As muitas conquistas do 8 de março

7 de março de 2022

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

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O 8 de março é o dia internacionalmente reconhecido como marco da luta das mulheres pela igualdade. No Brasil, a partir de agora, celebraremos a data por outro motivo: o nascimento do Pacote Basta, projeto de lei sugerido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) – e aprovado em prazo recorde no Congresso Nacional – para instituir em todo o País o programa de cooperação “Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”. A proposição legislativa, convertida na Lei no 14.188, de 28 de julho de 2021, também tornou crime a violência psicológica contra a mulher.

Um ano depois, esta é uma das vitórias que devem ser comemoradas em meio a uma conjuntura ainda desoladora. Estamos às voltas com o fim da pandemia de covid-19, que, em meados de 2020, durante a fase aguda da quarentena, levou ao aumento dos índices de violência doméstica, de acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nos meses de março e abril, as ocorrências de feminicídio tiveram um crescimento superior a 22% na comparação com o mesmo período de 2019.

A gravidade do quadro nos impeliu a agir e, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criamos a campanha “Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”. Desde junho de 2020, mulheres têm obtido ajuda ao denunciar as agressões sofridas por intermédio do “X” marcado na palma da mão. A iniciativa começou em farmácias e, hoje, já conta com uma rede espalhada por shopping centers, agências bancárias e repartições públicas.

Da mesma forma, com a criminalização da violência psicológica, muitos casos que poderiam evoluir para o feminicídio foram interrompidos a tempo. O assassinato de mulheres está no ápice de uma cadeia de violações, que se ampara em dois pilares: a certeza da impunidade, por parte dos infratores, e a leniência do Poder Público no enfrentamento ao problema. As mudanças na legislação constituem o pontapé inicial para a necessária transformação – todavia, há um imenso caminho a percorrer.

Com o apoio de diversas entidades da sociedade civil organizada, a campanha “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica” ganhou corpo, obtendo o reconhecimento de toda a mídia nacional, que dedicou extensas reportagens ao assunto. Assim, esse pedido de socorro discreto e silencioso – propício sobretudo para mulheres que vivem sob vigilância cerrada – entrou também nas legislações de 18 estados e de dezenas de municípios.

O projeto saiu às ruas e chegou às embaixadas e consulados do País no exterior, os quais, agora, estão aptos a assistir brasileiras que, no estrangeiro, sofram maus tratos, abusos ou ameaças. Uma comitiva da AMB esteve na Espanha e nos Estados Unidos para encontros com autoridades que atuam na defesa da pauta feminina. O objetivo é que, em todo o mundo, o “X” na mão represente o grito das mulheres que sofrem e que precisam de atendimento imediato.

Viralizaram nas redes sociais diversos casos de vítimas que postaram fotos com o “X” vermelho típico da campanha, para chamar atenção. Houve episódios em que mulheres desenharam o símbolo em bilhetes e os entregaram a atendentes de estabelecimentos comerciais. É fundamental que tenhamos o olhar treinado para, nas atribulações do cotidiano, perceber os sutis sinais das mulheres em situação de violência.

Desde que operárias russas se uniram em protesto contra as más condições de trabalho, há um século, demonstrando que mulheres podem assumir o protagonismo nos movimentos de reivindicação de direitos, o nosso esforço tem sido hercúleo. Precisamos nos empenhar sobremaneira para lograr pequenos avanços, tamanha a inércia do atraso predominante.

Felizmente, o cenário evolui: ocupamos quase todos os lugares, adquirimos independência, podemos criar, inventar, escolher. Até mesmo os cargos que antes eram restritos a homens, hoje possuem mulheres à frente, exercendo com êxito suas funções, a despeito do preconceito e da disparidade de salários. Ser mulher é ser minoria – e a igualdade não pode ser apenas uma miragem no horizonte.

No entanto, é preciso comemorar o que conquistamos, voltar a cabeça e enxergar a força que tivemos para chegar até aqui – e saber que ainda vamos mover grandes montanhas. Nós, que conseguimos adentrar os espaços de poder, ansiamos por incentivar e auxiliar outras mulheres a alcançarem os mesmos sonhos.