Em debate a magistratura Do futuro

1 de julho de 2022

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Seminário contou com a participação de juristas e magistrados, incluindo ministros do STF e do STJ

O seminário “A magistratura do futuro” reuniu magistrados, juristas e pesquisadores para debater as tendências no horizonte do sistema de Justiça e como ele pode evoluir para entregar a melhor prestação jurisdicional possível à sociedade brasileira. Promovido pelo Instituto Justiça & Cidadania em parceria com a Fecomércio-RJ, o evento foi realizado em 21 de junho, no Rio de Janeiro (RJ). 

Coube ao Ministro André Luiz Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentar a palestra condutora dos debates. A partir de uma retrospectiva histórica sobre a evolução do moderno Estado Democrático de Direito, ele contextualizou o atual papel da Justiça e traçou algumas perspectivas de futuro para a magistratura. Lembrou que “justas ou injustas”, adequadas ou não, hoje todas as decisões judiciais são objeto de questionamento, em função da transmissões das sessões pela TV Justiça e do acompanhamento em tempo real dos julgamentos pelos meios digitais. 

“É on-line, todo mundo acompanha o que fazemos. É um dado da realidade, que não vai mudar. Para pensar o Judiciário do futuro é preciso entender essa realidade e, a partir dessa compreensão, entender qual é o meu papel como julgador e o que a sociedade espera de mim. Não que o julgador tenha que decidir conforme o que a sociedade espera, mas porque ele tem que ser capaz de entender o que a sociedade pensa, sob pena de se descolar da realidade. O primeiro desafio do futuro é entendermos a realidade. O segundo é não nos descolarmos dela”. 

O Ministro André Mendonça acrescentou que embora os avanços tecnológicos tenham facultado novas perspectivas de atuação dos magistrados, com a virtual possibilidade de exercício da atividade a partir de qualquer lugar do mundo, isso não pode levar a um maior distanciamento dos julgadores da realidade social brasileira. “Se queremos pensar na magistratura do futuro e no bem do nosso País, precisamos ser juízes que buscam preservar a relação de confiança que a sociedade deposita em nós. Sejamos dignos da confiança que o povo brasileiro, por meio da Constituição, depositou na magistratura. Essa deve ser a magistratura do futuro”, ressaltou.

Futuro colaborativo – Antes da palestra magna, a mesa de abertura contou com a participação do Vice-
Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Jorge Mussi, do Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Henrique de Andrade Figueira, do Presidente da Fecomércio-RJ, Antonio Florêncio de Queiroz Junior, e do Presidente do Instituto Justiça & Cidadania, Tiago Salles.

O Ministro Jorge Mussi ressaltou que a atual geração de magistrados vive um período histórico de consolidação das relações digitais e defendeu que o futuro da magistratura é colaborativo: “A magistratura do futuro certamente poderá contar com o auxílio da tecnologia para gerir suas atividades. Nesse sentido, o uso da inteligência artificial tem se mostrado uma via plausível para otimizar o tempo de tramitação do processo. O futuro é colaborativo. Não cabe mais atuação em frentes isoladas, desperdiçando inovações e tecnologias já desenvolvidas.”

“A pandemia nos levou a um grau de evolução impressionante, principalmente na área tecnológica. Todos os tribunais precisam se repensar. Hoje não temos mais papéis e processos, não precisamos mais ter muito espaço. Os fóruns vão ficar obsoletos”, acrescentou o Desembargador Henrique Figueira.

Já Antonio Queiroz Junior ressaltou que a emergência sanitária reforçou a necessidade de segurança jurídica para o desenvolvimento do setor de comércio e serviços: “A pandemia acelerou de forma sui generis a evolução da atividade comercial e trouxe novas práticas, o que impõe desafios para os empresários. Cada vez mais o Judiciário avalia situações novas. Nosso objetivo com essa aproximação é trazer um pouco do dia a dia do comércio e, ao mesmo tempo, buscar entender as visões que o Judiciário tem sobre essas novas atividades, para que possamos desenvolver nossos negócios com segurança jurídica”.

Justiça digital – Presidido pelo Ministro do STJ Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, o primeiro painel teve como tema a “Justiça digital”, debate do qual participaram o Secretário Geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Juiz Federal Valter Shuenquener, a Juíza Auxiliar da Presidência do TJRJ Daniela Bandeira de Freitas e a futurista e executiva de negócios digitais Ligia Zotini.

“O Judiciário lida com muitos níveis de autonomia humana. Quanto menos autonomia tenho, mais preciso de uma justiça salomônica, de alguém que me ajude a tomar decisões. Quanto mais autonomia tenho, mais preciso de uma justiça preventiva, que me ajude a entender como posso me tornar um ser humano melhor em determinada relação”, comentou a futurista em sua palestra, na qual apresentou novos perfis dos profissionais do Direito, como advogados preventivos em varas de família,  juízes especializados em inteligência artificial, promotores de justiça com base em blockchain e mediadores especialistas em metaversos. 

