O crescimento da criminalidade contra membros do Ministério Público e da Magistratura

5 de dezembro de 2023

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O recente e brutal assassinato do Juiz Paulo Torres Pereira da Silva, em Jaboatão dos Guararapes (PE), não deve ser interpretado como um caso isolado. Ele integra uma onda crescente de violência que não visa apenas magistrados, mas também membros do Ministério Público, ultrapassando fronteiras nacionais.

Como vice-presidente da nova gestão da Federación Latinoamericana de Fiscales (FLF), tenho acompanhado de perto episódios que, além de causar profunda consternação, levantam preocupações sobre a segurança da classe, especialmente no Brasil.

Os desafios enfrentados pelos membros do Ministério Público são significativos em suas funções, que extrapolam a concepção atual que os limita às atividades administrativas e judiciais. Procuradores e promotores de justiça colaboram com diversas instituições do sistema de Justiça e segurança, incluindo Polícia Federal, Civil e Militar, para enfrentar diretamente a criminalidade mais grave. Portanto, estão expostos a riscos reais, tanto pessoalmente quanto em relação às suas famílias, enquanto desempenham suas obrigações, frequentemente enfrentando ameaças e até mesmo casos extremos de homicídio.

Diante dessa realidade, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que representa mais de 16 mil profissionais em todo o Brasil, propôs à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma minuta de projeto de lei em 2020 para reconhecer o caráter de risco da atividade exercida por procuradores e promotores de justiça.

Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou outro texto reconhecendo o risco intrínseco e contínuo às atividades do Ministério Público e da magistratura. Esse projeto de lei classifica como crime os homicídios ou lesões corporais dolosas cometidos contra membros dessas carreiras em decorrência ou no exercício de suas funções. A proposta agora está em tramitação no Senado.

O texto aprovado, revisado pelo Deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), relator do Projeto de Lei nº 996/2015, proposto pelo ex-Deputado Roman (PR), delineia medidas para assegurar a segurança desses profissionais, destacando também a proteção da confidencialidade de seus dados pessoais. Agora, cabe ao Senado a aprovação do texto para consolidar essa conquista para a classe.

A proteção especial poderá ser solicitada à polícia judiciária por meio de um requerimento que contenha a descrição dos fatos e documentos relevantes. O processo relacionado a esse pedido será priorizado e mantido em sigilo, com as primeiras medidas sendo implementadas imediatamente. O projeto lista ações para garantir a segurança individual dessas autoridades, como o uso de coletes à prova de balas, veículos blindados e escolta.

O Código Penal já prevê penas para homicídio qualificado, variando de 12 a 30 anos de reclusão, aplicáveis quando o crime é cometido contra cônjuge, parceiro ou parente até o terceiro grau, devido à ligação familiar com membros do Ministério Público ou magistratura. Da mesma forma, as lesões dolosas terão suas penas aumentadas em casos semelhantes. O texto também classifica como crime hediondo o homicídio qualificado, lesão corporal gravíssima e lesão seguida de morte.

No que se refere aos procedimentos legais relacionados a crimes cometidos por organizações criminosas, já existem diretrizes para a proteção pessoal de membros do Ministério Público e da magistratura, assim como de suas famílias.

O substitutivo de Pereira Júnior inclui medidas específicas que podem ser adotadas para esse propósito, como reforço na segurança, escolta total ou parcial, colete à prova de balas, veículos blindados e trabalho remoto. Também é possível a remoção temporária, mediante solicitação do membro do Poder Judiciário ou do Ministério Público, com garantias de assistência na mudança, transporte e acesso a instituições educacionais públicas para seus filhos e dependentes.

A concessão da escolta estará sujeita à avaliação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Quando a solicitação de reforço de segurança ou uso de colete balístico for negada, será possível recorrer à instância hierárquica superior

Em relação à proteção de dados, o texto aprovado na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) enfatiza que, no tratamento de informações pessoais de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, o risco associado ao desempenho de suas funções deve sempre ser levado em consideração.

Qualquer vazamento ou acesso não autorizado desses dados que possa ameaçar a integridade do titular será comunicado à Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que tomará medidas urgentes para mitigar os efeitos do incidente. A LGPD também prevê multas diárias ou únicas pelo não cumprimento de suas diretrizes. O Projeto de Lei nº 996/2015 estipula que essas multas sejam dobradas quando se referirem a dados pessoais tratados pelo texto.

É importante destacar que, no cotidiano, procu­radores e promotores de justiça enfrentam o crime organizado, combatem a corrupção e lidam com grupos criminosos, o que significa que estão profundamente envolvidos na batalha contra a criminalidade grave em todas as suas formas. Atualmente, vários membros do Ministério Público estão sob proteção devido a ameaças e riscos sérios à sua vida.

A atuação do Ministério Público se estende tanto à esfera administrativa quanto extrajudicial, abrangendo todas as etapas de processos civis ou criminais destinados a proteger os direitos legais estabelecidos pela Constituição e pelas leis, de acordo com a vontade expressa do legislador. Em suma, é função do Ministério Público resguardar o interesse público.

Na apresentação das acusações, membros do Ministério Público participam de audiências com os acusados e, em casos de crimes dolosos contra a vida, comparecem às sessões do tribunal do júri, onde apresentam os fatos e elementos do caso de forma oral a todos os envolvidos e, ao final, pedem a condenação dos acusados.

O Ministério Público também é responsável por buscar, por meio de ações penais apropriadas, a punição nos âmbitos penal, civil e administrativo. Essas responsabilidades da carreira destacam a importância de reconhecer que a atuação dos membros do Ministério Público envolve uma amplitude maior e acarreta riscos para eles.

Esse passo pode não apenas aprimorar a atuação do Ministério Público, mas também fortalecer a democracia brasileira e o Estado de Direito. O reconhecimento legislativo do caráter arriscado da atuação dos membros do Ministério Público é fundamental para garantir maior segurança à atuação estratégica dos procuradores e promotores de justiça brasileiros no enfrentamento da corrupção e da criminalidade grave, questões urgentes e de interesse de toda a sociedade.