Ives Gandra Martins: Um Homem Na Acepção Da Palavra

30 de abril de 2011

Membro do Conselho Editorial e Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia

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Sinto-me sumamente honrado e com justificada vaidade por ter sido escolhido pela Revista Justiça & Cidadania para prestar um depoimento em homenagem a figura do ilustre brasileiro e valoroso intelectual Ives Gandra Martins.
Ao desincumbir-me da agradável tarefa, desejo deixar explícito que foge ao meu propósito dissertar sobre a biografia do homenageado. Se o fizesse, pela sua grande extensão, demandaria tempo e espaço que, nesta oportunidade, não disponho.
Proponho-me, tão somente, com a máxima sinceridade, traçar o perfil de alguém que bem conheço e com quem mantenho agradável e fraterno convívio há longo tempo.
Esta saudação não é a primeira e nem será a última.
Ouço e leio com reiterada frequência depoimentos altamente elogiosos e merecidos ao homenageado, tais como: homem genial, um homem brilhante, uma personalidade fascinante, um dos maiores juristas do Brasil, um advogado autêntico, um professor emérito e um educador de escol.
Começaria exaltando sua extraordinária qualificação intelectual, acentuada formação humanística e exemplar inteireza moral.
Sua vida foi sempre dedicada à produção intelectual, seja nas letras, nas artes, nas ciências, na filosofia, na religião e, em especial, no estudo e na vivência do Direito.
O valor de sua obra está patenteado na vocação e no talento do escritor, manifestados desde os primeiros trabalhos. Na realidade começou onde muitos acabam.
Com a proverbial modéstia que caracteriza sua personalidade, nada nele denuncia o gigantesco enciclopedismo de sua cultura geral.
Dotado de uma vocação heterodoxa no campo do pensamento, produziu trabalhos inolvidáveis sobre assuntos relevantes levados a cabo tanto no País como no exterior.
Escreveu poemas de rara e indiscutível beleza, principalmente os dedicados a Ruth, sua esposa, grande amiga, exemplo de mulher e permanente fonte inspiradora.
O Direito, nos seus variados ramos, sempre constituiu a principal razão intelectual de sua existência. Na trajetória extraordinária como jurista, interessou-se principalmente pelo tributário, mas também pelo econômico, o constitucional, o administrativo e o societário, sem descurar da Teoria Geral do Direito, cujos fundamentos dominam com rara competência e lucidez.
Sua vasta cultura multidisciplinar lhe possibilita pensar, meditar, refletir e aprofundar seus julgamentos sobre os direitos e deveres que a advocacia impõe perante a sociedade, perante os colegas de profissão e perante os clientes.
Nunca perdeu a sua visão global do direito como parte do sistema em que tudo se prende, se articula e se ordena em função de algo maior, mais relevante e mais alto.
Como profissional do Direito, sempre perseguiu o ideal puro da filosofia ética.
Entusiasta pela leitura dos clássicos da cultura universal e do direito, desde cedo deixou-se impressionar pelas obras de autores preocupados com a filosofia ética, influenciadora do direito natural.
Sempre sustentou que certos direitos nasceram com os seres humanos, são inatos a cada indivíduo e não é possível deixar de reconhecê-los.
Ao seu sentir, não se pode conceber, no âmbito do direito positivo, atividade especulativa, pratica ou teórica, que não tenha a ampará-la, orientá-la e iluminá-la, uma cultura filosófica.
Na sua formação, há um tempo jurídica e filosófica, se localiza em grande parte o segredo de sua superioridade intelectual e a ponte que o conduziu às mais importantes academias de direito e de filosofia do País.
Para Ives, o melhor Direito é o que guarda compatibilidade com a moral. Sempre entendeu que o primeiro dever ético do profissional jurídico é o seu adequado preparo, fruto de um lento e continuado crescer, que não se esgota no exercício advocatício.
Na vida de Ives, a fé religiosa se faz presente em sua plenitude. Como católico convicto seu luzeiro é a Bíblia. O pensamento religioso integrado e harmonioso faz parte do seu viver cotidiano nas cerimônias sacramen­tais e nas festas litúrgicas.
Sua alma é pura, sem mancha, inimiga de tudo o que ofende o pudor. Onde há injustiça, onde se pratica uma indignidade, ergue sempre a voz para verberá­-la e combatê-la.
Para alcançar objetivos elevados, não retrocede ante empecilhos. Confiante em si mesmo, enfrenta riscos quando abraça as grandes causas.
A lealdade foi sempre outra de suas virtudes. Jamais usou de subterfúgios, de sofismas, de falsos argumentos, muito menos de testemunhos inverídicos com propósito de torcer os fatos.
Não obstante ter muitas virtudes, Ives não ostenta nenhuma, pois acredita no dizer de Noberto Bobbio “a virtude ostentada converte-se em seu contrário.” Quem ostenta recente-se da falta de caridade.
Quando vitorioso em suas causas, sempre respeitou o vencido. Se derrotado, sabe ser digno, sem perder a compostura. Por isso foi sempre admirado e respeitado.
Sua banca de advogado tornou-se uma das mais renomadas do País, celebrizando-se por seus festejados pareceres, emitidos sobre os mais diversos e complexos temas jurídicos.
