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Diferentes perspectivas sobre a Justiça

11 de agosto de 2014

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A15 Alexandre Camara Ed 168 A15 Leticia ed 168Por ocasião do vestibular, Leticia de Santis Mello até cogitou ingressar no curso de Ciência Política ou no de História, mas, no fim, a vocação falou mais alto e ela optou mesmo pela faculdade de Direito. Após formar-se, advogou ativamente na área tributária. Passados 15 anos, acabou escolhida para a vaga de desembargadora destinada ao Quinto Constitucional no Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF2). Atualmente está lotada na 4a Turma Tributária – instância em que costumava advogar e para a qual, agora, está contribuindo com toda a experiência que acumulou do outro lado do balcão.

Assim como a desembargadora Leticia, muitos outros advogados que assumem as vagas do Quinto Constitucional têm proporcionado ao Poder Judiciário acesso a perspectivas diferentes quanto à prestação jurisdicional. O instituto está previsto no artigo 94 da Constituição e prevê que 20% dos cargos de desembargadores e ministros das cortes superiores sejam destinados, de forma alternada, a membros da advocacia e do Ministério Público. O objetivo da medida é democratizar a Justiça ao permitir o ingresso na cúpula dos tribunais de profissionais que sempre atuaram na outra ponta do sistema judicial.

Apesar dos motivos que embasam o Quinto, há quem defenda a sua extinção. É o caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 262/2008, em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2008. Apresentada pelo deputado Neilton Mulim (PR/RJ), a proposição visa a alterar as regras de preenchimento das vagas do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Superior Tribunal Militar (STM) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assim como nos tribunais estaduais, regionais federais, regionais do trabalho e regionais eleitorais.

Segundo a justificativa da proposta, a extinção do Quinto Constitucional tem como objetivo evitar que advogados e procuradores acabem exercendo a função de juiz em tribunais, pois não estariam qualificados profissionalmente para o cargo. A proposta não avançou muito, mas a movimentação processual disponível no portal da Câmara dos Deputados mostra que um número considerável de projetos semelhantes foram apensados ao texto.

Nessa conjuntura, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vem intensificando os esforços em defesa do instituto. Em um seminário sobre o assunto, promovido em abril, o Conselho Federal da entidade anunciou a criação do Dia Nacional do Quinto Constitucional, a ser comemorado todo dia 16 de julho. A data não foi escolhida a esmo no calendário. Esse foi o dia da promulgação da Constituição de 1934 – primeira no Brasil a destinar um quinto das vagas dos tribunais para os membros da advocacia e do Ministério Público.

O instituto foi mantido nas Constituições subsequentes e está previsto na atual, em vigor desde 1988. O Presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, destacou a importância da medida. “O Quinto é um instrumento de oxigenação do Poder Judiciário em suas instância superiores, possibilitando o ingresso em suas fileiras de profissionais com experiências distintas da carreira da magistratura com igual interesse na realização da Justiça”, disse o advogado por ocasião do anúncio da nova data comemorativa.

Apresentar aos magistrados de carreira a perspectiva dos advogados e procuradores acerca da prestação jurisdicional interessa ao máximo as instituições que representam essas categorias. No que diz respeito à advocacia, os números justificam. A poucos dias das comemorações do Dia Nacional do Advogado, em  de agosto, a entidade já registrava 820.740 causídicos em seus quadros. São esses profissionais os responsáveis por boa parte dos quase 100 milhões de ações judiciais atualmente em tramitação no Judiciário, de acordo com o Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A advocacia, aliás, não para de crescer. De acordo com os dados das Sinopses da Educação Superior 2012, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 737.271 pessoas efetuaram matrícula para as vagas dos 1.158 cursos de Direito ministrados pelas 880 instituições de ensino credenciadas pelo Ministério da Educação. Também, segundo o estudo, 97.926 pessoas se formaram naquele ano.

Com a profissão permanentemente em alta, o Quinto Constitucional tem cada vez mais se consolidado como ferramenta importante para levar aos tribunais a visão daquele que busca a Justiça por meio de seu advogado. Tem sido útil também para aproximar as carreiras e evitar ruídos entre magistrados, advogados e membros do Ministério Público. Para Alexandre Câmara, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) na vaga destinada à advocacia, essa troca de experiência tem sido extremamente gratificante. “O Quinto Constitucional possibilita ao tribunal experiência diferente da do magistrado militante. Esse instrumento permite acesso ao tribunal por alguém que tem uma visão diferente acerca dos fenômenos jurídicos”, relatou.

Opinião semelhante tem a desembargadora Leticia Mello, citada no início da reportagem. Na avaliação dela, os advogados têm muito a contribuir com o Poder Judiciário, inclusive em questões administrativas e que visam à melhoria do atendimento prestado à população. Ela também acha que os causídicos podem inspirar os colegas positivamente, principalmente na hora de julgar os processos.

“Sempre percebi que, até pelo volume excessivo de trabalho, é tendência os órgãos jurisdicionais tratarem os processos como se pudessem ser sempre enquadrados em blocos, como se cada um fosse pouco mais do que um número. A vivência do advogado é diferente, é aquela de que cada processo é único e o mais importante. Então, quando o advogado vem para o Poder Judiciário, acho que ele tende a olhar os processos de outra forma. Especialmente em órgãos colegiados, ele tende a suscitar discussões e a dar atenção especial às questões levantadas pelas partes. Isso a partir dessa visão de que cada processo tem uma história e peculiaridades próprias e, por essa razão, deve ser examinado com cuidado”, destacou.

Com o número cada vez maior de pessoas ingressando na advocacia, Leticia chamou a atenção para a importância de os novos profissionais serem atuantes, principalmente no que se refere à busca de soluções para os problemas do Poder Judiciário. “Os advogados não podem perder a esperança no Poder Judiciário. Que, nesse momento de adaptações em que vivemos, os advogados possam colaborar ainda mais com a Justiça ao propor soluções realistas para o gerenciamento do enorme volume de demandas repetitivas”, afirmou.