Defensoria para todos(as)?

6 de agosto de 2019

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Há aproximadamente cinco anos era promulgada a Emenda Constitucional (EC) nº 80, de 4 de junho de 2014, que trouxe um dos mais importantes mandamentos constitucionais referentes à Defensoria Pública. Enquanto projeto normativo a ser submetido à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal já trazia a clareza do que pretendia garantir: Defensoria para todos (e todas).

Além de estabelecer seção própria para a Defensoria Pública, no capítulo IV do Título IV da Constituição Federal, reafirmando sua autonomia como função essencial à Justiça; e constitucionalizar formalmente os princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, já integrados à Lei Complementar nº 80 de 1994; trouxe a previsão, em destaque, sobre a necessidade da expansão do alcance dos serviços da instituição.

A EC nº 80 alterou o art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer que o número de defensoras e de defensores públicos na unidade jurisdicional deve ser proporcional à demanda e à respectiva população; e que a União, os estados e o Distrito Federal deverão, no prazo de oito anos, contar com a presença desses membros em todas as unidades jurisdicionais.

O motivo pelo qual o constituinte reformador precisou deixar expresso o comando tem a ver com o fato de que a realidade material da Defensoria Pública ainda está em descompasso com sua importância enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, que é expressão e instrumento do regime democrático.

A garantia da presença da instituição em todas as comarcas restabelece o equilíbrio da balança da Justiça, que há muito está desarmônica; trazendo paridade de armas no que tange à atuação frente ao Ministério Público, efetividade na tecnicidade da defesa, amplitude do acesso à Justiça e o restabelecimento da cidadania e da dignidade das populações mais atingidas e marginalizadas, por estarem mais distantes ou mesmo sem qualquer assistência do Poder Público.

A premissa deve ser a de que, se há pessoas em qualquer situação de vulnerabilidade, presumível esta inclusive para as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional, deve haver Defensoria Pública garantindo e educando em direitos.

Passados cinco anos, mais da metade do prazo previsto pela EC nº 80, a Defensoria, mesmo sendo a instituição reconhecida pela sociedade brasileira como a mais importante do País, ainda encontra o enorme desafio de se fazer presente, já que menos da metade das unidades jurisdicionais do território nacional contam com defensoras e defensores públicos.

Nesse processo, há também o que ser comemorado. Em março deste ano, o Brasil finalmente pintou de verde o último estado que não contava com Defensoria Pública estruturada nos moldes constitucionais. O Estado do Amapá era o único que não havia realizado concurso público para a carreira de defensor e de defensora, vindo a dar posse a 40 membros, dos quais 21 são mulheres, que passaram a atuar em todas as comarcas, nos 16 municípios.

A realização do concurso público deu início ao processo de autonomia, viabilizado desde a EC nº 45/2004, da instituição, que deve se adequar à Constituição Federal, bem como também atender ao mandamento da EC nº 80.

Questão importante é a de que, para além de garantir presença nas comarcas, deve ser assegurada estrutura de trabalho do membro da carreira, sob pena de se esvaziar a finalidade do comando do constituinte reformador, já que não se pode garantir universalização do acesso à Justiça sem que haja a oferta dos meios necessários para viabilizá-la.

O ônus da interiorização não pode ser suportado pelo assistido usuário da Defensoria Pública ou mesmo pelo membro da carreira de forma individual, de maneira que garantir a presença, mas não dar condições estruturais para a prestação do serviço, continua a gerar o descumprimento do mandamento constitucional previsto na EC nº 80 sob uma perspectiva de inconstitucionalidade material.

Assim, superada a questão da autonomia, ainda enfrentada pela Defensoria Pública do Estado do Amapá, ressalte-se, a luta institucional continua não só pela expansão dos seus serviços, pintando o Brasil de verde, mas também pelo reforço da sua cor, com a garantia de que os membros da carreira e, consequentemente, os assistidos, tenham qualidade no ambiente de trabalho e, assim, a possibilidade de oferecer o melhor de si ao povo.

Apesar dos entraves, como os orçamentários e políticos, o fortalecimento da Defensoria Pública interessa porque possui a instituição programa político comprometido com o social e a redução das misérias e das desigualdades, o qual deve ser cumprido por mandamento constitucional como fator relevante para a realização da justiça, qualquer que seja a concepção a ela dada.

Passados cinco anos da EC nº 80, é chegada a hora de refletir sobre os ganhos e avanços, para continuar a promovê-los em maior escala; e olhar para os novos rumos com consciência do tamanho dos obstáculos que ainda existem para a sua efetivação, para que não esqueçamos de permanecer em estado de vigília. O Brasil, hoje, está pintado de verde. A nós, defensoras e defensores Públicos, também cabe o reforço dessa cor.