Soluções adequadas – Coordenado pelo Ministro do STJ Luis Felipe Salomão – que preside o Conselho Editorial da Revista JC – o segundo painel trouxe como tema a mediação e as soluções adequadas de conflitos. O debate contou com a participação do Presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJRJ, Desembargador César Cury; da Presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), Juíza Eunice Haddad, e do Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Alexandre Cordeiro.

A Juíza Eunice Haddad defendeu a busca por soluções alternativas para que o acúmulo de processos não prejudique a atuação do Poder Judiciário: “Temos que refletir sobre o que é o Judiciário. Nosso papel não é dar uma sentença, mas promover a paz social por meio da aplicação do Direito. A solução alternativa dos litígios é uma grande ferramenta para que possamos entregar a paz social e o Judiciário que todos querem”.

Na mesma linha, o Ministro Luis Felipe Salomão ressaltou em suas considerações que os magistrados devem estar atentos às mudanças sociais e às possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias. “Uma das ferramentas que vejo para fazer frente à enorme quantidade de litígios que temos – cerca de 80 milhões de processos – é a solução adequada dos conflitos. Isso se torna cada vez mais presente na medida em que avança a tecnologia. Quando se aplica a tecnologia ao dia a dia do nosso trabalho jurisdicional, aponta-se também para esse caminho da composição amigável e adequada dos conflitos”, analisou o ministro.

Repercussão geral – O terceiro painel, presidido pelo Ministro do STJ Antonio Carlos Ferreira, contou com a participação do Ministro do STJ Luiz Alberto Gurgel de Faria e do professor de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Flavio Galdino, que debateram os institutos do recurso repetitivo e da repercussão geral.

Para o Ministro Gurgel de Faria, a bem sucedida aplicação dos mesmos revela a crescente aproximação da jurisdição nacional ao sistema da common law: “Jurisprudência lotérica é um termo pejorativo, mas que na realidade existia. Estamos caminhando para acabar com isso, algo que não era bom para o nosso sistema. Começamos a acordar que precisamos nos aproximar da common law para que tenhamos segurança jurídica e isonomia e para que as questões de massa e de grande demanda possam ser julgadas de maneira uniforme”.

Segundo o magistrado, os recursos repetitivos e a repercussão geral possibilitam que o sistema judiciário seja mais racional e previsível. Nesse sentido, acrescentou: “Você passa a ter previsibilidade. Passa a ter um sistema mais racional e com mais isonomia, porque as questões são julgadas de maneira idêntica, o que gera segurança jurídica”.

Em seguida, o professor Flavio Galdino pontuou que a experiência da repercussão geral foi muito bem sucedida no âmbito do STF, possibilitando a racionalização do trabalho da Corte. Nesse sentido, comentou que a PEC da Relevância, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, pode contribuir para a otimização do funcionamento do STJ. “No que diz respeito ao recurso extraordinário, que provavelmente era o principal fator de assoberbamento do Tribunal, o STF conseguiu racionalizar o trabalho. Por que não fazer a mesma coisa no âmbito do Superior Tribunal de Justiça? Ainda em 2012, uma comissão do STJ elaborou um projeto e a então deputada federal, hoje Senadora Rose de Freitas (MDB-ES) encampou e apresentou o projeto, que é a PEC 10/2017. Foi aprovada na Câmara em duas votações e aprovada no Senado, mas voltou à Câmara porque houve alterações. Esse tipo de proposta tende a otimizar ainda mais o funcionamento do STJ”, comentou o professor.

Caminho dos precedentes – No encerramento do evento, o Ministro do STJ Antonio Saldanha Palheiro fez um balanço dos debates e destacou a importância da mediação e dos precedentes para o futuro da magistratura no Brasil. “Quando se fala em composição alternativa de conflitos, a mediação, a arbitragem, você já mitiga a injustiça do termo ‘justiça’, porque na verdade as partes é que vão compor e chegar ao denominador comum do que acham justo para cada um, mesmo que tenham que ceder e abrir mão de determinados valores. (…) Agora, quando não há outro meio e a questão desagua na jurisdição, temos que garantir a segurança jurídica mínima. Para isso, o único caminho é o dos precedentes”, observou o Ministro Saldanha.

O Presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OABRJ), Luciano Bandeira, também discursou no encerramento do seminário. Em sua fala, reforçou que a segurança jurídica pode ajudar a diminuir a litigiosidade. “Com a segurança jurídica, os advogados, que são os primeiros juízes da causa, poderão ter os elementos necessários para evitar que as demandas cheguem ao Judiciário e que se resolvam por meio dos métodos alternativos. Um sistema rígido, no qual não exista dúvida de qual é a orientação do Judiciário para cada tipo de demanda e conflito, vai permitir que advogados e advogadas, de forma lúcida, possam contribuir para a diminuição da litigiosidade”, pontuou.