Estudos comparados de Direito e Economia

16 de abril de 2020

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Instituto Justiça & Cidadania realiza em Washington o VI Encontro de Magistrados Brasil-Estados Unidos

Aconteceu em Washington, no final de fevereiro, a sexta edição do Encontro de Magistrados Brasil-EUA, que teve esse ano o tema “Estudos Internacionais comparados de Direito e Economia”. Ao todo foram realizados onze painéis para discutir a resolução de conflitos, a segurança pública, a regulamentação governamental e vários outros temas sob o prisma da Análise Econômica do Direito (AED).

Promovido em parceria entre o Instituto Justiça & Cidadania e a American University – Washington College of Law (WCL), o evento novamente contou com a coordenação científica do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, pelo lado brasileiro, e do Juiz Sênior Federal Peter Messite, pelo lado estadunidense, ambos membros do Conselho Editorial da Revista J&C.  

Fizeram parte da delegação brasileira o Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luiz Fux; o Governador do Estado do Rio de Janeiro e ex-Juiz Federal, Wilson Witzel; o Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário; o Presidente do STJ, Ministro João Otávio de Noronha, e outros seis ministros daquela Corte. Participaram ainda magistrados dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e de São Paulo (TJRS, TJRJ e TJSP), bem como membros do Ministério Público, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e advogados renomados em diferentes ramos do Direito nacional.

Na delegação estadunidense, destaque para o Controlador-Geral e chefe do Escritório Governamental de Contabilidade (Government Accountability Office /GAO) dos Estados Unidos, Gene Dodaro, e a Gerente Regional de Recursos Hídricos do Banco Mundial Rita Cestti, além de magistrados, professores de Direito e Economia, e advogados de várias estados do país norte-americano.

Civil law x common law – “É o sexto ano que promovemos esse encontro entre o Poder Judiciário brasileiro e a Academia norte-americana. Traz ótimos frutos para ambos, pois ajuda a oxigenar as ideias, a refletir sobre as convergências do Direito nos dois países e a qualificar a relação entre nossos magistrados”, comentou na abertura do evento o Presidente do Instituto Justiça & Cidadania (IJC), Tiago Salles.

Sobre o crescente diálogo entre magistrados do Brasil e dos Estados Unidos, acrescentou o Ministro Luiz Fux: “No início do primeiro quartel do século passado, um dos maiores autores do Processo Civil, o Professor Giuseppe Chiovenda já afirmava que a grande evolução do Processo seria uma lenta involução ao velho Direito romano, em que havia a fusão entre as origens do sistema anglo-saxônico e do sistema romano-germânico. Hoje no Brasil podemos afirmar que não somos mais genuinamente da família da civil law, mas de uma família também da common law, não apenas do ponto de vista científico, pois hoje também nos sentimos ideologicamente e afetivamente unidos à família norte-americana”.

Eficiência e previsibilidade – Coube ao Ministro Fux a palestra de abertura, na qual tratou das limitações e possibilidades da AED, escola de pensamento fundada na Academia estadunidense, que valoriza acima de tudo a eficiência. Valor que, segundo o magistrado, atualmente exerce forte influência no Direito brasileiro para o bem do desenvolvimento do País.

“Não é mera divagação acadêmica. O Direito ser eficiente é importante para um dos grandes objetivos da República Federativa brasileira, está na Constituição, que é o seu desenvolvimento econômico e social. (…) O país que tem um sistema de Direito eficiente passa a ser incluído no ranking Doing Business do Banco Mundial, porque atrai investidores na medida em que ostenta institutos previsíveis que transmitem segurança jurídica e previsibilidade”, apontou Fux.

O magistrado destacou ainda que o Brasil – por meio da crescente resolução extrajudicial dos conflitos, inclusive pela ampliação do rol de serviços cartorários – percorre hoje “caminhos para desjudicializar, criar contenciosos administrativos e reservar à Justiça apenas o julgamento das grandes questões”.

