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O Ministro e a Reforma

20 de maio de 2018

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Empossado no cargo de presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em fevereiro, o ministro João Batista Brito Pereira, tem diante de si uma missão de grande complexidade: implantar a Reforma Trabalhista na jurisprudência da Corte. Esta, como o próprio ministro declarou, é uma de suas prioridades no cargo que ocupará pelo próximo biênio 2018-2020. Para isso, ele contará com o apoio do ministro Renato de Lacerda Paiva, na vice-presidência, e do ministro Lelio Bentes Corrêa, corregedor-geral da Justiça do Trabalho.

Além da Reforma Trabalhista, nesta entrevista o ministro Brito Pereira fala sobre outros desafios, como o enfrentamento da execução das sentenças e o corte no orçamento da Justiça do Trabalho. Fala, também, das propostas estratégicas de sua gestão, como a intenção de prestigiar e fortalecer os núcleos de conciliação e, com mesmo objetivo, o de buscar soluções extrajudiciais, a meta de promover encontros com grandes litigantes.

Integrante do TST desde maio de 2000, em vaga destinada a membro do Ministério Público do Trabalho (MPT), João Batista Brito Pereira exerceu o cargo de corregedor-geral no biênio 2014-2016. Aos 65 anos de idade, o ministro é natural de Sucupira do Norte (MA). Formou-se pelo Centro Universitário do Distrito Federal, com pós-graduação em Direito Público pela mesma instituição, onde leciona Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.

Antes de ingressar na magistratura, foi advogado militante especializado na área trabalhista e consultor trabalhista, a partir de 1982, perante os Tribunais Superiores, até 1988. Em maio de 1988, ingressou no MPT, e exerceu o cargo de subprocurador-geral do Trabalho (1989 a 2000). Desde 2004, o ministro Brito Pereira preside a 5a turma da Corte. Integra também o Órgão Especial e a SDI-1. Foi ainda membro do CSJT e vice-diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho.

Revista Justiça & Cidadania – Durante seu discurso de posse no cargo, o senhor afirmou que o Tribunal “enfrentará questões complexas”. Esta declaração diz respeito à Reforma Trabalhista ou a complexidade tem outro fundamento?
Brito Pereira –  Refiro-me ao enfrentamento da execução das nossas sentenças. Apesar do grande esforço e da reconhecida dedicação dos juízes de primeiro grau, ora não se encontram bens dos devedores; ora se encontram os bens, mas não se encontram os credores. As alterações na CLT, introduzidas pela Lei 13.467/2017, também oferecem grande complexidade, e o Tribunal precisa estudá-las e compreendê-las bem.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor também declarou que pretende dar prioridade à Reforma Trabalhista durante sua gestão. O que exatamente isso significa, em linhas práticas?
Brito Pereira – Naquela ocasião, fundamentalmente era um apelo à comissão de nove ministros que estudam essas alterações na CLT, para que o Tribunal possa em breve oferecer alguma orientação para todos nós, membros da Justiça do Trabalho, e assim solucionar grandes dúvidas que já se anunciavam.

Revista Justiça & Cidadania – Quais são os pontos da Reforma Trabalhista que o senhor acredita serem os que podem contribuir para aperfeiçoar a Justiça do Trabalho futuramente?
Brito Pereira – Aumentar a nossa produtividade, melhorar o nosso Processo Judicial eletrônico (PJe) e adotar medidas de pesquisa patrimonial dos devedores para concluir as inúmeras execuções trabalhistas que estão em curso, em que pese o enorme esforço dos juízes de primeiro grau.

Revista Justiça & Cidadania – Por outro lado, a Reforma foi bastante criticada por alguns setores da sociedade. O que o senhor apontaria como justificativas para esse descontentamento?
Brito Pereira – Quase sempre a alteração legislativa suscita debates e críticas. No caso das alterações na CLT, elas são naturais, e as justificativas são as mais diversas. Esse debate serve para o amadurecimento e até para despertar seu aprimoramento.

Revista Justiça & Cidadania – A nova lei tem nos sindicatos um de seus principais opositores. Porém, há quem opine que os sindicatos nem sempre representam de maneira adequada os trabalhadores. Qual sua opinião sobre isso?
Brito Pereira – Desde a Constituição de 1988, que em outubro completa 30 anos, os sindicatos possuem autonomia, não sofrem interferência do poder público e têm exercido essa autonomia. Minha opinião é de que eles têm sido combativos e criativos na defesa dos interesses de suas categorias, com êxito.

