Compliance em tempos de pós-covid-19

8 de junho de 2020

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Considerações iniciais

A história nos mostra que, infelizmente, há vários séculos o mundo enfrenta microrganismos que já causaram enormes estragos à humanidade e, muitas vezes, foram mais devastadores do que guerras.

Já no século XIV, a humanidade enfrentou a disseminação da peste negra, passando pela epidemia do vibrião colérico, a tuberculose, a varíola, a gripe espanhola (que dizimou cerca de 5% da população mundial, entre 1918 e 1919), a febre amarela (1960 a 1962), sarampo, aids, entre outras endemias, epidemias e pandemias, que culminam nos tempos atuais com a covid-19, que vem sendo considerada a maior crise sanitária da nossa época.

Todos esses cenários apontados, de forma exemplificativa, foram combatidos através de ações conjuntas dos mais variados atores públicos e privados, e sempre com o objetivo de se pensar no bem maior, que são a vida e a coletividade.

Lamentavelmente, a crise sanitária do coronavírus trouxe consigo sérios desdobramentos econômicos, financeiros, sociais e, até mesmo, políticos. Por isso, em certa medida, o contexto macro apresentado acabou estimulando o empresariado brasileiro a buscar, além da sobrevivência financeira, ferramentas de gestão e gerenciamento de riscos visando garantir a credibilidade, isto é, a imagem reputacional.

É nesse contexto que o compliance se relaciona com a crise sanitária. Independentemente das mais variadas interpretações sobre a nomenclatura de origem norte-americana, há uma unanimidade quando se aborda o tema como ferramenta para uma gestão eficiente, e não, simplesmente, como um instrumento de combate à corrupção. Assim, preferimos adotar a concepção mais ampla, que envolve a governança, o risk assessment e o compliance1 com todas as suas ramificações (em sentido amplo). Significa dizer que nos referimos aos sistemas de gestão e controles que permitem a implantação de uma maior segurança às organizações públicas e privadas, oportunizando a conformidade com normas legais e organizacionais internas adequadas a cada escopo, de modo a mitigar os mais variados riscos (incluindo corrupção, fraudes e outras irregularidades), mas especialmente buscar a boa gestão.

A pandemia do coronavírus e o papel do compliance

Apesar das robustas dificuldades enfrentadas atualmente e, com certeza, as que estão por vir (pós-pandemia), não há dúvidas de que o compliance pode ser um excelente instrumento de gestão, ideal para a superação dos desafios reais impostos pelo vírus em âmbito mundial. Não se quer dizer com isso que o instituto se sobrepõe à medicina e à ciência. Aliás, diga-se de passagem, os profissionais de saúde e os pesquisadores têm sido os grandes heróis da pandemia, mas referimo-nos ao fato de que um bom sistema de gestão pode ser um excelente elemento de suporte estratégico para a solução dos problemas reflexos às questões sanitárias.

Os pilares de um programa de compliance mais adotados pelas instituições são os embasados no suporte da alta administração, avaliação de riscos, código de conduta e políticas de compliance, controles internos, treinamento e comunicação, canais de denúncia, investigações internas, due diligence, auditoria e monitoramento contínuo. Contudo, o cenário da crise é o recorte que interessa no presente artigo, pois além das funções habituais do compliance officer dentro de uma organização, diante das mazelas provocadas pela pandemia, ele terá ainda mais atribuições, como, por exemplo: garantir a adesão e o cumprimento de leis e dos novos regramentos que estão surgindo diariamente por conta do vírus; adaptar o código de ética e o código de conduta, de modo a fomentar um novo regramento comportamental, para diminuir a transmissão atual e prevenir eventos futuros dessa natureza; minimizar os prejuízos que as máquinas pública e privada possam sofrer, fazendo um rígido gerenciamento de riscos; criar sistemas de informação com o objetivo de evitar a propagação de fake news dentro do ambiente da organização; desenvolver planos de contingência e um bom programa de gerenciamento de crise; monitorar e mitigar os conflitos de interesses internos e externos; realizar avaliações de riscos relacionados a todos os stakeholders e desenvolver treinamentos sobre todas as mudanças.