Custo x benefício – Na mesa sobre “Direito, Segurança Pública e desenvolvimento”, o Professor de Economia Scott Farrow, docente da Universidade de Maryland, falou sobre a análise das políticas de Segurança sob a ótica da AED. Segundo ele, antes de colocar leis, políticas e programas governamentais em prática, deve-se buscar “monetizar” seus efeitos para, dessa forma, verificar quais medidas terão melhor relação custo x benefício. Os passos usuais desta análise consistem em identificar o problema, verificar as alternativas possíveis, catalogar seus impactos quantitativos e qualitativos, quantificar seus custos e monetizar todos os indicadores antes de fazer recomendações.

Segundo demonstrou Farrow, por meio dessa análise econômica, os formuladores de políticas e ordenadores de despesas passam a contar com um inventário de medidas que podem, com alto grau de certeza, alcançar os melhores resultados com o uso mais eficiente do dinheiro dos contribuintes.

No mesmo painel, o Governador Wilson Witzel ressaltou a importância da fixação de novo pacto federativo no Brasil para possibilitar a retomada do crescimento econômico dos estados. Ele defendeu o equilíbrio das contas públicas por meio de uma reforma tributária “que racionalize impostos e desonere a produção”, além da aprovação de três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que considera fundamentais: a PEC do Pacto Federativo, a PEC Emergencial e a PEC dos Fundos Públicos.

Serventias extrajudiciais – Na mesa sobre “Regulação governamental e AED”, o Ministro do STJ Antonio Saldanha Palheiro aprofundou a discussão sobre a desjudicialização em curso no Brasil. Processo que, segundo ele, teria como  principais frentes a adoção crescente dos métodos adequados ou alternativos de resolução de conflitos (alternative dispute resolution, ADR na sigla em inglês) e a ampliação dos serviços atribuídos às serventias judiciais – dentre as quais o magistrado destacou a recuperação extrajudicial de empresas, com a negociação direta entre credores e devedores. 

Para Palheiro, as serventias extrajudiciais como cartórios de notas, de registro civil, de registro de imóveis, de protesto e de registro de títulos se apresentam como opção relevante para o “desafogo do Judiciário”. Dentre as vantagens estariam a dispensa de homologação judicial para a produção de efeitos, bem como sua vasta capilaridade e interiorização – 12.627 cartórios distribuídos pelos 5.570 municípios brasileiros.

 Métodos adequados – Na mesa que tratou da relação entre o ADR e a AED, o Ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que “a interrupção do conflito que caminha em direção ao litígio judicial, por vezes, implica na sobrevivência de empresas, mercados e relações”, sejam elas comerciais ou trabalhistas. Nesse sentido, segundo o coordenador científico do Encontro, a resolução dos litígios deve buscar a eficiência econômica, a celeridade e a eficácia.

O magistrado ressaltou que o Brasil vive um momento de mudança de mentalidade com a consolidação de um “microssistema de solução extrajudicial de conflitos” formado pela Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015), pela lei que ampliou a arbitragem (Lei nº 13.129/2015) e pelo novo Código de Processo Civil (CPC). Conjunto ao qual se soma o ato recente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educação (MEC), que estabeleceu uma disciplina obrigatória sobre as soluções extrajudiciais nas faculdades de Direito.

Sobre o contexto da economia global, Salomão ressaltou estar em curso um processo de integração transnacional: “Um mundo em que cada vez mais se fala em ordens jurídicas para além do Estado, na volta das soluções pelas corporações, em lex mercatoris, justitia desportiva e lex digitalis. Estudamos hoje fórmulas de compliance e autorregulação. É uma tendência mundial, porque nessa época de responsabilidade civil por drones, personalidade jurídica de robô, algoritmo, barriga de aluguel e etc., os novos conflitos demandam novas formas de resolução”.

Oferta, demanda e tarifas – No painel que tratou do Agronegócio sob a ótica da AED, presidido pelo Ministro Noronha, o Presidente da Comissão Especial de Direito Agrário da OAB, Antônio Augusto de Souza Coelho, debateu os efeitos das tarifas na lógica de formação de preços dos produtos agrícolas. “A imposição mal pensada as tarifas, mesmo que por um erro de apenas alguns pontos percentuais na alíquota aplicável, pode trazer prejuízos devastadores para todo um setor”, alertou Coelho, que apontou como efeitos adversos as restrições à livre concorrência e a criação artificial de monopólios e monopsônios.

