Edição

O espetáculo da imprudência

5 de fevereiro de 2005

Compartilhe:

Esta coluna sustenta o preceito de que não se pode ter democracia sem um parlamento. Vamos mais longe em nossas persuasões íntimas, numa referência direta ao Congresso Nacional: um mau parlamento é melhor, muito melhor, do que parlamento nenhum. É tamanho nosso apreço pela concepção de um parlamento que sempre defendemos, com entusiasmo e convicção, o regime parlamentarista para o Brasil. Acreditamos, racionalmente, que, sem o parlamentarismo e uma profunda descentralização, nosso país continuará a perseguir, morosa e eternamente, os rastros e os restos das potências industrializadas. O presidencialismo, embora também um regime aceitável, é mais difícil de conduzir; tanto assim que, no frigir dos ovos, só deu certo, de fato e para valer, nos Estados Unidos, única nação presidencialista resolvida e desenvolvida, por algumas razões históricas, mas, principalmente, por causa do altíssimo grau de descentralização preferido pelos norte-americanos. Não nos venham, pois, dizer que pregamos aqui a implosão do Legislativo.

Temos de reconhecer, contudo, que no conjunto, infelizmente, nossos congressistas, pela ação deletéria de inúmeras maçãs podres – sem mencionar os anacrônicos defensores do chauvinismo ou do retrocesso socialista – demonstram, diariamente, não estarem à altura das melhores aspirações dos brasileiros que jamais compreenderam o porquê de o Brasil, dono de ingente potencialidade, ter se tornado – irremediavelmente, talvez – um mero país subdesenvolvido do bloco terceiro-mundista.

Nossos legisladores, sabidamente trabalham menos que a imensa maioria dos assalariados da nação; têm vencimentos diretos altíssimos, complementados por questionáveis ganhos indiretos, igualmente monumentais. Mesmo assim, ainda insatisfeitos, vivem às voltas com fraudes e escândalos, cujas investigações jamais alcançam resultados inteiramente satisfatórios. Dão-nos a nítida impressão de preocupar-se mais com as eleições subseqüentes do que com o bem-estar da população.

Os congressistas trabalharam menos ainda em 2003 e 2004, sob a desculpa de que foram anos eleitorais; o desempenho de deputados e senadores, porém, não melhorou depois das eleições. Em 2004, as votações só terminaram no penúltimo dia útil do ano, com a vexaminosa votação simbólica do orçamento. O número de matérias aprovadas de 2003 para 2004 declinou 38%.

A cada falcatrua que explode nas manchetes, imaginamos que, diante do escândalo eles vão tomar vergonha e levar o país a sério. Mas isso raramente acontece e, quando acontece, o surto de seriedade é efêmero. Agora mesmo, esta assertiva se reforça com o novo e grande reajuste salarial para o Legislativo, que deverá ocorrer com a troca da presidência da Câmara; e é oportuno assinalar, en passant, que a escalada salarial dos parlamentares tenha se acelerado exatamente quando o PT assumiu a presidência da Casa. O governo indicou o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh como candidato à próxima presidência da Câmara; e Greenhalgh defende um reajuste de 69% ante os vencimentos atuais de R$ 12,7 mil com direito a efeito cascata nos salários de deputados estaduais e vereadores. E não me venham dizer que existem políticos honestos e bem-intencionados e que estes formam a maioria. De que adianta? Os desonestos e mal-intencionados costumam mostrar maior competência, mais jogo de cintura, e prevalecem em quase tudo, quase sempre. Infelizmente, nossos parlamentares comportam-se como se a legislatura fosse uma espécie de loteria, um meio de enriquecimento rápido, nem sempre lícito do ponto de vista legal ou do ético ou de ambos. Não há dúvidas de que terão os salários triplicados em pouco mais de dois anos.

Pois é. Muitos desavisados pensavam que, com o PT, seria diferente; sem surpresa nossa, defrontam-se agora com mais um melancólico espetáculo de impudência.