O ambiente de negócios no novo cenário mundial

3 de outubro de 2022

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Se você ainda não conhece a parábola do velho fazendeiro, talvez esse seja o momento oportuno para refletir. Um dia, um dos cavalos do fazendeiro fugiu do estábulo. Os vizinhos foram até o fazendeiro e comentaram: “Que coisa péssima”. O fazendeiro prontamente respondeu: “Talvez”. No dia seguinte, o cavalo que fugiu retornou e com ele vieram mais sete cavalos selvagens. Os vizinhos novamente apareceram, dessa vez para comentar a grande sorte daquele acontecimento. Para surpresa de todos, o fazendeiro apresentou a singela resposta: “Talvez”.

Nos dias que se sucederam, o filho do fazendeiro tentou domar um dos cavalos selvagens, acabou caindo e quebrando uma das pernas. Os vizinhos, “que deviam ser brasileiros”, novamente estavam ali para lamentar o ocorrido, dessa vez voltando-se ao fazendeiro para comentar o quão ruim era aquilo. O inabalável fazendeiro imediatamente retrucou: “Talvez”.

Menos de uma semana depois, os oficiais do exército que estavam recrutando soldados para a guerra apareceram, mas não levaram o filho do fazendeiro por conta da lesão na perna. Os mesmos vizinhos que acompanhavam a vida do fazendeiro, dessa vez também não hesitaram em comemorar aquela ótima notícia. O fazendeiro então novamente refletiu: “Talvez”.

Classificar acontecimentos como bons ou ruins depende da análise dos desdobramentos de cada situação. Por mais angustiante que possa parecer, o fato é que não é possível controlar o futuro e tampouco o resultado das ações tomadas no presente. Não parece fazer sentido, sob esse prisma, comparar a “história real” com uma outra “história ideal”, pois essa última simplesmente não existe. Por vezes acontecimentos negativos abrem caminhos para o crescimento e para oportunidades inimagináveis. E outras vezes, acontecimentos aparentemente positivos podem revelar-se verdadeiros infortúnios.

E o que se esperar do caminho para o desenvolvimento no cenário econômico atual? Para iniciar a reflexão sobre essa resposta, se mostra necessário entender a exata dimensão dos acontecimentos que o mundo contemporâneo vem experimentando.

Para se ter uma ordem de grandeza, a crise gerada pela pandemia de covid-19 foi a maior dos últimos 120 anos em números de economias mundiais afetadas, atingindo 172 (90%) dos 192 países do globo, superando, com isso, as duas guerras mundiais e a Grande Depressão de 1929, que em seu auge (1931) afetou 83% dos países.

Como consequência imediata dos drásticos efeitos da pandemia, os gastos públicos de todas as nações afetadas aumentaram substancialmente. No Brasil não foi diferente, foram cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) destinados a conter os efeitos da covid-19, somente no primeiro ano da pandemia, percentual acima da média gasta pelos países de economia de mercados emergentes e em desenvolvimento (10%), enquanto que em países de economia avançada como a Itália e os Estados Unidos os gastos foram de 46% e 28%, respectivamente, do PIB.

Diante do cenário de crise, a mobilização de recursos por meio do uso ativo de políticas fiscais se mostrou necessária para mitigar os efeitos sanitários e socioeconômicos da pandemia. Nesse caso, as políticas fiscais, em regra, tiveram como objetivos: (i) o combate e a prevenção à infecção pelo vírus (ex.: gastos em testes e vacinas); (ii) a provisão de recursos às empresas e famílias com problemas de liquidez (ex.: auxílios emergenciais); e (iii) o fomento à demanda agregada, visando viabilizar a recuperação econômica, ainda que isso resultasse em maior endividamento público.

Com efeito, é possível afirmar que a pandemia acabou por provocar fortes impactos não só na oferta como também na própria demanda. Se por um lado as atividades empresariais precisaram, em muitos casos, ser paralisadas, com a desarticulação de grandes cadeias produtivas, gerando impacto para os setores de comércio e de serviços, por outro lado, sob o cenário de incertezas, os investimentos privados e o consumo também acabaram reduzidos. A escassez de recursos financeiros deu o contorno exato ao caos que se anunciava, gerando insegurança para a atividade econômica e reflexos para o ambiente de negócios como um todo.

Nesse contexto de crise global, também foi possível observar que as consequências diretas dos efeitos da pandemia associadas às políticas de austeridade econômica, visando conter a escalada desenfreada dos preços, sem dúvidas, asseguraram, como resultado, a alta da inflação, o aumento dos juros e o inevitável arrefecimento econômico.

De volta aos números, ainda de acordo com as estimativas do Banco Mundial, o crescimento global deve sofrer desaceleração acentuada de 5,5% em 2021 para 4,1% em 2022 e 3,2% em 2023. Estima-se que até 2023, todas as economias avançadas terão alcançado a total recuperação dos resultados, enquanto as economias emergentes e em desenvolvimento permanecerão 4% abaixo das tendências anteriores à pandemia.

Com os olhares voltados para a inigualável crise provocada pela pandemia, o mercado parece que não esperava pelo que estava por vir. Segundo o ditado popular, “não existe nada tão ruim, que não possa ficar pior”. Talvez.

E foi justamente nesse cenário marcado por devastação e incertezas que surgiu abruptamente aquilo que parece significar o início do rompimento do equilíbrio de poder mundial, retratado no movimento de invasão pela Rússia do território ucraniano. Inegável, por sua vez, o fato de que a forma da declaração de insatisfações apresentada pela Rússia demonstrou potencial ofensivo que vai além de um conflito bélico. Estaria a história se desdobrando no sentido de uma revisão do modelo pós Segunda Guerra para a formação de uma nova ordem econômica mundial? Talvez.

