Edição

Em nome da mobilidade urbana

23 de junho de 2013

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Prefeitura do Rio de Janeiro proíbe a circulação de vans na zona sul, antecipando uma das medidas de plano estratégico para melhorar as condições dos transportes coletivos na Região Metropolitana.

Sistematizar a mobilidade urbana nos grandes centros populacionais é uma operação que depende de ajustar todo um modal de transportes: automóveis, trens, metrôs, ônibus, motocicletas e até mesmo as bicicletas – sem esquecer, é claro, dos pedestres. De que maneira organizar, equilibrar e harmonizar todos esses elementos? Em nenhuma cidade do mundo parece haver uma solução conclusiva. Algumas se aproximam mais da resposta correta para a equação, outras continuam a sofrer com as consequências de sua própria expansão econômica e populacional.

Uma das alternativas para o complexo problema veio com a regularização do chamado “transporte complementar”, realizado por vans e similares. Cada estado da Federação – se não, cada município – têm seus próprios dispositivos legais para tal finalidade. No Rio de Janeiro, a norma válida é a Lei nº 3.473, de 4 de outubro de 2000. Mas nem todos os estados contam com este tipo de transporte, a exemplo de São Paulo, que praticamente extinguiu as vans de seu cotidiano.

O cenário da capital fluminense mudou em 15 de abril deste ano, quando as vans, peruas similares e os micro-ônibus foram proibidos, por decreto municipal, de circular em 11 bairros da zona sul (Botafogo, Humaitá, Urca, Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico, Gávea, Vidigal, São Conrado e Rocinha). A medida foi estendida, em 25 de maio, para outros seis bairros: Laranjeiras, Cosme Velho, Glória, Catete, Flamengo e Largo do Machado.

O motivo da decisão do governo municipal está fatalmente atrelado ao incidente do dia 30 de março, quando um casal de turistas que tomaram uma van no sentido Copacabana-Lapa foi assaltado e brutalmente agredido durante seis horas: a jovem norte-americana foi estuprada e seu namorado francês espancado. Por este motivo, desde 5 de abril já estava em vigor um decreto municipal que proibiu veículos de transporte complementar de passageiros terem películas de escurecimento em qualquer tonalidade. A proibição foi aplicada a veículos regulamentados pelo Transporte Especial Complementar (TEC) e pelo Sistema de Transporte Público Local (STPL).

No entanto, a prefeitura municipal já sinalizava clara e estrategicamente neste sentido muito antes do crime que chocou todo o Brasil – e a França, que expediu comunicado aos turistas com viagem marcada para o País, informando que evitassem usar transporte público no Rio de Janeiro. Esta medida do prefeito Eduardo Paes foi noticiada na edição 150 da revista Justiça & Cidadania, de fevereiro deste ano, em entrevista com o responsável pela Coordenadoria Especial de Transporte Complementar, Claudio Ferraz. O órgão, criado em dezembro do ano passado já anunciava a intenção prioritária de regularizar o transporte de passageiros em vans. Na entrevista, o coordenador mencionou o número aproximado de seis mil vans atuando nesse tipo de serviço sem qualquer tipo de regulamentação – principalmente as que garantem o bom funcionamento dos itens de segurança dos veículos.

A fim de evitar qualquer polêmica, o prefeito deixou expresso recentemente que a medida “estava no plano de voo. A previsão era abril mesmo. Eu não estou aqui para dizer que todas as pessoas que operam vans são marginais. Ao contrário, a maioria é gente de bem. Mas, em algum momento, isso virou caso de polícia. Foi então que criamos uma coordenadoria especial para tratar dessa questão”, afirmou ele à BBC Brasil (edição de 12 de abril).

Integração multimodal

De acordo com a pesquisa “Estudo 22: mobilidade urbana metropolitana”1, elaborada pelo engenheiro Ronaldo Balassiano para o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais, quando são comparadas todas as viagens realizadas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro observa-se que a participação relativa dos modos coletivos ainda é significativa (45%), o que ratifica a importância de planejar de maneira adequada esses sistemas. E isto não é exclusividade do Rio. No caso de São Paulo, o transporte coletivo é responsável por cerca de 50% das viagens realizadas diariamente (Metrô, 2009), enquanto em Recife o sistema coletivo responde por 43% de todas as viagens (CBTU, 2008). Em Belo Horizonte, esse número é similar – 47% – enquanto registra-se em Porto Alegre um percentual de 44% de viagens realizadas por transporte coletivo (EPTC, 2004).

