticamente passou a servir de modelo para a construção de um sistema que pudesse ser transmitido pelo Conselho Nacional de Justiça aos demais Tribunais.

No tocante a menores infratores, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei, criado pela Resolução no 77 do CNJ, tem como objetivo auxiliar os juízes no controle da aplicação das medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei. A finalidade do Cadastro é unificar os dados de todas as comarcas das unidades da Federação referentes aos adolescentes envolvidos na prática de atos infracionais, estejam ou não em cumprimento das respectivas medidas, e encontra-se disponível no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça, com acesso exclusivo aos órgãos autorizados.

Na esteira dos propósitos de melhoria da gestão do Judiciário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça também criou o Programa Integrar para auxiliar os tribunais estaduais na adoção de boas práticas de gestão que contribuam para a modernização de rotinas de trabalho e para a melhoria do atendimento ao cidadão.

De forma regular, o Conselho Nacional de Justiça ainda emite instruções aos Tribunais, visando à maior efetividade e organização da prestação jurisdicional. Citem-se, v.g., a Recomendação 20/2008, que sugere aos Tribunais o maior intercâmbio de experiências no âmbito da execução penal, a adoção de processo eletrônico, a estruturação e a regionalização das varas de execuções penais, e, aos juízes, maior controle dos mandados de prisão; assim como a Recomendação 21/2008, que orienta os Tribunais no sentido de promoverem ações de recuperação social do preso e do egresso do sistema prisional.

Ao aferir um elevado número de presos provisórios no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução no 66, para que se tenha maior controle sobre as decisões que decretam prisões provisórias em todo o País. Essa Resolução determina que os juízes encaminhem relatórios completos às corregedorias com o número de prisões em flagrante – temporárias e preventivas – assim como o nome dos presos, a data e o motivo da prisão.

Com uma visão global do processo e em busca de melhorias efetivas, outras ações foram desenvolvidas, como o programa Advocacia Voluntária, criado pela Resolução no 62 do CNJ, de 10 de fevereiro de 2010. Esse programa visa prestar assistência jurídica gratuita tanto aos presos que não têm condições de pagar um advogado, quanto aos seus familiares. Busca, desse modo, ampliar os canais de acesso ao Judiciário às pessoas de baixa renda, principalmente em razão do ainda pequeno número de defensores públicos existentes no País.

Nesse sentido, termos de Cooperação Técnica já foram assinados para a instalação de Núcleos de Advocacia Voluntária em São Luís/MA, Teresina/PI, Araguaiana/TO, Manaus/AM, Cuiabá/MT e Diamantino/MT.

3.2. Mutirões carcerários 

Em agosto de 2008, foram iniciados os denominados mutirões carcerários, objetivando-se a aproximação dos órgãos do sistema de Justiça com a realidade do sistema carcerário brasileiro. Trata-se de uma experiência exitosa por permitir que se avalie, com precisão, o atual estado do sistema carcerário brasileiro, incentivando-se a atuação conjunta de Tribunais e demais órgãos públicos.

O primeiro mutirão foi realizado no Rio de Janeiro, em parceria entre o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça desse Estado. A rigor, os mutirões demandam integração e trabalho em conjunto para, de forma rápida, decidir sobre a manutenção ou não da prisão provisória ou de eventuais direitos garantidos pela Lei de Execuções Penais.

A execução dos mutirões carceráriosserviu para deflagrar um quadro de problemas de toda ordem, como contabilização de diversos detentos com penas vencidas, bem como centenas de benefícios, livramento condicional e progressão de regime concedidos já com significativo excesso de prazo. Vários casos marcantes foram identificados nos mutirões, como o de um preso provisório há quatorze anos sem julgamento em primeiro grau de jurisdição.

Os mutirões também evidenciaram a realidade da infraestrutura dos presídios brasileiros. Os relatórios apontam péssimas condições de saúde, superlotação, casos de tortura de presos, entre outras ilegalidades.

