O crescente protagonismo feminino no Direito. Promessa ou realidade?

13 de junho de 2022

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Myrthes de Gomes Campos foi a primeira mulher a tornar-se advogada no Brasil, no longínquo ano de 1898. No contexto de uma sociedade fortemente patriarcal e marcada pela exclusão dos direitos civis das mulheres, essa conquista desponta como um fato histórico extremamente relevante. Já em 1902, Maria Augusta Saraiva (1879-1961) tornou-se a primeira mulher bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco; logo em 11 de julho desse mesmo ano, estreou atuando no Tribunal de Justiça da capital paulista ao defender os direitos de indivíduo acusado de cometer um crime.

Pouco mais de um século depois, em 2021, cinco mulheres são eleitas presidentes de seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): Marilena Winter (PR), Cláudia Prudêncio (SC), Patrícia Vanzolini (SP), Gisela Cardoso (MT) e Daniela Borges (BA).

Fatos históricos como os mencionados, revelam-se importantes pontos de partida para a análise do crescimento, ou não, do protagonismo feminino dentro do Direito.

Com foco na atuação feminina nas diversas esferas do Poder Judiciário, percebe-se que, a despeito da participação das mulheres representar importante valor para a manutenção da democracia, existe ainda considerável déficit de representatividade.

Na magistratura brasileira, de acordo com os dados colhidos no “Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário” – elaborado em 2019 pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) – as juízas representam apenas 38,8% do total de magistrados no País, mesmo considerando que as mulheres correspondem a 51,6% da população brasileira.

Nas comissões organizadoras e nas bancas examinadoras dos concursos para a magistratura, percebe-se, por exemplo, que a participação feminina logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 era bem inferior àquela identificada para as mesmas funções nos últimos dez anos. A mesma circunstância é verificada na participação de magistradas na série histórica entre 2008 e 2018, apurada em 37,6%, representando claro aumento ao percentual referente a 1988, equivalente a 24,6%.

Já os números da Justiça Estadual revelam-se inferiores à média nacional: a participação de magistradas em 1988 correspondia a 21,9%, registrando aumento na série histórica de 2008-2018 para 35,7%, e atingindo, ao final da apuração, percentual equivalente a 37,4%. Já no que diz respeito ao percentual de ingresso das magistradas na carreira, foi possível identificar relativa estabilidade nos últimos anos, mas sempre em patamares inferiores a 40%.

Na presidência dos 61 tribunais brasileiros – incluídos os superiores, federais, estaduais e do Trabalho – nota-se que apenas 18 são presididos por mulheres, representando somente 29,5% das oportunidades.

Essa realidade é constante fonte de preocupação e luta das profissionais femininas da área jurídica, que seguem em busca de maior igualdade de oportunidade. Tanto é assim que, em março deste ano, 60 mulheres representando as 27 instituições das Ordens dos Advogados do Brasil lançaram, em frente à sede do Conselho Federal da OAB, em Brasília, o movimento nacional “Paridade no quinto constitucional”. A manifestação objetivava alcançar a paridade de gênero nas listas sêxtuplas formuladas pela OAB para escolha de vagas nos tribunais, aquelas reservadas ao chamado quinto constitucional da advocacia. Nessa oportunidade, as idealizadoras do movimento – composto por vários coletivos – lembraram que a OAB já adota a paridade de gênero nos seus órgãos, mas defenderam sua extensão também para o acesso à magistratura; trata-se de um importante passo rumo à efetiva inclusão e à democracia paritária.

Tal realidade vem retratada em números em diversos tribunais da Federação. Como exemplo, pode-se mencionar o Tribunal de Justiça de Alagoas, cujas 23 inscrições para a vaga de desembargador pelo quinto constitucional em 2022 contemplaram apenas quatro mulheres. Já em São Paulo, mesmo constando da listra tríplice enviada ao Governo paulista pelo Tribunal de Justiça duas mulheres e um homem, o fato é que essa realidade uma vez mais se impôs: apesar da maioria numérica, nenhuma das duas mulheres foi escolhida.

