Fortalecer os cartórios para desafogar a Justiça

16 de abril de 2020

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Conversa com o Judiciário sobre a ampliação dos serviços notariais sob a ótica da Análise Econômica do Direito

A Revista Justiça & Cidadania realizou no início de março, antes da quarentena do covid-19, nova edição do projeto Conversa com o Judiciário, desta vez com o tema “Análise Econômica do Direito e os Serviços Extrajudiciais”. Foi o pontapé inicial da série de eventos, realizados com o apoio do 15o Ofício de Notas do Rio de Janeiro, para discutir como aumentar a eficiência dos cartórios de notas e, simultaneamente, ampliar sua gama de serviços como parte da estratégia para reduzir a judicialização excessiva.

A Conversa contou com palestras do Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luiz Fux, e do Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro João Otávio de Noronha. Também participaram o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Cláudio de Mello Tavares, o Procurador-Geral de Justiça do Estado, Eduardo Gussem, e o presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Luciano Bandeira.

O evento reuniu também autoridades e personalidades do mundo jurídico, como a presidente do Tribunal de Contas fluminense, Marianna Montebello, e o ex-Senador e ex-Presidente da OAB Bernardo Cabral, Relator-Geral da Constituição de 1988 e Presidente do conselho editorial da Revista Justiça & Cidadania. A coordenação científica ficou sob a responsabilidade do Ministro do STJ Luis Felipe Salomão e do Desembargador do TJRJ Alexandre Câmara.

Braço do Judiciário no dia a dia das empresas e cidadãos, os cartórios gozam de alta credibilidade junto à população, capilaridade territorial superior às comarcas judiciais e natural capacidade de mediação. Por isso, a delegação de atribuições atualmente exclusivas dos juízes aos tabeliães foi apontada pelos participantes da Conversa como uma estratégia acertada para desafogar de processos o Poder Judiciário.

“A cada nova resolução, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) amplia o papel dos cartórios. Recentemente, com a entrada em vigor do Provimento 88, eles ganharam destaque no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro”, exemplificou na abertura do evento o presidente do Instituto Justiça & Cidadania, Tiago Salles.

Extrajudicialização – “O auditório lotado é sintomático do acerto do debate sobre a Análise Econômica do Direito e os Serviços Extrajudiciais. (…) Exemplo de cumprimento do papel extrajudicial em relação à Economia e ao Direito é a formalização das uniões estáveis hoje feita pelos cartórios, o que confere segurança jurídica às relações – inclusive as homoafetivas – algo vital para o desenvolvimento da sociedade. Outro exemplo recente, a partir de precedente do STJ, é a permissão para que os inventários sejam feitos em cartórios mesmo quando há testamento, porta que abrimos com base na interpretação do Código de Processo Civil (CPC)”, acrescentou o Ministro Luis Felipe Salomão.

“Tudo aquilo que pudermos atribuir aos serviços extrajudiciais – e os ofícios de notas são um belo exemplo disso – desde que não comprometa a garantias das pessoas, nós devemos atribuir. Assim como sou entusiasta do divórcio, do inventário e do usucapião extrajudiciais, defendo também a extrajudicialização de várias outras atividades. Temos que pensar o Direito como um mecanismo para resolver problemas e podemos resolver muitos deles, de modo muito eficiente, quando vamos em busca dos serviços extrajudiciais”, complementou o Desembargador Alexandre Câmara.

Solução de conflitos – “Com essa visão moderna que o 15o Ofício implementa, por exemplo – que fala em blockchain e em inteligência artificial – começamos a trazer modernidade para o sistema de Justiça. Há uma frase que não canso de repetir: o que nos trouxe até aqui não nos levará adiante. É exatamente isso que nós, do sistema de controle, estamos procurando fazer. Não há mais espaço para que as nossas instituições atuem apenas na repressão. Temos que ser preventivos, resolutivos e estimular acima de tudo o diálogo. Temos que ter uma atuação pedagógica e, com isso, transmitir segurança jurídica e estimular o ambiente de negócios”, comentou o Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro Eduardo Gussem.

O Presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, ressaltou a importância desse tipo de Conversa: “É fundamental ter essas discussões envolvendo todos os agentes que participam da entrega da jurisdição à sociedade. A advocacia é um elemento importantíssimo e necessário nessa discussão, porque são os advogados e as advogadas o elo entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, os ofícios de notas e todas as soluções existentes para os conflitos sociais”.

Prestígio ao Judiciário – Coube ao Ministro João Otávio de Noronha a palestra final, na qual, lembrando ter estimulado a mediação e a conciliação em cartórios extrajudiciais nos tempos em que foi Corregedor Nacional, ressaltou que “o Estado tem o monopólio da jurisdição, mas não o da Justiça”. Noronha falou ainda sobre os avanços da desjudicialização com o novo CPC, que teria passado a permitir, por exemplo, a formalização do divórcio por meio de escritura pública. O Presidente do STJ lembrou ainda de vários provimentos do CNJ que, ao longo dos anos, têm possibilitado a ampliação dos serviços prestados pelos cartórios como, por exemplo, o Provimento 66, que indica a criação de convênios entre autarquias públicas e cartórios para facilitar procedimentos de identificação civil dos cidadãos. 