Após sanção da Lei no 12.106, em dezembro de 2009, o Conselho Nacional de Justiça foi autorizado a criar o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DFM). Esse, que está sob a administração do próprio Conselho, tornou-se o responsável pela fiscalização e pelo controle do cumprimento das penas no sistema carcerário. Ainda, compete a esse Departamento a propositura de medidas para sanar eventuais irregula­ridades encontradas no sistema.

Com sede em Brasília, no próprio edifício do Supremo Tribunal Federal, o DFM tem suas competências definidas na lei que o instituiu. Entre suas atribuições estão, nos termos do artigo 1o, § 1o:

I – monitorar e fiscalizar o cumprimento das recomendações e resoluções do Conselho Nacional de Justiça em relação à prisão provisória e definitiva, medida de segurança e de internação de adolescentes; II – planejar, organizar e coordenar, no âmbito de cada tribunal, mutirões para reavaliação da prisão provisória e definitiva, da medida de segurança e da internação de adolescentes e para o aperfeiçoamento de rotinas cartorárias; III – acompanhar e propor soluções em face de irregularidades verificadas no sistema carcerário e no sistema de execução de medidas socioeducativas; IV – fomentar a implementação de medidas protetivas e de projetos de capacitação profissional e reinserção social do interno e do egresso do sistema carcerário; V – propor ao Conselho Nacional de Justiça, em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas, a uniformização de procedimentos, bem como de estudos para aperfeiçoamento da legislação sobre a matéria; VI – acompanhar e monitorar projetos relativos à abertura de novas vagas e ao cumprimento da legislação pertinente em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas; VII – acompanhar a implantação e o funcionamento de sistema de gestão eletrônica da execução penal e de mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões  provisórias; VIII – coordenar a instalação de unidades de assistência jurídica voluntária no âmbito do sistema carcerário e do sistema de execução de medidas socioeducativas.

Como forma de dar suporte aos mutirões e às políticas realizadas nesse âmbito, foi criada a Cartilha do Reeducando, um meio de informar aos presos os deveres e direitos no tocante às regras referentes à disciplina carcerária.

Válido ainda ressaltar que, com a realização de mutirões carcerários, estima-se que o País já tenha economizado mais de R$ 420 milhões com a liberação de vagas preenchidas de forma indevida, ou seja, além da própria efetivação da prestação judicial, há também um relevante papel econômico a ser considerado nesse projeto.

3.3. Reinserção social

A Lei de Execuções Penais prevê, em seu artigo 1o, que a execução penal tem também por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Não há, no Brasil, levantamentos precisos sobre a taxa de reincidência de ex-detentos, mas cálculos feitos pelos próprios mutirões evidenciam que essa possa ser  de 60 a 70%. Essa alta porcentagem reflete diretamente na segurança pública, sendo evidente a necessidade de criação de medidas e programas de ressocialização.

É patente, desse modo, que de pouco valeriam as iniciativas no sentido de garantir os direitos fundamentais dos acusados e dos detentos do sistema prisional brasileiro, caso não fossem igualmente criadas formas de reinserção social dos seus egressos.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça criou o Programa Começar de Novo, por meio da Resolução no 96, que, mediante campanha institucional, tem como objetivo sensibilizar a população para a necessidade de recolocação de egressos de presídios no mercado de trabalho e na sociedade.

Entre suas iniciativas, destacam-se, v.g., a realização de campanha de mobilização para a criação de uma rede de cidadania em favor da ressocialização; estabelecimento de parcerias com associações de classe patronais, organi­zações civis e gestores públicos, para apoiar as ações de reinserção; implementação de iniciativas que propiciem o fortalecimento dos Conselhos da Comunidade, para o cumprimento de sua principal atribuição legal – reinte­gração social da pessoa encarcerada ou submetida a medidas e penas alternativas; integração dos serviços sociais nos Estados para seleção dos beneficiários do projeto; criação de um banco de oportunidades de trabalho e de educação e capacitação profissional; acompanhamento dos indicadores e metas de reinserção.