Dotado de inteligência privilegiada e fenomenal criatividade, cheio de vigor cívico, hospitaleiro e gentil, sempre teve invulgar capacidade de unir pessoas. Gosta de promover o sucesso dos outros. Divide com seus próximos suas vitórias, tornando-as vitórias do grupo.
Assim como reúne pessoas, concilia projetos e propósitos diferentes, sem descaracterizar ou diminuir nenhum deles. Com ele perto, sente-se que as coisas caminham bem.
Como amigo não conheço quem o supere em bondade, em compreensão, e na tolerância. Promove gente, escuta subordinados, e não foram poucos os que cresceram e prosperaram sob sua orientação.
Sempre honrou-me com sua amizade. Devo-lhe muita gratidão; diria até muito amor. Confiou em mim; estimulou-me a concorrer a cargos e exercer funções relevantes; defendeu minhas candidaturas com denodo e convicção.
Afável, simpático a toda prova, sereno nas atitudes, esboçando a cada encontro um sorriso sincero e cordial, Ives tem sido um grande incentivador do meu trabalho, nos diversos Conselhos e Academias das quais faço parte.
Algo essencial que Ives traz em sua bagagem é o amor em ensinar e aprender.
Mestre por excelência, exercita em sala de aula sua sabedoria, procurando sempre aprimorar e consolidar a qualidade de seus alunos e de seus espectadores.
Inteligência viva, clara, rápida e ampla, acostumou-se como exímio comunicador a deleitar as plateias com sua retórica fluente e palavra precisa. Sua eloquência tende sempre para o bem e para o justo.
Por seus dotes, transformou-se em um orador sincero que arrebata e emociona. Para ele, nada mais desprezível que o uso da palavra para propagar o vício, a desordem e a desonestidade.
Grande presença e participação nos meios sociais, políticos e culturais do País e no exterior, Ives sempre interferiu no curso dos acontecimentos, utilizando-se de seus valores, princípios e conhecimentos para transformar, para melhor, a realidade ao seu redor.
É um civilizador, um profissional que eleva os padrões de conduta e de convivência nos ambientes por onde passa.
Desarma espírito em prol de consensos mínimos, sem os quais se alastram os conflitos.
Da serenidade extrai sua força, por isso inspira confiança.
Sua aptidão para construir pontes de entendimento, faz dele um articulador de diálogos de alto nível.
Paciente ao extremo, suporta adversidades. Impacienta-se, todavia, com pregações populistas tão em voga em nosso País e na América Latina. Indigna-se com políticos que prometem demagogicamente reformas impossíveis de serem cumpridas, bem com o desvio de conduta e a incapacidade de certos governantes no exercício de poder.
Verdadeiro jurista, Ives jamais se tecnizou. Não é mérito prático do direito, exegeta de texto legal ou compilador de antecedentes jurídicos. Suas análises, feitas sempre a partir de ângulos inovadores e incomuns, ensejam calorosas discussões nos diversos embates de que tem participado.
Tornou-se porta-voz da vanguarda do bom Direito. Sua produção intelectual, sempre atual e cheia de originalidade, está condensada em mais de 80 livros, milhares de artigos em revistas especializadas e jornais, bem assim nas infindáveis conferências que tem proferido ao longo de sua vitoriosa carreira.
Aliás, Ives não passa um dia sem escrever. Tornou-se o mais produtivo dos profissionais em sua área de atuação. Algumas de suas obras são verdadeiros tratados, como “Os comentários ao Código Tributário Nacional” e “Os Comentários à Constituição de 1988”.
Trabalhou incessantemente para o fortalecimento institucional. Sempre exerceu relevantes funções docentes e administrativas, com dedicação e eficiência. Seu altruísmo e criatividade inovadores o levaram a fundar e erguer importantes instituições culturais de âmbito nacional e internacional.
A uma delas dedicou-se ao arrojado propósito de unir juristas e economistas em uma só instituição, daí nascendo a Academia Internacional de Direito e Economia, da qual é fundador e Presidente de Honra.
Ives tornou-se interlocutor valido de magistrados, ministros, parlamentares e presidentes, que vêem nele, mais que um representante da advocacia ou de uma instituição, um defensor da liberdade, alguém a serviço da democracia e da sociedade.
Esta singela, mas merecida homenagem ao Ives, é mais um ato de reconhecimento pelo trabalho de toda uma vida em defesa de boas causas; serve de exemplo a todos aqueles que sonham com um País mais democrático, justo e pluralista.
Nosso País deve muito a esse homem obstinado, que sempre enfrentou o arbítrio, jamais desanimou ou perdeu a fé na justiça.
Sua contribuição para a história do aprimoramento da cultura em geral e do Direito em particular jamais será apagada.
A você, Ives, querido amigo de todas as horas, os mais ardorosos protestos de carinho e admiração.
Obrigado pelas lições de vida. Seu bom combate deve ser exemplo a ser seguido por todos.
Se me fosse perguntado: Com quem você gostaria de parecer? Responderia, sincera e prontamente. Ser igual ao Ives Gandra Martins. Pena não ser possível.