O filósofo e a lei revolucionária

5 de maio de 2003

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O autor da teoria tridimensional do direito, segundo o qual no fenômeno jurídico há três elementos que coexistem numa unidade concreta e atuam como elos de um processo, a saber, o faro, o valor e anorma, o professor Miguel Reale é internacionalmente considerado um dos maiores jurisfilósofos do mundo contemporâneo.

Dotado de solida cultura jurídica, filosófica e humanista, além de espantosa lucidez aos 92 anos de idade, impressiona ainda pelo ardor com que defende suas idéias, a exemplo do que aconteceu em relação ao projeto do novo Código Civil, recentemente aprovado e convertido em lei, do qual foi seu arquiteto maior.

Pode-se criticar, aqui e acolá, o novo texto e p tratamento dado a alguns dos institutos jurídicos que abriga. Não se nega que contém ele, como acentuam ilustres civilistas, algumas deficiências – que lei não as tem após submeter-se ao crivo de um legislativo numeroso e multifário –, sobretudo quando se recorda, no caso, da morosidade do projeto em sua tramitação no Congresso? Deficiências, diga-se de passagem, facilmente sanáveis, ao lado de alterações que se imporão até mesmo em razão de eventuais mudanças na visão política e ideológica no comando da sociedade. É para isso há instrumentos sabidamente eficientes, rápidos e eficazes a disposição.

Por outro lado, não se há também de negar que muito mais numerosas são as suas qualidades.

Além de preservar grande parte da lei anterior, dar nova estrutura ao sistema, unificar o direito das obrigações e corajosamente adotar “clausulas abertas”, vê-se que o texto de 2002, partindo da premissa de que os códigos não devem ocupar-se de temas ainda não suficientemente amadurecidos no debate social, a exemplo do que se da com a clonagem e as uniões homossexuais, por opção dos seus formuladores buscou somente inserir matérias “já consolidadas ou com e1evado grau de relevância crítica, dotadas de plausível certeza e segurança”.

O que merece relevo maior, no entanto, é a percepção das grandes virtudes da nova lei em suas diretrizes fundamentais, que não só deram ao nosso sistema jurídico privado um perfil mais atualizado, como também se preocuparam com princípios e valores, tais como a ética, a lealdade, a boa-fé, o equilíbrio contratual, a razoabilidade, a concretude, a prevalência do interesse social sobre o individual, a justiça e a equidade na solução do conflito.

O Código de 2002 certamente receberá alterações que poderão aprimorá-lo em diversos pontos. O que se espera, no entanto, é que as críticas, por vezes sem a necessária maturação, não venham a desfigurar, por açodamento, uma lei que representa um notável e revolucionário avanço como paradigma cultural, especialmente sob os prismas filosófico e metodológico, a enriquecer sobremaneira o direito brasileiro.