Como forma de auxílio, o Conselho tem celebrado acordos de cooperação técnica que buscam ampliar a oferta de cursos de capacitação profissional de presos. Citem-se aqui os convênios firmados com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e com o Serviço Social da Indústria (SESI). Com a proximidade da Copa do Mundo de 2014, a ser realizada no Brasil, acordo foi firmado com o Clube dos 13 e o Comitê Organizador da Copa do Mundo 2014.

Os órgãos do Judiciário também são convidados a participar dessas ações de inclusão, consoante Resolução no 21 do CNJ. Essa recomenda aos Tribunais que busquem medidas para incentivar a recuperação social do preso e do egresso do sistema prisional.

Nesse sentido, válido registrar o convênio que o Supremo Tribunal Federal assinou com o governo do Distrito Federal, mediante o qual se propôs a receber, a partir de 2009, pessoas sentenciadas, egressas de prisões. Os sentenciados trabalham de seis a oito horas diárias em apoio administrativo ao Tribunal, por até um ano cada. Pelo serviço, ganham salário, vale-transporte e auxílio-alimentação.

Estados e Municípios também já editaram atos para dar efetividade a programas de reinserção de presos, egressos e adolescentes em conflito com a lei. Citem-se o Estado do Maranhão, que, com Lei no 9.116/2010, instituiu a Política Estadual de inserção de egressos do sistema prisional no mercado de trabalho; Minas Gerais, que criou o Projeto Regresso (Decreto no 45.119/2009), destinado ao fomento à inserção dos egressos do sistema prisional mineiro no mercado de trabalho, bem como, com a Lei no 18.401/2009, passou a autorizar o Poder Executivo a conceder subvenção econômica às pessoas jurídicas que contratem egressos do sistema prisional do estado; e o Estado de São Paulo, que, mediante o Programa Pró-Egresso, instituiu o Programa de Inserção de Egressos do Sistema Penitenciário no Mercado de Trabalho (Decreto no 55.126/2009) e o Programa de Inserção de Jovens Egressos e Jovens em Cumprimento de Medida Socioeducativa no Mercado de Trabalho (Decreto no 55.125).

4.  O Conselho Nacional de Justiça e o Direito à Saúde

O Conselho Nacional de Justiça também tem tido importante papel como norteador do Poder Judiciário em questões ligadas ao denominado problema da “judicialização do direito à saúde”. Esse ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo.

A existência de um número significativo de demandas judiciais relacionadas ao direito à saúde motivou a convocação, pela Presidência do Supremo Tribunal Federal, de uma Audiência Pública sobre o tema. Entre os dias 27-29 de abril e 4-7 de maio de 2009, a Corte transformou-se em um verdadeiro fórum para a reflexão e argumentação, mediante a realização de Audiência Pública sobre a saúde.

O evento teve a finalidade especial de promover a participação social por meio de depoimentos de pessoas com experiência e autoridade no que concerne ao Sistema Único de Saúde, em suas várias vertentes. O objetivo específico foi esclarecer as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas e econômicas envolvidas nas decisões judiciais sobre saúde.

Os resultados apresentados nessa Audiência motivaram a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça, do “Fórum Nacional do Judiciário para Assistência à Saúde”. Este, instituído pela Resolução no 107/2010, possui como objetivos a discussão de temas como o aumento das ações judiciárias na área de saúde, a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares, entre outras questões relevantes.

No mesmo sentido, em 30 de março de 2010 o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Recomendação no 31, para que os tribunais adotem medidas visando melhor  subsidiar os magistrados a fim de assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, como, por exemplo, o apoio técnico de médicos e farmacêuticos às decisões dos magistrados.

