Democracia e Direito à luz dos 35 anos na Constituição Cidadã

6 de setembro de 2023

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A Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) realizou em
 23 de agosto a XII Conferência Estadual da Advocacia, que reuniu mais de cinco mil advogados – em mega estrutura montada na Marina da Glória, na capital fluminense – para debater o exercício da profissão na perspectiva dos 35 anos da Constituição Federal de 1988.

“Queríamos respirar um ar diferente, sair da excepcionalidade institucional para o ordenamento constitucional. O que fizemos foi um pacto fundamental chamando todo povo, por meio das emendas populares. A Constituição de 1988 é formada pelo povo brasileiro. Também foi com essa Constituição que honramos a maior instituição que existe no Brasil: o advogado”, afirmou na abertura o eterno Senador Bernardo Cabral – relator-geral e memória viva da Assembleia Nacional Constituinte, ex-presidente do Conselho Federal da OAB (1981) e presidente de honra do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania.

“Divergir sim, descumprir jamais, afrontá-la nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria… Esta Constituição terá cheiro de amanhã, e não cheiro de mofo”, completou Cabral, aplaudido de pé, na mesa inaugural da Conferência, que contou ainda com a participação, dentre outros, do presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), Desembargador João Ziraldo Maia, do Procurador-Geral Bruno Dubeux, da Defensora Pública-Geral Patrícia Cardoso, do presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, e sua vice-presidente, Ana Tereza Basílio, e do ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, representando o atual presidente, Beto Simonetti.

Em seu discurso, Luciano Bandeira lembrou dos impactos que a pandemia teve sobre a classe e dos colegas mortos pela covid-19, com emocionante homenagem ao professor Sylvio Capanema (1938-2020). Falou ainda sobre a atuação da Ordem na emergência sanitária, com a defesa da garantia da vacina, o amparo aos advogados em necessidade e a oferta de novas estruturas voltadas à garantia do exercício profissional.

A serviço da transformação – Na palestra inaugural, o professor de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gustavo Tepedino falou sobre o papel do advogado nos 35 anos de Constituição. Para ele, a inserção das prerrogativas da advocacia no texto constitucional de 1988 e o impulso dado pelo Código Civil de 2002 permitiriam que os advogados passassem a atuar em favor da transformação social e da construção de uma jurisprudência mais progressista nos tribunais superiores. O que, segundo ele, tem ajudado a consolidar a dignidade humana e a promoção da igualdade.

“As transformações sociais do País devem muito à criatividade dos advogados, pois é ela que faz com que as jurisprudências se tornem menos conservadoras e com que as leis frias se tornem o Direito vivo, mais próximo da igualdade e da superação do racismo estrutural, da desigualdade de gênero, dos abusos contratuais em face dos consumidores e do machismo na estrutura familiar”, listou o professor.

Atenção permanente – Outra palestra marcante foi a do advogado, autor e professor expoente do Direito Penal brasileiro Nilo Batista, que traçou paralelos entre o momento atual e o ambiente vivido no Congresso da OAB-RJ de 1985 – quando era presidente da Seccional – ocasião que antecipou os grandes temas que seriam debatidos na Assembleia Constituinte poucos anos depois. Nesse sentido, para ele, a OAB deve permanecer atenta às grandes questões da sociedade.

“A Ordem dos Advogados do Brasil não pode deixar de participar do debate público. Não pode voltar-se apenas para os nossos problemas internos. (…) Defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito são tarefas que só podem ser bem cumpridas se estivermos permanentemente atentos à produção legislativa e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)”, observou Batista – que foi governador do Estado do Rio de Janeiro entre abril e dezembro de 1994, e que durante os anos de chumbo da ditadura militar destacou-se como defensor de presos políticos, dentre os quais o editor Ênio Silveira e o estudante Stuart Angel Jones.

Vitória da democracia – Dedicado ao debate sobre Direito Constitucional, o último painel reuniu dois expoentes da advocacia com atuação marcante na história recente: o professor Walber Agra, autor das ações de investigação judicial eleitoral que tornaram inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro; e o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, que atuou como defensor de 11 políticos e empresários investigados pela Lava Jato e que, desde então, tem se dedicado a denunciar os excessos e desvios da operação.

Ao apontar como os principais problemas na democracia atualmente as fake news e o discurso de ódio, o pernambucano Walber Agra defendeu a regulamentação das redes sociais e criticou a tentativa de compreender a liberdade de expressão como se fosse um direito absoluto. Ele questionou ainda o imobilismo da sociedade civil organizada diante das recentes ameaças à institucionalidade democrática: “Numa situação gravíssima como essa, onde é que estava a sociedade? Só o Judiciário tomou medidas. Mas o Judiciário pode garantir sozinho a democracia? Onde é que estava a sociedade nas ruas?”

“Passamos por um momento gravíssimo muito recentemente, que começou com os excessos da Lava Jato. Foi através da espetacularização do Direito Penal, da criminalização da política e da advocacia que vimos crescer um fascismo que chegou a tomar conta do País”, pontuou Castro. Mais à frente em seu discurso, ele defendeu o papel do Poder Judiciário para a manutenção da democracia no País: “Sempre critiquei o protagonismo do Poder Judiciário, mas a partir do momento em que vivemos, especialmente a tentativa de golpe do ‘dia da infâmia’, em 8 de janeiro, não podemos deixar de valorizar que foi o Judiciário que manteve a institucionalidade”.

Sobre as investigações da Polícia Federal que envolvem o ex-presidente e integrantes do governo passado, o mineiro Kakay afirmou: “Não é hora de prender ninguém. É hora de dar o devido processo legal e pleno direito de defesa a quem quer que esteja sendo processado. É hora de dar aquilo que não deram aos nossos clientes na época da Lava Jato. A democracia só sobreviverá e se fortalecerá se mantivermos os princípios constitucionais”.

Outros debates – Dentre os principais temas discutidos nas mesas redondas e palestras da Conferência, destacaram-se ainda: o enfrentamento à litigância predatória, as ameaças à ampla defesa nos maxiprocessos, a contribuição dos serviços extrajudiciais para a desjudicialização, as novidades trazidas pela Lei Geral do Esporte e pela Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), além de questões de família, sucessórias, previdenciárias, trabalhistas e de Direito Constitucional. A íntegra dos debates está disponível no canal da OAB-RJ no YouTube.

Dignidade para os advogados fluminenses

No discurso de abertura da Conferência Estadual, o presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, anunciou medidas de valorização da advocacia fluminense, como a construção das sedes das subseções da Barra da Tijuca e do Méier, e o lançamento da OAB Saúde, plano de saúde com preços vantajosos e que devolverá aos advogados o valor da anuidade.

“A grande marca da nossa administração é tornar a OAB-RJ cada vez mais autossuficiente em relação à anuidade, ampliando o número de ferramentas que auxiliam a advocacia no seu exercício profissional e no sustento de sua família. (…) Até hoje entregamos mais de 300 escritórios digitais em todo o Estado do Rio de Janeiro, totalmente preparados para atender clientes e realizar audiências virtuais. Serão mais de 400 até o fim de 2024. Inauguramos também diversas casas da advocacia em locais estratégicos, ampliando a nossa capilaridade por todo o estado. Atualmente, quase três mil advogados podem atuar simultaneamente nas estruturas da OAB. Isso é dignidade para os advogados fluminenses”, afirmou.