 “Precisamos desjudicializar e para isso contamos com os cartórios”, disse Noronha, que acrescentou ao fim: “Desjudicializar não é tirar prestígio do Judiciário, não é tornar o juiz menos importante. Pelo contrário, é reservar ao juiz tempo para que ele possa se dedicar às questões que realmente requerem a atenção do Estado”.

“Queremos assumir essa responsabilidade. Já demonstramos que somos capazes quando assumimos os inventários e o reconhecimento do usucapião extrajudicial. Temos conhecimento, agilidade e eficiência. As pessoas têm uma ideia equivocada, que está mudando, de que o cartório representa a burocracia. O cartório é a antítese da burocracia, pode ajudar todos a resolver seus problemas de forma muito mais econômica e rápida”, comentou a Tabeliã Fernanda Leitão, Vice-Presidente do Colégio Notarial do Brasil.

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Conversa com o Judiciário

Esta foi a 74ª edição do Projeto Conversa com o Judiciário, criado em 2012 pelo Instituto Justiça & Cidadania para ajudar a desobstruir os canais de diálogo sobre temas muitas vezes controversos, sempre reunindo magistrados, juristas e jurisdicionados, dentre os quais alguns dos maiores litigantes do País. Ganham os juízes, que com mais conhecimento podem julgar melhor casos que envolvem questões complexas e específicas. Ganham as empresas, com a chance de se ajustar às decisões mais recentes dos tribunais. Ganha toda a sociedade, com um Judiciário mais produtivo e empresas melhor adaptadas à jurisprudência.

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Homenagem ao “pai” do Tribunal da Cidadania

Em sua saudação inicial aos participantes do evento, o Ministro Luis Felipe Salomão aproveitou a oportunidade para homenagear o Senador Bernardo Cabral por ter idealizado e concretizado o Superior Tribunal de Justiça no texto constitucional de 1988. “O Tribunal foi criado pelo seu trabalho, senador, à frente da Assembleia Nacional Constituinte, dentre as várias soluções pensadas para resolver a crise do Supremo Tribunal Federal. Na época foram aventadas a ampliação do número de ministros e a criação de filtros mais eficazes para o Supremo, mas a solução que vingou foi a sua, a criação daquele que se denominou Tribunal da Cidadania. O STJ foi criado pelas suas mãos, a certidão de nascimento está na Constituição”.

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“O cartório é a antítese da burocracia”

Entrevista com tabeliã titular do 15o Ofício de Notas, Fernanda Leitão

Qual e a sua avaliação sobre o evento?

Só por meio do diálogo vamos chegar ao denominador comum. O tabelionato pode ajudar muito no processo de desjudicialização e compartilhamento da Justiça. Todos nós brasileiros somos responsáveis pelo número estratosférico de ações em tramitação nos tribunais. Temos que assumir essa responsabilidade, e o extrajudicial pode ajudar muito nesse sentido, para que possamos evoluir para a melhor qualidade de vida e a pacificação social. Tivemos palestrantes e também um público muito qualificado, o que aumentou nossa responsabilidade. Era justamente isso que queríamos, trazer expoentes do mundo jurídico para saber o que eles pensam, de que forma estão tratando o assunto.

Parece haver consenso quanto à possibilidade de ampliar o leque de serviços oferecidos pelos cartórios. O que você poderia comentar a esse respeito?

Existem diferentes projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado que versam exatamente sobre essa matéria. Já é possível fazer no cartório, por exemplo, o acordo trabalhista extrajudicial. Há a sugestão de que a recuperação judicial de empresas de pequeno porte também possa ser feita via cartório extrajudicial. Poderia falar o dia inteiro sobre procedimentos que podem ser levados para o extrajudicial. Exatamente como foi dito aqui, não é para tirar a importância do juiz, mas para deixá-lo com tempo para resolver questões mais complexas, aquelas que realmente demandam a atenção do Estado.

O tema dessa Conversa estava relacionado à Análise Econômica do Direito, mas foi possível perceber certa ansiedade dos participantes para tratar de outros assuntos. Quais temas serão trazidos às próximas edições?

Uma questão bem importante é a unificação e simplificação das regras. Temos um excesso de normas administrativas, o que torna difícil para os empresários que atuam em diversos estados saber que no Rio de Janeiro é de um jeito, em São Paulo de outro e no Sul de uma terceira forma. Vou fazer uma comparação com o que o Ministro Paulo Guedes falou recentemente, que vivemos em um manicômio tributário. Vivemos também um manicômio de normas administrativas que tornam a vida do empresário e do cidadão muito difícil..

Como promover esse diálogo também entre os incontáveis cartórios do País? 

Faço parte tanto da seção federal quanto da seção fluminense do Colégio Notarial do Brasil, entidade de classe que está presente em todos os estados. Nós conversamos bastante e temos muitas ideias. Queremos assumir essa responsabilidade. Já demonstramos que somos capazes quando assumimos os inventários e o reconhecimento do usucapião extrajudicial. Temos conhecimento, agilidade e eficiência. As pessoas têm uma ideia equivocada, que está mudando, de que o cartório representa a burocracia. O cartório é a antítese da burocracia, pode ajudar todos a resolver seus problemas de forma muito mais econômica e rápida.