Edição 139
Lutando pela vida_Entrevista com Carlos Eduardo Figueiredo, Juiz do TJERJ
31 de março de 2012
Da Redação
Iniciativa desenvolvida em presídios do Rio de Janeiro tem contribuído para a ressocialização de ex-detentos e egressos do sistema prisional
De acordo com o magistrado, foi após conhecer o egresso Fábio Leão – hoje tricampeão carioca e vice-campeão brasileiro de Muay thai. “A história dele é bem interessante. Ele começou a praticar artes marciais na unidade prisional, mas em situações precárias. Então, quando o conheci vislumbrei essa possibilidade. Vi que outros “Fábios”, que estão no sistema, poderiam ser salvos por meio do esporte. Busquei parceiros para o projeto e já conseguimos montar quatro academias”, contou.
O projeto é desenvolvido em conjunto com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. E conta com a parceria da Pretorian Hard Sports, empresa de material esportivo, e da Academia Delfim, especializada em artes marciais, responsável pela capacitação dos presos no esporte.
Atualmente, há academias em quatro penitenciárias. Figueiredo destacou que a ideia é instalar outras 10 até o meio do ano. “O esporte é fundamental para a ressocialização dos presos, pois trabalha coisas fundamentais: a capacitação e educação. A prática esportiva também traz benefícios à saúde. É bom deixar claro, no entanto, que o preso só pode praticar esse esporte depois de um exame médico rigoroso, no qual é verificado se realmente tem capacidade física para realizar essa atividade. É checado ainda o comportamento do preso, o envolvimento dele com o crime, o tipo de delito praticado e o mérito carcerário dele”.
Confira a entrevista:
Revista Justiça & Cidadania – Como surgiu o projeto Lutando Pela Vida e quem é beneficiado?
Carlos Eduardo Figueiredo – O projeto alcança, inicialmente, os detentos do Rio de Janeiro. Mas há um desejo e um sonho de que seja expandido para o Brasil inteiro. Nesse sentido, cada vez mais a divulgação é importante para alcançarmos essa amplitude. A iniciativa surgiu de uma ideia que tive quando conheci o Fábio Leão, que ficou preso por vários anos. Hoje está em liberdade condicional, é tricampeão carioca e vice-campeão brasileiro de Muay thai. A sua história é bem interessante. Ele começou a praticar artes marciais na unidade prisional, mas em situações precárias. Então, quando o conheci vislumbrei essa possibilidade. Vi que outros “Fábios”, que estão no sistema, poderiam ser salvos por meio do esporte. Busquei parceiros para o projeto. Já conseguimos montar quatro academias e estamos para montar mais duas. Até o meio do ano, vamos ter outras 10 no Rio de janeiro.
JC – Onde as academias estão instaladas?
CEF – Temos quatro academias funcionando no presídio feminino Talavera Bruce e nos presídios Muniz Sodré, Jonas Lopes de Carvalho (Bangu 4) e Pedrolino Werling de Oliveira (Bangu 8).
JC – Onde serão instaladas as outras academias?
CEF – Serão instaladas nos seis presídios do complexo penitenciário de Bangu. Cada academia pode atender 50 presos. Nosso objetivo é ter, em média, até o fim do ano, 500 detentos praticando o esporte diariamente.
JC – Quem são os professores?
CEF – Temos três professores, um dos quais o Fábio Leão, ex-egresso. O Fábio hoje é funcionário público, foi contratado pela Secretaria de Administração Penitenciária. É um exemplo ímpar na história da Execução Penal no Rio.
JC – As aulas são diárias?
CEF – Em regra são duas vezes por semana, duas horas por dia.
JC – Na sua avaliação, de que forma a prática desse esporte contribui para a ressocialização dos presos?
CEF – No meu ponto de vista, o esporte é fundamental para a ressocialização, pois trabalha coisas fundamentais: a capacitação e educação dos presos. A prática esportiva também traz benefícios à saúde. É bom deixar claro, no entanto, que o preso só pode praticar esse esporte depois de um exame médico rigoroso, no qual é verificado se realmente tem capacidade física para realizar essa atividade. É checado ainda o comportamento do preso, o envolvimento dele com o crime, o tipo de delito e o mérito carcerário dele. Qual é nosso objetivo? Tirá-lo da ociosidade, estimulá-lo a mudar de vida e até capacitá-lo para que possa dar aulas de artes marciais. O objetivo é incentivá-lo a praticar esportes, estudar e trabalhar, para que possa sair do sistema sendo um cidadão muito melhor.
JC – Há outros critérios para a inclusão do preso no projeto?
