Cem anos das Circunscrições Judiciárias Militares

9 de novembro de 2021

Compartilhe:

Introdução

A Justiça Militar da União (JMU) é um dos ramos do Poder Judiciário brasileiro. Sua competência – processar e julgar os crimes militares definidos em lei – está prevista no art. 124 da Constituição Federal de 1988. Diferentemente dos demais ramos do Poder Judiciário Federal, ela não possui tribunais regionais. É composta pelo Superior Tribunal Militar (STM) e por seus órgãos de primeira instância. Tem como norma estruturante a Lei nº 8.457/1992.

Sendo um ramo do Poder Judiciário Federal, seu Tribunal, o STM, tem jurisdição em todo o Brasil. Já os seus órgãos de primeiro grau têm competência para dizer o direito em parcelas do território nacional. Cada uma dessas parcelas é denominada Circunscrição Judiciária Militar (CJM).

Na prática, a CJM equivale à comarca da Justiça Estadual e à Seção Judiciária da Justiça Federal comum, por exemplo. 

O centenário das CJMs

Na sua origem, a Primeira Instância da Justiça Militar da União era organizada em Juntas, Conselhos Mistos e Conselhos de Guerra. 

Criado em 1º de abril de 1808, o STM é o Tribunal mais antigo do País, inclusive precedendo o Supremo Tribunal Federal. Daí porque os respectivos juízes de primeiro grau são quase tão antigos quanto ele. Juízes de Direito eram nomeados para o cargo de Auditor de Guerra desde os tempos do Império, prosseguindo pelo início da República. Geralmente eram personalidades de relevo. Para citar apenas um, no Paraná tivemos Joaquim de Almeida Farinha Sobrinho. Nomeado Auditor de Guerra em 1890, durante o Império, ocupou vários cargos de destaque, incluindo o de Presidente da Província. É também o patrono da Cadeira 18 da Academia Paranaense de Letras.

Essa forma de organizar a primeira instância da Justiça Militar Federal restou alterada de modo substancial e inovador no ano de 1920, com a criação das Circunscrições Judiciárias Militares. Naquele ano, o Decreto nº 14.450, de 30 de outubro, trouxe-nos o Código de Organização Judiciária e Processo Militar, cujo objetivo foi dar racionalidade à estruturação da Primeira Instância da Justiça Militar.

Pouco depois, o Decreto nº 14.544, de 16 de dezembro de 1920, designou as sedes das “Circunscrições de Justiça Militar em tempo de paz” e estabeleceu “a jurisdição dos respectivos auditores”. O território nacional foi dividido em porções territoriais específicas (CJMs) e, à semelhança da Justiça comum, com suas comarcas e varas, as auditorias da JMU, titularizadas por juiz civil togado, vincularam-se a cada CJM.

Para efeitos práticos, a sede e a jurisdição das auditorias coincidiam, como ainda coincidem, com a sede dos comandos militares de maior nível hierárquico e com maior efetivo de pessoal.

Com o referido Decreto de 30 de outubro de 1920, surgiram as Circunscrições Judiciárias Militares, em número de 12. Pela primeira vez em nosso País a Primeira Instância da Justiça Militar Federal era estruturada territorialmente nos moldes atuais. Esse modelo permanece.

A Lei de Organização (Lei nº 8.457/92, LOJM) estabelece que os crimes militares afetos às Forças Armadas brasileiras, ocorridos em território estrageiro, serão julgados nas auditorias da circunscrição com sede na Capital Federal. Isso equivale a dizer que tramitarão na 11ª Circunscrição Judiciária Federal, em Brasília (DF).

Vale destacar que o nome do cargo de juiz da JMU deixou de ostentar o tradicional termo Auditor. Com a Lei nº 13.774/2018, que altera a LOJM/1992, passou a ser Juiz Federal da Justiça Militar.

Ao longo do tempo houve alterações das Circunscrições até o formato atual.

Para celebrar o primeiro centenário de criação das Circunscrições Judiciárias da JMU, o Superior Tribunal Militar organizou cerimônias em todas elas. Inicialmente previstas para o ano de 2020, devido à pandemia de covid-19 acabaram transferidas para o ano seguinte.

Importante lembrar que, seguindo a tradição do Direito romano, herdada via Direito lusitano, a Justiça Militar da União acompanhará nossas Forças Armadas em caso de conflito no exterior.

Assim, duas Juntas de justiça Militar Provisórias acompanharam o Exército Imperial durante a Guerra da Tríplice Aliança, em 1865. E na II Guerra Mundial, duas auditorias expedicionárias seguiram para a Itália com a Força Expedicionária Brasileira, no ano de 1944.

Nossos Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar possuem dispositivos para o tempo de paz e para o tempo de guerra. Quanto ao CPM, naturalmente as penas em tempo de guerra são mais severas, podendo chegar em certos casos à maior sanção penal do ordenamento jurídico pátrio – a pena capital. Já as regras processuais para o tempo de conflito armado tornam os ritos mais céleres.

Conclusão

A Justiça Militar da União, integrada pelo Superior Tribunal Militar, com abrangência nacional, e sua Primeira Instância espraiada por todo o País em suas 12 Circunscrições Judiciárias Militares, apresenta estrutura adequada à sua finalidade constitucional e consentânea com os demais ramos do Poder Judiciário.

Ela permanece sendo o único ramo da nossa Justiça com duas imensas responsabilidades. Acompanhará nossas tropas no exterior para processar e julgar os crimes militares de modo especializado e célere, contribuindo para assegurar sua hierarquia, disciplina, operacionalidade e o exercício legítimo da atividade militar. Ao fazê-lo, em casos extremos, avaliará a necessidade ou não de aplicar a pena mais grave
insculpida em nosso ordenamento jurídico.

Notas_______________________

1 ROSA FILHO, Cherubim. “A Justiça Militar da União através dos tempos: ontem, hoje e amanhã”. 5ª edição revisada e atualizada. Brasília, DF: Superior Tribunal Militar, 2017. 127 p.: il., p. 37.

2 Essa previsão consta na Lei nº 8.457/92 (LOJM), art. 89 e seguintes.

3 CF/88, arts. 5º, XLVII, a), e CPM, art. 55, a).