Ferramenta de precisão

7 de junho de 2022

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Em seminário, magistrados e juristas destacam a importância da repercussão geral para o aperfeiçoamento do sistema judiciário

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou em maio seminário para debater os 15 anos da repercussão geral. Criado em 2004, durante a reforma do Poder Judiciário, o mecanismo permite ao Supremo eleger casos concretos de grande relevância política, econômica e social para que a decisão sobre cada um resulte em tese a ser aplicada de imediato a todos os outros processos sobre o mesmo assunto. 

Dados apresentados na abertura do seminário “Repercussão Geral 15 anos: origens e perspectivas” pelo Presidente do STF, Ministro Luiz Fux, demonstram que a adoção da repercussão geral resultou na redução do acervo de processos em tramitação na Corte para o menor patamar desde 1996.

O primeiro painel teve como tema “Repercussão geral colaborativa: advocacia, sociedade, academia e Judiciário”. Contou com a participação do Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB e membro do Conselho Vitalício da Ordem, o advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que trouxe a perspectiva da advocacia sobre a repercussão geral e ressaltou a colaboração do instituto para a igualdade dos cidadãos.

“A repercussão geral torna previsível a posição da Justiça e torna mais nítida a segurança jurídica e o tratamento igualitário entre todos os cidadãos”, afirmou Coêlho – que é membro do Conselho Editorial da Revista JC. Ele explicou ainda o conceito de família forense e frisou que o Judiciário e a advocacia devem trabalhar juntos para solidificar o sistema de Justiça nacional: “Quando falamos de família forense, estamos falando da cooperação e da colaboração, porque magistratura e advocacia são duas asas do mesmo pássaro. Se uma das asas vai mal, o pássaro não voa. Portanto, cuidar do Judiciário, dos servidores, da advocacia e dos membros do Ministério Público é cuidar da jurisdição e, em última análise, cuidar do cidadão”.

No mesmo painel, o Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) Newton Pereira Ramos Neto afirmou que o sucesso da repercussão geral ajudou a consolidar o STF como corte constitucional. Para ele, hoje o principal desafio do sistema de Justiça brasileiro é encontrar o ponto de equilíbrio entre eficiência quantitativa e qualitativa. “Não basta julgarmos muito, temos que julgar muito e julgar bem. É uma equação difícil”, opinou.

No encerramento do primeiro painel, o Secretário-Geral do STF, Juiz Federal Pedro Felipe de Oliveira Santos, salientou a importância da dimensão social da repercussão geral, que aproxima o Tribunal do cidadão comum. “Felizmente, o presente nos brinda com essa perspectiva de que a repercussão geral está mais viva do que nunca. E ela tem uma dimensão social que precisa ser registrada. No Supremo, percebemos que os casos de controle concentrado, as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), as arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) e as ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (ADOs) geralmente tratam de temas da macropolítica. São questões sensíveis dos relacionamentos entre os Poderes e os estados. Já a repercussão geral é o que traz a causa do cidadão comum ao STF. É por meio da repercussão geral que se decidem, por exemplo, questões constitucionais relativas aos benefícios previdenciários, ao fornecimento de medicamentos às pessoas mais carentes, ou seja, questões da vida cotidiana”, disse Santos.

Dados compartilhados – No segundo painel de debates, com o tema “Desafios na implementação da repercussão geral”, a ex-Ministra do STF Ellen Gracie Northfleet relembrou o contexto histórico e as dificuldades da implementação do instituto, que ocorreu durante sua gestão como presidente da Corte. A ex-Ministra defendeu a repercussão geral como ferramenta de aperfeiçoamento dos tribunais e de combate à crise de números de processos no Tribunal.

“A repercussão geral é um dos mecanismos que permite atacar a crise de números de processos, ao estabelecer as teses que deverão ser examinadas pelo Tribunal. Uma vez decidido no mérito, aplica-se essa solução a todo País. É importante que o Brasil tenha uma lei só, e a lei não é apenas o texto legislativo, mas também a maneira como os tribunais interpretam, de modo que uma interpretação fragmentada e contraditória não auxilia em nada o desenvolvimento nacional”, explicou a ex-ministra.

No último painel do dia, os ministros do STJ Assusete Dumont Reis Magalhães, Luiz Alberto Gurgel de Faria e Mauro Luiz Campbell Marques versaram sobre a gestão de precedentes e a relação dialógica entre os tribunais. Em sua participação, a Ministra Assusete Magalhães afirmou que o compartilhamento de dados possibilita o aprimoramento de precedentes para que o STF e o STJ exerçam melhor sua função uniformizadora no âmbito, respectivamente, da Constituição e da Justiça Federal.

“Esse compartilhamento de dados e pesquisas entre STJ e STF constitui insumo para o aprimoramento da gestão de precedentes por ambas as cortes, permitindo que sejam apresentados aos ministros dados estratégicos que lhes permitam melhor gerenciar os precedentes à luz desses dados estratégicos, exercendo assim melhor a sua função paradigmática e uniformizadora no âmbito constitucional ou da legislação federal”, disse a ministra.

PEC da Relevância – Na sequência do debate, o Ministro Mauro Campbell, membro do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania, lembrou a razão do início do projeto de digitalização processual do STJ: “Talvez poucos saibam desse fato, mas o motivo pelo qual o STJ começou a sua digitalização processual foi um abalo na estrutura do prédio da secretaria das turmas julgadoras, já que a pilha de processos físicos que se avolumava naquele anexo do Tribunal estava abalando as estruturas do prédio”.

Segundo o magistrado, a formação da Comissão Gestora de Precedentes do STJ possibilitou que o Tribunal se tornasse mais objetivo. Em sua opinião, caso venha a ser aprovada no Congresso Nacional, a PEC da Relevância poderá contribuir ainda mais para o aperfeiçoamento da gestão de precedentes.

“Sem dúvida alguma, a gestão de precedentes do STJ ganhará um aliado a mais com a PEC da Relevância. Ansiamos que ela seja o mais rapidamente aprovada e se torne cláusula constitucional para que nós do STJ possamos criar precedentes efetivamente qualificados para distribuí-los para a magistratura e para os jurisdicionados. Para que não tenhamos que debater, por exemplo, como no ano passado, uma execução fiscal de R$ 1,27 ou um imposto de importação de duas girafas ou um habeas corpus de dois chimpanzés. Não há coerência nisso para uma corte superior”, finalizou o ministro.