No entanto, para o prefeito Eduardo Paes – conforme declaração dada ao portal BBC Brasil (12/04/2013) – as localidades onde está proibida a circulação das vans “são regiões que não precisam de transporte complementar, pois já contam com metrô, ônibus e táxis. O objetivo da van é ser complementar a uma rede de transporte, devemos colocá-la onde a dificuldade de acesso à rede de transporte é grande, como em alguns sub-bairros das zonas norte e oeste”.

Para evitar transtornos, a Secretaria Municipal de Transportes já está ampliando a frota de ônibus nas regiões por onde as vans deixaram de circular. Também ficou definido que os consórcios – Santa Cruz, Transcarioca, Internorte e Intersul – realizem operações de informação sobre linhas e itinerários nos principais pontos de embarque dessas regiões.

Para alguns especialistas, a medida decretada pelo prefeito do Rio de Janeiro ajudará a melhorar o trânsito na zona sul da cidade. O professor José de Oliveira Guerra, do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (BBC Brasil-12/04/2013) concorda com o argumento da prefei­tura de que a região já possui oferta suficiente de transporte público, fazendo com que as vans sejam desnecessárias. Guerra ainda aponta que as vans podem prestar um excelente serviço em outras áreas onde há carência de transporte, e que este é um rearranjo que a sociedade e o poder público devem fazer. De fato, de acordo com matéria do jornal O Globo (17 de abril), no segundo dia de proibição de vans o trânsito fluiu bem e havia mais ônibus circulando – mesmo sem números oficiais, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) havia registrado redução de 10% no tempo de viagem da Zona Sul à Barra, entre 17 e 20h da primeira segunda-feira após o decreto municipal, em comparação com medições anteriores feitas no mesmo dia da semana e no mesmo horário.

Melhorias em médio prazo

Ainda de acordo com o pesquisador Ronaldo Balassiano – que integra a Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro –, a regulamentação do sistema de transportes tem sensível peso na estruturação de um modelo de mobilidade urbana. Seu estudo aponta que alguns órgãos gestores de transportes assumem que a simples legalização da operação dos diferentes modos é suficiente para dar suporte ao controle dos serviços. No caso do Brasil, a entrada em operação de veículos de baixa capacidade do tipo vans, a partir de 1995, mostrou a importância de definir regulação específica para cada modo de transporte. Ainda de acordo com a pesquisa, “a regulamentação do sistema de transportes deve estar de acordo com a estrutura da rede, sob pena da falência do mesmo. É necessário que os horários de operação dos diferentes modos sejam definidos de forma coordenada entre operadores. As frequências dos serviços devem ser claramente definidas, bem como o tipo de veículo operado em cada rota. A oferta de serviços deve estar adequada à demanda da área metropolitana.” Outro aspecto importante na regulamentação de transportes, segundo Balassiano, é evitar sobreposição de rotas, conflito de interesse entre operadores de municípios diferentes, oferta insuficiente de serviços em áreas de menor demanda, congestionamentos em corredores de grande demanda por viagens, entre outros problemas usualmente enfrentados nessas áreas.

É exatamente o que pretende a administração municipal. Em declaração dada ao jornal O Globo (edição de 17 de maio), quando a prefeitura assinou o contrato de primeiro lote licitado no novo Sistema de Transporte Público Local (STPL), que vai atender os bairros da Rocinha e Vidigal, o secretário municipal de transportes, Carlos Roberto Osório, afirmou que “este tipo de sistema de transporte público é um grande ganho para o Rio de Janeiro. Teremos regras claras, respeito aos direitos à gratuidade, proibição de pessoas gritando na rua, integração com os outros transportes, tudo para dar uma comodidade e segurança aos passageiros.” O secretário disse ainda que o momento é especial. “Abre-se uma página importante na história dos transportes do Rio.” Somente no primeiro lote, foram liberados 66 novos permissionários para operar no período de 24 horas em todos os dias da semana. O custo da passagem é o mesmo do ônibus, que é de R$ 2,95. Os veículos são padronizados e integrados ao Bilhete Único com os ônibus e contarão ainda com GPS, o que vai proporcionar uma rede integrada aos outros meios de transporte, como os BRTs, trens e metrô.

Nota _______________________________________________________________________

1 Disponível em http://web.face.ufmg.br/cedeplar/site/pesquisas/pis/Estudo%2022.pdf