Revista Justiça & Cidadania – Também há quem afirme que a Reforma poderá ajudar a melhorar um dos problemas apontados pelos empregadores, que atribuem ao excesso de encargos trabalhistas um dos vieses da “dificuldade de ser empresário no Brasil”. O senhor acredita nisso?
Brito PereiraNão creio que as alterações introduzidas na CLT venham resultar na redução de encargos trabalhistas a ponto de reduzir dificuldades empresariais.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor informou que já existe uma comissão interna no tribunal, encarregada de debater os reflexos futuros da Reforma na jurisprudência trabalhista? O que, em linhas gerais, engloba esta atuação?
Brito Pereira – Não é bem assim. A reforma da jurisprudência se dá no exame de casos concretos. A ­Comissão que está estudando a Reforma servirá de base para o TST, se for o caso, esclarecer à sociedade seu entendimento sobre questões que vêm suscitando muitas dúvidas. Entretanto, não haverá nenhuma ­interferência na sagrada independência do juiz de julgar conforme seu entendimento e sua convicção.

Revista Justiça & Cidadania – A Medida Provisória que alterava 17 pontos da reforma trabalhista expirou sem ter sido aprovada pelo Congresso Nacional. Agora, tais medidas deverão ser alvo de um decreto presidencial. Quais podem ser os reflexos disso?
Brito PereiraNão é possível prever os reflexos desse ato, pois não se sabe qual será o seu texto, mas creio que venha esclarecer dúvidas, e isso é positivo.

Revista Justiça & Cidadania – Este foi o melhor momento – do ponto de vista do conturbado cenário político econômico – para se fazer uma Reforma desta monta?
Brito Pereira – O juízo de conveniência e de oportunidade para submeter o projeto ao exame do Congresso Nacional é do Presidente da República, de forma que não posso avaliar esse quesito, nem sobre ele emitir opinião.

Revista Justiça & Cidadania – Além da Reforma, quais são os principais desafios do TST hoje e o que sua gestão pretende produzir como estratégias para superá-los?
Brito PereiraPretendo prestigiar e fortalecer os núcleos de conciliação. Todos os Tribunais Regionais possuem núcleos de conciliação. Esses são ambientes adequados para as partes perante os conciliadores e o juiz resolverem, de modo consensual, o conflito. Também tenho em mente promover encontros com os litigantes que figuram como partes em grande quantidade de ações, de modo a viabilizar a conciliação e assim solucionar parte significativa dos processos que envolvam grande número de empregados e ex­-empregados e, com isso, encurtar o tempo de duração do processo na Justiça do Trabalho. Além disso, é importante dinamizar a execução, quer seja pelo sistema do Processo Judicial eletrônico (PJe), quer seja com a utilização de ferramentas eletrônicas de ­pesquisa patrimonial dos devedores.

Revista Justiça & Cidadania – Como está a situação dos TRTs hoje, com o corte do orçamento?
Brito PereiraEstamos preocupados com esses cortes orçamentários. Os Tribunais Regionais do Trabalho estão muito empenhados, adotando várias medidas para não gastar além do permitido e até economizar. Estamos encontrando dificuldades com as restrições a nomeações de servidores e com a impossibilidade de criação de cargos e funções.

Revista Justiça & Cidadania – Um estudo do Banco Mundial revelou que a chamada 4a Revolução Industrial irá produzir fenômenos como a “desmaterialização” do trabalho, quando não existe mais um posto fixo, um local para onde se dirigem as pessoas para trabalhar. O estudo também fala na extinção de 5 milhões de empregos até 2021, graças a tecnologias como a inteligência artificial. Como o senhor entende que isso poderá se refletir no mercado de trabalho e, claro, o que poderá incidir na justiça trabalhista?
Brito Pereira – Há respeitáveis teorias sobre a influência da utilização de robôs no mercado de trabalho, algumas até alarmantes. Até o início dos anos 1970, o jovem que não soubesse datilografar não encontrava emprego nos grandes centros. Chegaram o computador e a internet, e muito se especulou sobre o fim do livro de papel. A função de datilógrafo não despareceu, foi “renomeada” para digitador, e o livro digital não destruiu nossos livros de papel, nem os destruirá. O exemplo da função do datilógrafo é bom para se compreender que, quando a tecnologia dispensa ou automatiza uma atividade, cria-­se outra e assim o emprego não desaparecerá. Creio que a robotização das atividades influenciará no mercado de trabalho, mas essa influência será setorizada e paulatina. Certamente, as novas gerações acompanharão o desenvolvimento, como nossa geração esta fazendo. A qualificação da mão de obra em tempo de mudança é a salvação da empresa, que precisa investir em novas tecnologias, e dos empregados que precisam investir em melhor preparo profissional para se manterem no mercado de trabalho. O Estado brasileiro (escolas técnicas e as universidades) deve pensar nisso com urgência porque o futuro chegou.

Revista Justiça & Cidadania – Para encerrar: o senhor militou na advocacia trabalhista num período anterior à Constituição Federal de 1988. O que mudou para melhor para quem milita nesta área desde então? E para o juiz do trabalho?
Brito Pereira – A confiança na garantia de acesso ao Poder Judiciário e a melhoria na informação encorajaram o cidadão a ingressar em juízo na defesa dos seus direitos, o que é muito bom. As ações de natureza coletiva e a tecnologia da informação são fatores de inquestionável melhoria para a atividade do juiz. Por último, o processo judicial eletrônico é uma melhoria inquestionável, e muito significativa.