De acordo com o informado na Audiência, alguns Estados já possuem essa espécie de suporte técnico aos Magistrados. É o exemplo do Rio de Janeiro, que dispõe do auxílio de farmacêuticos às Varas de Fazenda Pública da Capital, para ajudar na avaliação de pertinência de determinado medicamento.

Já a Recomendação no 36, de 12 de julho de 2011, foi editada para determinar que os tribunais adotem medidas visando a melhor subsidiar seus magistrados e demais operadores do Direito, com vistas a assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo especificamente a assistência à saúde suplementar.

Finalmente, na Recomendação no 35, de 12 de julho de 2011, o CNJ manifesta sua preocupação em relação aos pacientes judiciários, estabelecendo orientações à política antimanicomial.

5.  Conclusões

As inovações trazidas para o sistema judiciário brasileiro pela Reforma realizada por meio da Emenda Constitucional no 45, de 2004, pretendem possibilitar a concretização da promessa constitucional de um Judiciário não apenas célere e efetivo, mas também respeitador dos direitos fundamentais. Estas são questões essenciais ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Os esforços para se assegurar tais garantias são nítidos nas diversas iniciativas coordenadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Essa Instituição demonstra constantemente seu austero compromisso com a defesa dos direitos fundamentais, assumindo a sua responsabilidade pela inclusão social e proteção efetiva dos direitos fundamentais e fortalecendo a crença no valor inquestionável da cidadania.

Além disso, o CNJ defende o papel do Judiciário como estabilizador de expectativas econômicas e garantidor de direitos fundamentais e a relevância da cooperação com a iniciativa privada para a construção de um Judiciário mais ajustado às demandas da sociedade. Também, estimula a desjudicialização e resolução de conflitos por meios extrajudiciais.

Em suma, esses avanços e marcos institucionais são relevantes não somente para a modernização dos órgãos do Poder Judiciário, mas também para que a maior efetividade no gasto público e racionalidade na administração possam servir como vetores para o desenvolvimento social e econômico do País.

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Notas:

1Cf. Relatório “Justiça em Números”, disponível em:http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios. Acesso em: 21.2.2012.

2 Cf. Informações do Conselho Nacional de Justiça, disponíveis em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/17528:semana-da-conciliacao-2011-ja-supera-r-1-bilhao-em-acordos&catid=223:cnj. Acesso em: 28.2.2012.

3 Cf. informações do Conselho Nacional de Justiça, disponíveis em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/17548:tribunais-recebem-premio-por-metas-na-conciliacao&catid=223:cnj. Acesso em: 28.2.2012.

4 Dos 46,3 milhões de processos pendentes na 1a instância da Justiça Estadual, cerca de 20,9 milhões (45% do total) eram execuções fiscais. Cf. relatório “Justiça em Números”, edição 2011, p. 7.

5 Cf. Relatório “Custo unitário do processo de execução fiscal”, da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Departamento de Pesquisa Judiciária (DPJ), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2011. Disponível em: http://agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_custounitario.pdf. Acesso em: 28.2.2012.

6 Cf. relatório “Justiça em Número”, edição 2011, p. 9.

7 PL 5.327/2009.

8O Jornal Folha de São Paulo publicou reportagem indicando que “Entre 2003 e 2009, o Ministério da Saúde respondeu a 5.323 processos judiciais com solicitações de medicamentos, um gasto de R$ 159,03 milhões. Só em 2009, foram R$ 83,16 milhões – 78,4% deste valor foram para comprar 35 drogas importadas. Não estão computadas neste montante as ações ingressadas diretamente nos Estados e municípios.” (Reportagem intitulada “Gasto é maior em 2009 que nos 6 anos anteriores”, publicada no Jornal Folha de São Paulo em 24.7.2010).

9Para maiores informações sobre a Audiência Pública sobre Saúde, consultar Audiência Pública – Saúde. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2009.

10Cf. manifestação de Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas, Subprocurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro, na Audiência Pública da Saúde. In: Audiência Pública sobre Saúde, consultar Audiência Pública – Saúde. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2009, p. 108.