Edição

Insolvência e Direito Comparado – Brasil e Estados Unidos

3 de outubro de 2022

Compartilhe:

Promovido pela Revista JC, seminário reúne em São Paulo especialistas de ambos os países para debater a insolvência transnacional

Em nova edição do ciclo Estudos Internacionais de Direito Comparado, a Revista Justiça & Cidadania promoveu no final de setembro, em São Paulo (SP), o seminário “Insolvência e Direito Comparado – Brasil & Estados Unidos”, composto por palestras e painéis com grandes especialistas sobre o tema em ambos os países.

Realizado com o apoio do American Bankruptcy Institute (ABI) e da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) – que transmitiu o evento ao vivo em seu canal no YouTube – o seminário contou com a participação do então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Luiz Fux, do Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Desembargador Ricardo Anafe, do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva, do Diretor da Escola Paulista de Magistratura, Desembargador José Maria Câmara Júnior (TJSP), e da Presidente da Apamagis, a Juíza de Direito do TJSP Vanessa Mateus.

“A insolvência é um grande problema para o Judiciário, não só por uma questão de soluções a encontrar para os litígios, mas justamente pelo volume. Há uma demora imputada ao Judiciário que, na verdade, decorre muito mais do tamanho da insolvência, da busca por bens, da sofisticação cada vez maior das formas de ocultação de ativos, da busca de fato pela recuperação e fomento do crédito. Para nós é uma alegria poder discutir efetivamente as causas e as soluções deste problema para buscar melhorar a prestação jurisdicional”, comentou a Juíza Vanessa Mateus na mesa de abertura.

“É uma grande oportunidade no Brasil – onde ultimamente há uma preocupação enorme com a insolvência e a recuperação judicial, diante da nova lei, que traz aspectos do Direito norte-americano, em especial no que diz respeito ao DIP Financing – trazer à baila o Direito Comparado entre os sistemas brasileiro e norte-americano. É um momento de engrandecimento, aprendizado, melhora e aperfeiçoamento da prestação jurisdicional”, acrescentou o Desembargador Ricardo Anafe.

“Estou me despedindo do CNJ e da Presidência do Supremo e uma das grandes realizações que consegui foi exatamente introduzir o Poder Judiciário na Era Digital. (…) Em relação à preocupação específica com a busca de ativos, um dos eixos da minha gestão foi exatamente o combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e também a preocupação com a potência das execuções, com a disponibilidade patrimonial. Desenvolvemos um programa que se chama Sniper, que localiza bens onde quer que se encontrem, muito interessante para as recuperações judiciais e para a insolvência, porque sabemos que o sucedâneo no cumprimento das obrigações é o patrimônio do devedor”, comentou na palestra magna o Ministro Luiz Fux – membro do Conselho Editorial da Revista JC.

O magistrado salientou ser a recuperação judicial o principal instrumento para viabilizar a superação da crise econômica e financeira das empresas, a fim de “permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Insolvência transnacional – Mediado pela Juíza de Direito Clarissa Tauk, da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, um dos painéis contou com a participação do Presidente do American Bankruptcy Institute, Judge Kevin Carey, e do Juiz Titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Daniel Carnio da Costa, que seria eleito alguns dias depois Presidente do Comitê Judicial do International Insolvency Institute.

O Juiz Daniel Carnio explicou que o instituto da falência transnacional surgiu na esteira da globalização da economia, quando as cadeias produtivas se tornaram cada vez mais internacionais, à medida em que empresas passaram a buscar novos mercados, com regras mais favoráveis à produção, e acabaram dividindo sua linha de produção entre vários países. Justamente para incentivar esse movimento, segundo ele, a ONU criou a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral), organismo que visa uniformizar as regras comerciais para que os países tenham maiores possibilidades de troca e os sistemas jurídicos sejam mais semelhantes, para diminuir os degraus de conhecimento e facilitar a internacionalização da economia.

Lei modelo – “No caso da empresa que opera em vários países, embora possa haver leis de insolvência em todos, as regras de prioridade e de venda podem ser diferentes. Mais do que isso, uma cadeia de características globais tem um valor agregado muito maior do que a venda daqueles ativos de maneira separada em cada uma das jurisdições. Se não há regras uniformes e não se consegue fazer a venda da cadeia global de uma única vez, há a obtenção de valor muito menor com a venda separada em cada país, em detrimento da eficiência do sistema e dos interesses dos credores. O tratamento atomizado das crises empresariais gera prejuízo e ineficiência, tanto do ponto de vista da recuperação da atividade quanto de sua liquidação”, comentou Daniel Carnio sobre as razões que levaram a Uncitral a criar uma lei modelo que possibilitasse encaminhar os casos com respeito à soberania dos países e, simultaneamente, possibilidade de tratamento “não atomizado” das insolvências transnacionais.

A lei-modelo da Uncitral foi adotada por diversos países, inclusive pelos Estados Unidos, que em 2005 a incorporou ao capítulo 15 do Bankruptcy Code, que é a lei dos EUA em relação à falência internacional. O Brasil finalmente adotou a legislação com a última reforma da Lei de Recuperação e Falências, com a Lei nº 14.112/2020, que entrou em vigor em janeiro de 2021 e internalizou na legislação brasileira o capítulo 6-A – equivalente ao capítulo 15 norte-americano – o tratamento da insolvência transnacional.

“Isso é importante porque a decisão de investimento internacional leva em consideração a segurança jurídica e o tratamento que a legislação dá ao investidor estrangeiro. Uma empresa estrangeira que queira investir no Brasil quer saber como o dinheiro entra e como, eventualmente, o dinheiro sai, qual será o tratamento que ela terá em caso de crise, tanto do ponto de vista das ferramentas que o sistema oferece para a recuperação, quanto do tratamento que os credores estrangeiros terão na liquidação e qual será o tratamento que a Justiça brasileira dará ao negócio como um todo”, acrescentou o Juiz Daniel Carnio.

Capítulo 11 – Segundo o Presidente do American Bankruptcy Institute, nos Estados Unidos, para os casos de insolvência transnacional, a tendência adotada nos últimos anos é utilizar não o capítulo 15, mas o capítulo 11 do Bankruptcy Code, que contém disposições que autorizam as empresas a pagar seus colaboradores e fornecedores, cumprir suas obrigações em relação a benefícios, manter programas para usuários e conduzir outras operações comerciais comuns enquanto trabalham com o tribunal e seus credores para resolver as situações caso a caso. “A tendência é tentar trabalhar para a recuperação da empresa ao invés de liquidá-la. Os benefícios são imediatos para todas as partes envolvidas”, afirmou o juiz aposentado norte-americano Kevin Carey.

O seminário teve ainda como palestrantes o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, o Desembargador do TJSP José Maria Câmara Júnior, o Juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo João de Oliveira Rodrigues Filho, o Professor de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Flavio Galdino, a Professora de Direito Comercial na Universidade de São Paulo (USP) Sheila Cerezetti, e os advogados especialistas em recuperação judicial e insolvência Francesco Del Vecchio, Isabel Picot e Richard Kebrdle.

Assista à íntegra na página da Apamagis no YouTube