Dia da memória do poder judiciário

10 de maio de 2020

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Objetivos da resolução CNJ nº 316/2020

Introdução

O cidadão desavisado poderia perguntar o porquê da necessidade de dedicar uma data específica (10 de Maio) para celebrar o Dia da Memória do Poder Judiciário criado pela Resolução CNJ 316/2020, pois a instituição está entre aquelas, que mais cultua o próprio passado, a história e a tradição, quer pela formalidade de sua linguagem e de seus atos, quer pelos ritos forenses, quer pelo uso da toga e regras de vestimenta, quer pela exposição de parte de seus documentos, processos arquivados e objetos em museus.

No entanto, há muito a fazer na área da Memória do Poder Judiciário em todo o país, cujo patrimônio histórico e arquivístico ainda ressente da falta de valorização. Tampouco conta o Judiciário com rede articulada de Museus, Arquivos, Memoriais e Bibliotecas, de modo que essas breves linhas pretendem demonstrar a importância da instituição da data e seus principais objetivos.   

Breve Histórico da Proposta

A iniciativa da proposta e elaboração da minuta partiram deste autor, que a formulou a um grupo de discussão (MEMOJUS), que reúne vários membros atuantes de áreas relacionadas à Memória dos ramos do Judiciário de grande parte do país.

O autor proponente submeteu à votação desse grupo algumas datas representativas da história da Justiça brasileira. A alternativa vencedora remete ao Alvará régio de 10 de maio de 1808, que criou a Casa da Suplicação do Brasil, que passou a funcionar como última instância recursal, representando a independência judiciária do Brasil em relação a Portugal.

A proposição com a minuta do ato foi apresentada ao Comitê do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname)/CNJ em outubro de 2019 e acolhida.

Em abril de 2020, a minuta de Resolução foi aprovada, por unanimidade, em sessão plenária do CNJ. Em seu brilhante voto, o Ministro Relator ressaltou que a preservação da memória institucional judiciária não constitui apenas um tributo ao passado, mas sim um compromisso e um dever fundamental com as futuras gerações, que têm o direito de conhecer a sua história e, por via de consequência, a sua própria identidade e também destacou a necessidade de instituição de uma data especificamente voltada à celebração do Dia da Memória do Poder Judiciário, com o primordial objetivo de valorizar e divulgar a história contida nos documentos, processos, arquivos, bibliotecas, museus, memoriais, personalidades, objetos e imóveis do Poder Judiciário. (Acórdão de relatoria do Ministro Dias Toffoli nos autos do Ato Normativo nº 0002008-76.2020.2.00.0000).

Objetivos da Resolução CNJ 316/2020

A importância da Resolução do Dia da Memória do Poder Judiciário, publicada em 30 de abril de 2020, pode ser compreendida a partir de três grupos principais de objetivos.

1º) Em primeiro lugar, espera-se uma construção coletiva da memória institucional do Poder Judiciário e consequentemente de sua identidade. Memória e identidade são conceitos conectados entre si, de modo que a segunda não pode prescindir da primeira. A elaboração da narrativa histórica do Poder Judiciário e o fortalecimento de sua identidade são fundamentais para que se reconheça seu papel essencial de pacificador social e garantidor da cidadania e dos direitos. Como é cediço, grande parte da sociedade brasileira desconhece os próprios direitos e tampouco as atribuições do Judiciário, de modo que a celebração deverá contribuir para o suprimento dessas lacunas de formação educacional.

Na construção da narrativa histórica ou memória institucional, cabe ao Poder Judiciário selecionar os fatos relevantes de seu passado, inclusive recente, realçando seu protagonismo no reconhecimento de certos direitos fundamentais. Portanto, a data tem relevante função para consolidação da identidade do Poder Judiciário perante a sociedade, conferindo-lhe ainda maior legitimidade como um dos principais pilares do Estado Democrático de Direito. Em última análise, a memória institucional contribui para o fortalecimento e a independência do Poder Judiciário, não raras vezes alvo de críticas infundadas e tentativas de ingerências de outros poderes.

2) Em segundo lugar, o Dia da Memória do Poder Judiciário tem por escopo dar visibilidade nacional ao tema de preservação da história da Justiça brasileira e mostrar a relevância da conservação, valorização e divulgação de seus Museus, Memoriais, Arquivos e Bibliotecas, que são parte do Patrimônio cultural nacional, nos termos do artigo 216, da Constituição Federal.   