“Qualquer política pública que busque criar ou majorar alíquotas no agronegócio deve ser cuidadosamente pensada, com minucioso estudo de impacto econômico, para se ter certeza de que essa imposição realmente estimula o verdadeiro interesse público. Ademais, entendo que ao interpretar normas tarifárias, os operadores do Direito, juristas, advogados e juízes devem igualmente estar imbuídos desse espírito de cuidado e cautela, pois as repercussões gravosas passíveis de ocorrerem por um pedido ou uma decisão mal pensada envolvendo política tarifária podem ser irremediáveis”, finalizou Augusto Coelho.

Recursos hídricos – Na mesa sobre “Regulação dos recursos hídricos e desenvolvimento econômico”, a Gerente Regional da área no Banco Mundial, Rita Cestti, apresentou estudo preocupante sobre o contexto brasileiro, que relaciona: escassez de água devido à falta de chuvas, alta demanda e/ou poluição; secas e enchentes frequentes, sobretudo na Região Nordeste, que teve 82,6% dos seus municípios atingidos em 2018; crise de abastecimento nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste; e uma disputa pela água cada vez mais acirrada em virtude do desenvolvimento da agricultura irrigada e da geração de energia, particularmente nas regiões em que o recurso é mais escasso. As perdas econômicas são estimadas por ela em US$ 15,7 bilhões nos últimos dez anos.

De acordo com Cestti, os principais desafios para melhor a situação nos próximos anos são: a capacidade institucional limitada e desigual entre os estados e regiões; as pressões para expandir a agricultura irrigada; a deficiente gestão de inundações, que demanda urbanização e a desocupação de áreas perigosas; e a necessidade de ampliação da infraestrutura de segurança hídrica, incluindo mecanismos de governança e financiamento.

Combate à corrupção – O Ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, participou da mesa “Responsabilidade e Análise Econômica” ao lado do Controlador-Geral dos Estados Unidos, Gene Dodaro. Rosário falou principalmente sobre a política de combate à corrupção desenvolvida pela CGU. Além das consequências econômicas da corrupção, ele elencou questões que precisam ser enfrentadas para que as ações sejam mais efetivas: aumento da transparência e da participação social; criação de canais confiáveis de denúncia; e melhor coordenação entre as áreas, órgãos e instituições envolvidas no combate aos malfeitos.

O Ministro também ressaltou os benefícios trazidos pelas novas tecnologias a essa seara, pela forma como possibilitam o cruzamento de dados, a análise de informações complexas e a criação de “trilhas” automatizadas para indicar a ocorrência de possíveis fraudes. 

Outros temas e participantes – Foram realizados ainda painéis com os especialistas sobre compliance, cibersegurança, agronegócio, leis antitruste e Direito imobiliário. Da delegação brasileira, além dos já citados, também fizeram parte como palestrantes os ministros do STJ Antonio Carlos Ferreira, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, Paulo de Tarso Sanseverino, Raul Araújo Filho, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis. 

Participaram ainda como palestrantes e debatedores o Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) André Fontes, o Desembargador do TJSP Heraldo de Oliveira, o Juiz Auxiliar do CNJ Carlos Vieira von Adamek, o Juiz do TJSP Marcus Onodera, o Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça,   Alexandre Chini, o Conselheiro do CNMP Juiz Valter Shuenquener de Araújo, o Secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro, Lucas Tristão, a Vice-Presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Ana Tereza Basilio, o Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/ Direito-Rio) Antônio José Maristrello Porto, a Professora da Universidade de São Paulo (USP) Giselda Hironaka, e os advogados Luiz Antonio Nabhan Garcia, Renata Vargas Amaral e Vander Giordano.

Da delegação norte-americana, além dos já citados, fizeram parte o Juiz do Condado de Miami, Flórida, Robert Watson; a Diretora do Programa de Certificação de Leis Anticorrupção dos EUA, Professora Nancy Boswel; o Diretor Executivo do Instituto de Segurança Nacional, Professor Jamil Jaffer; a Diretora do Centro de Estudos de Direito Internacional e Comparado da WCL, Padideh Ala’i; os professores da WCL Fernando Laguarda e Jeffrey Lubbers; o gerente de serviços especiais globais da Hazelwood Street Consultants, Grant Kaplan; e as advogadas Ella Alves Capone e Janis Schiff.