Percebe-se, no entanto, a tentativa de alteração desse padrão. Tanto é assim, que, agora em 2022, a OAB-SP abriu o processo destinado à composição de lista sêxtupla para o preenchimento de duas vagas no TJSP pelo quinto constitucional e, pela primeira vez, serão respeitadas e aplicadas as regras de indicação com paridade de gênero (50%) e com equidade racial (mínimo de 30% de advogadas e advogados negros).

Volvendo os olhos agora a outra esfera de atuação das mulheres no Poder Judiciário, a da advocacia, fica claro que, a despeito de as eleições de 2021 para a presidência da OAB terem representado uma boa evolução em termos de ocupação feminina em cargos de poder, com cinco mulheres eleitas presidentes, conforme acima esclarecido, o fato é que a representatividade feminina nessa esfera ainda é insatisfatória, como demonstram as eleições para a presidência em estados como Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Roraima e Sergipe, que sequer tinham candidatas mulheres.

De fato, a representatividade na advocacia, infelizmente, ainda é um exemplo de números alarmantes em diversos vieses, não apenas no pequeno número de seccionais presididas por mulheres. Dentre os inscritos na OAB, 624.285 são mulheres e 615.989 são homens: destas 624.285 advogadas mulheres, as pesquisas demonstram que 35% já se sentiram discriminadas pelo seu gênero e um terço já sofreu assédio sexual em fóruns, tribunais e escritórios.

Não bastasse isso, trata-se de classe na qual a diferença de gênero ainda impacta no poder aquisitivo. Há uma discrepância significativa entre a renda média mensal recebida por cada gênero: os homens recebem, em média, um valor 28,5% maior do que as mulheres.

Por fim, de acordo com estudo realizado pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), contemplando 114 escritórios do País, apurou-se o seguinte: 57,5% dos grandes escritórios possuem programas para incentivar a liderança feminina; 35% estipulam em suas diretrizes metas estabelecidas para ascender advogadas a cargos de liderança; 85% possuem ações voltadas para equidade de gênero envolvendo as colaboradoras ou colaborares; e 92,5% contam com a participação de mulheres no quadro jurídico do escritório, dentre advogadas e estagiárias.

Não se pode negar que, de Myrthes até hoje, com cinco presidentes mulheres nas seccionais da OAB, o protagonismo feminino progrediu nesses muitos anos de luta e enfrentamento da desigualdade; são conquistas que vieram com muito suor e quebra de paradigmas. Porém, o fato é que ainda há muito a se caminhar até que seja possível uma posição igualitária de homens e mulheres nas esferas de atuação jurídica, especialmente nas que envolvem cargos de poder.

Assim, respondendo à pergunta inicial, podemos dizer que o protagonismo feminino no Direito já é uma realidade, mas uma realidade que ainda necessita de mais esforços e trabalho para atingir um efetivo equilíbrio entre os gêneros. Existe, portanto, um longo percurso a ser percorrido, mas é certo que as futuras gerações de profissionais mulheres atuantes em carreiras jurídicas percorrerão um caminho já mais pavimentado, graças à luta de nossas milhares de Myrthes e Marias.

Fontes de pesquisa______________________

https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=82285

https://www.migalhas.com.br/quentes/358630/de-61-tribunais-brasileiros-18-sao-presididos-por-mulheres

https://www.oab.org.br/noticia/59514/a-paridade-de-genero
-e-um-movimento-que-nao-tem-volta-diz-presidente-da-oab-ba?argumentoPesquisa=mulheres%20na%20advocacia

https://www.migalhas.com.br/quentes/358653/mulheres-sao-maioria-na-oab-mas-so-18-presidem-seccionais

https://www.migalhas.com.br/quentes/358653/mulheres-sao-maioria-na-oab-mas-so-18-presidem-seccionais

https://www.oab.org.br/noticia/59435/inclusao-e-participacao-a-mulher-na-advocacia-e-na-historia-da-oab?argumentoPesquisa=mulheres%20na%20advocacia

http://www.cesa.org.br/media/files/selopesquisa.pdf

https://www.conjur.com.br/2021-mar-08/presenca-topo-ainda-drama-mulheres-direito