Atualmente, vivemos em uma época de constantes avanços tecnológicos, rapidez da circulação de informações não verificadas, virtualidade das relações pessoais e sociais e ainda valorização excessiva e irrefletida da modernidade e do progresso a qualquer custo, sobretudo em nações recentes como a nossa. Esses fenômenos refletem seus efeitos em toda a sociedade e também no Poder Judiciário.

Somem-se a eles os índices de escolaridade do país, que contribuem para a baixa valorização da história e da cultura, em geral, levando o senso comum a considerar o brasileiro como povo sem memória.

Muitos órgãos do Poder Judiciário padecem da falta de incentivos, valorização e fundos para a área de preservação histórica. Infelizmente, a mencionada desvalorização da memória, história e cultura também atinge parte do Poder Judiciário nacional. Com efeito, alguns Tribunais do país sequer lograram implementar, adequada e efetivamente, política de gestão documental, conforme  Recomendação CNJ n. 37/2011 e muitos Arquivos judiciais, que agregam rico patrimônio histórico, sofrem com a falta de recursos materiais e humanos, espaços adequados de conservação, além do descaso dos respectivos órgãos de direção, que os veem apenas como massa documental geradora de despesas, ignorando a riqueza do material arquivístico como fonte de pesquisas de historiadores, cientistas sociais, criminologistas, economistas etc.

A conscientização de magistrados e servidores do Poder Judiciário também é um dos objetivos da norma. Muitos Tribunais ainda não lograram organizar Arquivo Central em suas sedes e muitos processos históricos, sobretudo dos séculos XVIII e XIX, permanecem em Arquivos locais das comarcas em deplorável estrutura de conservação e manutenção com risco de perecimento. Essa situação é realidade de muitas comarcas do interior do país. Juízes e servidores mais conscientes da importância desse patrimônio arquivístico terão melhores condições de empreender medidas para preservação.

3) Em terceiro lugar, a construção da memória institucional também tem como escopo reforçar a noção de pertencimento de juízes e servidores ao Poder Judiciário, tanto sob a perspectiva de poder único, quanto pela perspectiva de cada Tribunal. Independentemente do gosto pessoal pela história, a memória coletiva reforça o vínculo dos membros de determinado grupo entre si e em relação à instituição. Nem seria preciso dizer que o pertencer ou o sentir-se parte da instituição também pode trazer benefícios ao fortalecimento do Poder Judiciário e, em última análise, à própria atividade-fim da prestação jurisdicional.   

Por esses três grupos de escopos, a criação de data específica para celebração do Dia da Memória do Poder Judiciário tem relevância incomensurável.

Considerações Finais

Para que a Resolução recém aprovada cumpra seus objetivos, esperam-se engajamento efetivo e tomada de ações e iniciativas por parte dos Tribunais de todos os ramos do Poder Judiciário, quer pelos órgãos de direção, quer pelos serviços atinentes à área, quer pelos juízes e servidores.

O artigo 2º, da Resolução elenca, em caráter exemplificativo, o fomento de várias iniciativas e ações para os Tribunais, explicitando a necessidade de mobilização dos setores relacionados, como Museus, Arquivos, Memoriais, Bibliotecas, Comissões de Memória ou equivalentes, Unidades de Gestão Documental e afins, ao passo que o artigo 3º prevê incentivo do CNJ à realização anual de Encontro Nacional de Memória.

Embora se conheça a distinção entre Museus, Arquivos e Bibliotecas, bens culturais com a própria esfera de atribuições, no âmbito da Memória dos Tribunais, é imprescindível que esses pilares do Patrimônio cultural consigam dialogar e interagir eficazmente entre si.

A celebração em análise representa importante passo, mas não esgota, por certo, as questões da valorização e da preservação da Memória do Poder Judiciário, fazendo-se necessária disciplina mais abrangente sobre a gestão da memória, que deve vir em breve por meio de normatização do CNJ.

Apesar da atual crise da pandemia vivida pela humanidade, temos esperança em dias melhores e que o Supremo Tribunal Federal, com o incentivo do CNJ, poderá acolher calorosamente representantes de todos os Tribunais do país para a realização do I Encontro Nacional de Memória do Poder Judiciário em 2021.