As mudanças se justificam, pois o discurso organizacional deve ser padronizado durante a crise e especialmente no momento pós-pandemia, pois o principal objetivo é estabilizar as relações de confiança no mercado entre os stakeholders brasileiros e estrangeiros.

Assim, diante desse quadro e primando pelo bem comum, a alta administração que envolve as autoridades da República do Brasil, dos estados, municípios e das organizações privadas devem se unir com a sociedade em busca de uma atuação, com muita seriedade e criatividade, para a resolução dos problemas que estão surgindo e os que estão por vir, mantendo-se sempre a imparcialidade. Dito de outra forma, é buscar dar exemplos de boas práticas em todos os níveis, pois as políticas a serem adotadas no País (no âmbito público2 ou privado) devem manter a conformidade com as instruções legais recentes, garantir uma cultura de integridade, valorizar os comportamentos éticos e, especialmente, prevenir e combater a disseminação do vírus.

É possível afirmar, portanto, que um rígido gerenciamento de riscos e continuidade, associado à utilização de boas práticas de compliance, auxiliarão nosso País no combate e prevenção das mazelas da covid-19, requerendo dos gestores a capacidade para solucionar de maneira eficiente e eficaz os problemas atuais e futuros nas mais diversas áreas. Isso porque, a modernização introduzida pela metodologia de gestão de riscos e controles internos com foco nos processos passa a exigir que todos os administradores (públicos e privados) motivem a implantação das medidas adequadas ao combate ao vírus, que vem ceifando muitas vidas pelo mundo.

Conclusão

Ainda não é possível falar em pós-pandemia, pois ainda não se tem a real dimensão do que se esperar após os estragos causados pelo coronavírus. Contudo, não há dúvidas de que, diante do caos que se apresentou no Brasil e no mundo, o combate às mazelas atuais somente será possível por meio de um esforço conjunto, que envolve instituições públicas e privadas, mas especialmente da adesão da alta administração e dos colaboradores públicos, os quais precisam entender que os objetivos, as regras e o papel de cada um são fundamentais para que se concretizem com sucesso as políticas públicas, durante e após o término da pandemia.

Apesar de todo esse esforço, infelizmente os dilemas éticos continuarão a existir e os desvios de dinheiro público e as práticas nocivas também. Por isso, cada vez mais se mostra necessária e urgente a busca por uma boa governança3 com a implantação de sistemas de gestão de compliance e de gerenciamento de riscos pautados em rígidos padrões internacionais.

Acreditamos que nosso País e toda a sociedade devem sair dessa crise com um novo modelo de conduta social assinalado por novos valores éticos e morais, isto é, uma concepção pessoal de honestidade e correção de modo a não quebrar a confiança entre as partes. Afinal, o aprendizado com o sofrimento é duro, mas como regra é o que mais marca. Somente com essas importantes mudanças será possível minimizar os efeitos da covid-19 e de todos os reflexos trazidos com ela nas áreas econômica, financeira, social e política. Dessa forma, é importante internalizarmos uma frase de Mahatma Gandhi: “Temos que nos tornar a verdade que queremos ver”.

Notas__________________________

1 CARNEIRO, Claudio e JUNIOR, Milton de Castro Santos. Compliance e boa governança (Pública e Privada). Belo Horizonte: Juruá. 2018.

2 CARNEIRO, Claudio. Compliance na administração pública. Uma necessidade para o Brasil. Revista de Direito da Faculdade Guanambi. v. 3 n. 01 (2016). Disponível em http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/103.

3 CARNEIRO, Claudio. Cultura de paz e cultura de compliance. Galileu – Revista de Economia e Direito. Vol. XX, nº1 (2019). Portugal. Disponível em https://repositorio.ual.pt/handle/11144/4290.