Sanções econômicas impostas à Rússia, oriundas de países contrários ao conflito armado na Ucrânia, foram imediatas, somadas à substancial debandada de multinacionais do país governado por Vladmir Putin. Foram “deixadas para trás” cadeias produtivas inteiras, advindo daí novas consequências para o abastecimento global.

Mesmo em tempos de pandemia e guerra, ainda assim seria possível enxergar um lado positivo nessa história? Talvez. É o que se pode pensar do novo posicionamento mundial do mercado, a tendência de preocupação das empresas em cumprir com seu papel social, humanitário e de integridade, não se mantendo associadas a conflitos bélicos, mostra-se como algo notável e digno de apreço.

Assim, além dos inestimáveis gastos com a pandemia e com seus efeitos deletérios no pós-pandemia, os desafios econômicos para o ambiente de negócios tornaram-se ainda mais expressivos com a guerra na Ucrânia. A crise global que alcançou a cadeia de suprimentos passou a fazer parte da nova realidade a ser enfrentada. Seria um novo começo? Talvez.

Como consequência, a instabilidade econômica mundial trouxe notáveis mudanças nos hábitos e padrões de consumo estabelecidos anteriormente. Juntamente com a redução do consumo de bens definidos como “não essenciais” e a inversão de hábitos dos consumidores, veio o chamado efeito chicote, proporcionando grandes distorções na previsão de demandas e nos estoques ao longo da cadeia de abastecimento. Os resultados foram grandes perdas de produtos, desabastecimento por interrupções na produção e demandas não atendidas.

Por outro lado, foi também possível observar, por exemplo, que os negócios pautados em plataformas digitais ganharam espaço e demonstraram tendência de crescimento no cenário de pós-crise. A migração de consumo em restaurantes para deliverys, entretenimento online e otimização do tempo com o trabalho remoto igualmente se apresentaram como novas tendências.

Mas fato inevitável é que além dos efeitos deletérios da pandemia, a economia mundial experimenta também consequências diretas da guerra na Ucrânia nas cadeias de abastecimento global, associando-se aspectos oriundos das duas crises (pandemia e guerra) e obrigando, ainda mais, que o mundo se adapte a uma nova realidade, muito longe da realidade ideal, que sequer um dia existirá.

Se uma nova ordem econômica mundial parece estar se formando, em meio ao conflito bélico e político, como assegurar o abastecimento global adequado? Serão necessárias estratégias para diversificação da matriz de fornecedores. A estruturação de processos colaborativos envolvendo novos parceiros em todas as funções dos negócios. Soluções tecnológicas mais eficazes do que as tradicionais para entregar respostas dinâmicas ao mercado. Esses são exemplos claros de alternativas que devem seguir na pauta do mercado econômico mundial por muito tempo.

Em meio a esses eventos, no dia 20 de maio de 2022, o empresário da tecnologia e bilionário sul-africano-canadense, naturalizado norte-americano, Elon Musk, esteve no Brasil. Diante de toda a reflexão feita até esse ponto, a pergunta que se faz é: O verdadeiro interesse de Musk pelo Brasil seria o de apenas discutir e implementar soluções tecnológicas voltadas para a Internet? Talvez?

Diante de uma enorme crise de abastecimento global, de um cenário de conflito que gerou grave desequilíbrio na ordem econômica mundial, será que Musk visitaria o Brasil sem saber que o País possui a sétima maior reserva de lítio do mundo? Segundo dados do Serviço Geológico do Brasil, estima-se que, com o uso da tecnologia adequada, poderiam ser exploradas, de forma imediata, 95 mil toneladas deste metal altamente estratégico, utilizado na fabricação de baterias e já considerado como o novo petróleo. O total de recursos de lítio no Brasil está estimado em 470 mil toneladas, cerca de 8% das reservas mundiais.

E por outro lado, considerando que Argentina, Bolívia e Chile, juntos, possuem aproximadamente 70% das reservas globais de lítio, seriam mera coincidência os dados sobre o comércio e investimento da China na sub-região, bem como os notáveis avanços diplomáticos em matéria de cooperação bilateral no decorrer do Século XXI entre esses países? A corrida política para formação de alianças com novos fornecedores de suprimentos já começou.

É possível afirmar, ainda, que essa corrida mundial para adaptação das economias à nova realidade não seguirá desacompanhada de significativas mudanças legislativas. Se para assegurar a efetiva exploração do potencial mineral do Brasil será necessária, possivelmente, por exemplo, mudanças na legislação, acredita-se que não será menos necessário a revisão de conceitos legais ligados à regulação do mercado de consumo e de trabalho. O cenário de grandes mudanças globais parece demandar uma revisão profunda de diversos conceitos e conhecimentos anteriormente estabelecidos pela sociedade moderna, sejam eles relativos à hábitos de consumo, às práticas de mercado ou ao alcance da legislação. 

Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de trazer as respostas necessárias à classificação correta de todos os desdobramentos desses acontecimentos, seja boa ou ruim. As medidas a serem adotadas por cada um dos países e suas grandes corporações terão papel fundamental no desfecho dessa história real que está sendo reescrita para o mundo dos negócios.

Notas____________________________

1 Banco Mundial – Relatório de fevereiro de 2022

2 Banco Mundial – Relatório de fevereiro de 2022

3 World Investment Report – UNCTAD, 2020

4 A demanda agregada é um termo da macroeconomia dada pela soma de quatro componentes: consumo, investimento, gastos do governo e as exportações líquidas.

5 O efeito chicote é um fenômeno que explica a ruptura ou o excesso de produtos à medida que vai passando pelos elos da cadeia de suprimentos.