CEF – Muitos falam: “mas vai ensinar luta para o preso?”. Esse questionamento não existe, não tem a menor fundamentação. Se o preso quisesse usar de violência, não teria dificuldade. Em uma unidade há de 15 a 20 guardas no máximo. O número de presos chega a quase dois mil. Portanto, bastaria ele usar de força. A arte marcial, quando ensinada, possibilita autoconfiança, autodeterminação e autocontrole. E isso contribui para a mudança do comportamento do preso. No entanto, temos precauções. A participação no projeto é um prêmio. Então, quais são os critérios principais para a participação dos presos? Primeiro ter capacitação física, não ter doença cardíaca ou outra que atrapalhe a atividade. O segundo está relacionado ao comportamento do preso na unidade prisional. Verificamos, portanto, se ele não tem participação em tumultos ou agressões físicas. Observados esses pontos, aí sim dizemos se ele tem possibilidade de ser incluído. Se ele causar qualquer tipo de problema (após ser beneficiado), é afastado.
JC – A inclusão no projeto possibilita benefícios, como a remissão da pena?
CEF – Por enquanto não há esse benefício prático, como o da remissão da pena. A remissão é possível apenas para trabalho e estudo. O benefício é para a própria vida do apenado, que passa a ocupar seu tempo com uma prática saudável.
JC – Mas existe a possibilidade de haver a remissão?
CEF – O projeto é muito novo. Não há estudo sobre isso. Mas sem dúvida isso é uma capacitação para o futuro. Quem sabe?
JC – O projeto existe há quanto tempo?
CEF – Efetivamente foi inaugurado há cerca de dois meses, com as academias. Mas já estamos trabalhando nisso há uns seis meses
JC – O projeto é desenvolvido em conjunto com alguma outra iniciativa, como as que visam à profissionalização?
CEF – Ainda não há vinculação, mas outra ideia é conjugar a iniciativa à necessidade de se frequentar uma escola. Vamos tentar junto ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, que já realiza um trabalho nas unidades prisionais, para oferecer cursos profissionalizantes nas unidades prisionais com academia. A ideia é vincular a utilização da academia à prática do curso do SENAI e à frequência à escola. É um sonho poder juntar esses três pontos. Sem dúvida nenhuma a chance de recuperação do detento é maior.
JC – Observamos atualmente uma série de projetos que visam a ressocialização de presos. Um que se destaca é o programa Começar de Novo, do Conselho Nacional de Justiça, que visa a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho. As vagas são geradas a partir de parcerias com empresas privadas. Como o senhor avalia essa iniciativa?
CEF – Avalio como fundamental. Há dois pontos que precisam ser observados, pois podem contribuir para diminuir a criminalidade, recuperar o preso e melhorar nossa sociedade. Um deles é dar capacitação ao preso. O outro é dar chance para que exerça essa capacitação. São duas coisas imprescindíveis uma a outra. Não adianta capacitar o preso e na hora que ele ganhar a liberdade, fechar a porta da cadeia nas suas costas e esquecê-lo. As chances de ele arrumar um emprego são muito pequenas. Por outro lado, imagina se você der uma chance e ele não for capaz. São dois pontos que caminham juntos e são fundamentais para a recuperação do apenado. A chance proporcionada pelo programa Começar de Novo é fundamental. Acho que todas as empresas que têm a capacidade de empregar essa mão de obra oriunda dos egressos poderiam colaborar.
JC – Essa integração pode, na sua avaliação, diminuir a reincindência?
CEF – Sem dúvida. É muito difícil para um preso se recolocar no mercado de trabalho. Alguns presos saem, muitas vezes, sem ter para onde ir, sem ter dinheiro para pagar até a passagem. Muitos não têm casa. A família geralmente vive em situação precária. É obvio que nessa situação a chance de rescindir é muito grande. Agora, se capacitarmos os presos e dermos possibilidades a eles de desenvolver uma atividade, com certeza diminuiremos a reincidência.
JC – Na sua avaliação, de que forma a sociedade pode colaborar?
CEF – Acho que a iniciativa privada e o governo têm chance de empregar, fazer com que o preso tenha acesso ao mercado de trabalho. É lógico que, antes disso, o governo precisa capacitar o preso com atividades dentro do sistema penitenciário. O preso também tem que fazer por merecer. E ele é capaz de fazer isso. A partir do momento que ele for posto em liberdade, a iniciativa privada pode destinar uma parcela de contratações que precisa fazer para a mão de obra dos egressos.
JC – Em sua opinião, os projetos de ressocialização não deveriam vir acompanhados de mudanças no sistema carcerário?
CEF – Tenho visto melhoras consideráveis no cárcere no Rio de Janeiro. Não temos mais aquela situação de caos como havia há alguns anos. É lógico que não é perfeito. Mas observo mudanças com relação à cultura, no sentido de ter a certeza que o preso só vai mudar se dermos uma atividade a ele. Atividade essa relacionada à educação, preparação para o mercado de trabalho e de fazer com ele cuide da própria saúde por meio do esporte. Temos que conseguir mudar a cultura do sistema penitenciário. Uma das funções da pena é o castigo. Mas essa é apenas uma das funções da pena. Há tantas outras. A principal talvez seja a ressocialização. Essa é a única forma de evitar que a pessoa volte a delinquir. Acho que a mudança no cárcere deve ser cultural.