O Congresso, a índia e a capsula do tempo

5 de maio de 2003

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Minhas emoções foram remexidas ao ver aquela cena: uma mulher índia amamentando um filhote de macaco! A princípio arrepiei-me: jamais Faria isso! – pensei eu, mãe de muitos filhos, aos quais amamentei. Depois, refleti melhor: só a mulher é capaz de fazer algo assim! Quis prestar-lhe uma homenagem.

Lembrei-me, então, de que alguém, com muita sensibilidade, uma vez disse: “Quando Deus quis criar a mulher, pegou a Leveza de uma folha, a força dos ventos, a Ligeireza das andorinhas, a forma da Lua, a Luz do sol, o perfume das flores, a Constancia das rochas e o murmúrio das águas. Colocou tudo no cadinho. Mexeu, assoprou e abençoou”. O poeta não poderia ter usado de figuras mais adequadas: sim, a mulher que sabe vivenciar o seu papel, que compreende a sua importância no contexto da Vida, e – tal qual a Natureza, de onde foram tiradas aquelas belas figuras simbólicas – afetuosa, generosa, abundante.

Enquanto eu refletia sobre o que dizer aquela mulher, ouvi a notícia de que o Congresso Nacional havia aprovado a destruição de 50% da Floresta Amazônica, em benefício das madeireiras para exploração da madeira, usando como justificativa a necessidade de o povo explorar a agropecuária, em solo sabidamente impróprio para isso. Minha perplexidade levou-me a concluir: como e grande a carência de sabedoria do Homem deste limiar de Século e Milênio!

A índia amamentando o animal… o Congresso permitindo a destruição de metade do maior ecossistema do mundo e um patrimônio da Humanidade… Que paradoxo no seio dos habitantes de uma só nação!

Então, pensei: como e ingênuo pretendesse impor ao outro a nossa “verdade”! Como é importante respeitar a cultura dos povos! Não se pode pretender impor a nossa, a pretexto de ser a melhor, julgando-se por critérios altamente discutíveis. É preciso reconhecer que no seio de rodos os povos – mesmo daqueles que, no nosso conceito, tenham sua cultura mais atrasada que a nossa, tal como a indígena -, há        muita sabedoria, que é o “saber com a alma”, e, não, o “saber com o intelecto”.

Os povos que dominam o mundo, e se consideram superiores, pois são cultos e racionais, perderam muita da sabedoria – não mais “sabem com o coração”, apenas, “sabem com o cérebro”. Que belo exemplo de sabedoria deu aquela mulher Índia! Creio que a cena enterneceu a todos aqueles preocupados com a ética da Vida!

Ao “Homem civilizado” do século XXI tal imagem repugnou. Mas, aquele que respeita o mundo em que vive, vivendo nele “um ser vivo”, do qual se reconhece co-responsável pelo destino, pois que atrelado ao seu próprio destino; pela biosfera, da qual tanto depende a sua própria vida: pelo equilíbrio social e planetário, que permitem a convivência e a sobrevivência da espécie humana, cônscio de que o mundo será o que cada um fizer dele, – inspirou-lhe emoção.

A imagem do desprendimento da mulher – a mais importantes de todas as fêmeas, e, quiçá, o ser mais necessário do planeta, pois que, a autoconsciência própria do gênero humana foi agregado o “segredo da vida”, e que talvez em razão dessa “superioridade” pressentida, porem não reconhecida, tenha, por milênios, sido reprimida, maltratada, escravizada – e algo precioso, porque está se tornando raro: com 0 desenvolvimento da cultura, esta a mulher perdendo a sabedoria.

Sim, as mulheres das “sociedades civilizadas” não querem amamentar os seus próprios filhos, e por razões levianas: foi estabelecido, por padrões estéticos reinantes na sociedade moderna, que os seios tem que ser erguidos, rijos, para se manterem sensuais aos olhos, não só dos parceiros, mas até para aqueles que os observam através do espelho. Assim, com todo o seu “conhecimento” e “educação”, privam seus filhos do melhor dos alimentos, aquele especialmente preparado para ele – o mais frágil de todos os infantes.

Mas as mulheres de algumas tribos indígenas, que não se pejam de exibir seus seios caídos, amamentam, não só os seus filhos, mas também os filhotes de animais (macaquinhos, porquinhos do mato, pequenas gazelas etc), que perderam, por alguma razão, tanto o leite quanto os cuidados maternos. Não apenas lhes fornece o alimento: oferecem o próprio seio. Essa mulher que assim age não teve a esmerada educação moderna e sequer conhecimento tecnológico. Mas ela tem “sabedoria” o bastante para intuir que aquele filhote, além do alimento material, necessita também do alimento moral, afetivo, que o processo de amamentação envolve. A sabedoria, a sensível filha da alma, mostrou-lhe que o leite que é produzido no seio da fêmea não veicula apenas proteínas e sais minerais veicula amor, confiança, desprendimento, abnegação – enfim, um mundo de afetos e ternuras.

Aquela imagem, que me emocionou, levou-me a pensar que nada mais oportuno seria para ser colocado na “Cápsula do Tempo” do que a foto daquela mulher Índia, tal como nos foi mostrada: nua, pintada, com os lábios deformados por um pedaço de madeira – características de grande atraso cultural, segundo os padrões dos homens civilizados – porém dando a eles uma magnífica lição de “sabedoria. Mas não importa que assim pense o Homem moderno. Essa foto, com certeza, iria perpetuar a visão do amor da criatura pela Natureza, que é a expressão do amor do Criador por Sua criatura.

Sim! – aquela imagem: a integração do Homem com a Natureza, guardaria, – dessa perversa civilização globalizada, que produz de um lado tanta riqueza e acumulação de bens, e do outro só pobreza, miséria e desesperança-, uma amostra de que não perdemos, ainda, a nossa humanidade.

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