Os desafios da universalização do saneamento

12 de maio de 2022

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Este artigo tem como objetivo apresentar a universalização do saneamento básico como princípio maior do novo marco legal do setor e as externalidades positivas para toda a população brasileira. Diante da diversidade sociocultural e econômico-financeira das diferentes regiões, se faz relevante considerar as diferentes formas de prestação e garantir o engajamento de toda a sociedade.

Introdução

O novo Marco Legal do Saneamento (Lei no 14.026, de 15 de julho de 2020) foi aprovado durante a pandemia da covid-19, que lançou ainda mais luz sobre os efeitos danosos da precariedade dos serviços de saneamento básico em todas as regiões do País. Um de seus pilares é alcançar a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, levando água potável a 99% da população e esgotamento sanitário a 90%.

Entre os setores de infraestrutura, o saneamento se destaca pela essencialidade atribuída aos serviços, necessários para a garantia de salubridade ambiental e dignidade humana.

Vetor indutor de desenvolvimento sustentável e de transformações sociais significativas, como a promoção da saúde e da redução das desigualdades, a universalização do saneamento é almejada especialmente levando-se em consideração o potencial retorno do valor dos investimentos aplicados.

Para a Organização das Nações Unidas, o acesso universal ao saneamento básico é um direito de todos, que deve ser alcançado até 2030 (ONU, 2015). No Brasil, a meta alterada é alcançar o acesso universal e equitativo à água para consumo humano, segura e acessível para todas e todos.

Como será visto adiante, no Brasil, o novo Marco Legal elegeu a universalização como princípio fundamental, que deve ser almejado mediante o engajamento de toda a sociedade.

O Estado da arte do saneamento no Brasil

A cobertura dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no Brasil é precária. Estima-se que, em 2019, 34 milhões de pessoas, ou seja, 16,3% da população não estava conectada à rede geral de abastecimento de água, e 93 milhões ou 45,9% da população não possuía acesso ao esgotamento sanitário (SNIS, 2019).

A provisão satisfatória destes serviços envolve uma complexa rede de infraestrutura, que é caracterizada por custos fixos de recuperação lenta e alguns irrecuperáveis. Esses fatores, aliados à presença de economias de escala e escopo, e ao caráter essencial do serviço, caracterizam o saneamento básico como uma indústria de rede e organizado tipicamente como um monopólio natural (MADEIRA, 2010).

A precariedade do serviço no Brasil é reflexo de uma regulação historicamente fragmentada e permissiva, contratos sem metas operacionais vinculantes na esfera pública, e questões graves de governança e gestão das empresas.

Universalização

A universalização do acesso e efetiva prestação do serviço é um dos princípios fundamentais que regem os serviços públicos de saneamento básico (art. 2, I, da Lei no 11.445/2007). O princípio da universalidade, ao lado dos princípios da modicidade de taxas e tarifas e da continuidade, integra o núcleo essencial do regime jurídico dos serviços públicos no ordenamento jurídico brasileiro, cuja configuração foi sendo redesenhada conforme as feições adotadas pela instância pública. Em termos gerais, a universalização significa ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico (art. 3o da Lei no 11.445/2007).

Estima-se que a universalização do saneamento básico nos termos do novo marco demandará investimentos da ordem de R$ 593,3 bilhões ao longo de 12 anos e implicam em ganhos no potencial de crescimento não inflacionário de, ao menos, 0,35 per capita ao final do período de universalização, uma contribuição de 43% do PIB potencial do País (CNI, 2021).

A ordem de grandeza dos números deveria ser o bastante para dar cabo a discussões políticas sobre a proveniência dos recursos: se públicos ou privados. De fato, para “universalizar”, serão necessários esforços de toda ordem e de todas as fontes. Trata-se de um desafio da magnitude de outros tantos como a erradicação da evasão escolar ou do desemprego, tanto sob a ótica de expansão dos serviços (“margem extensiva”) como de aumento da eficiência (“margem intensiva”).

A atração crescente da iniciativa privada é evidência de que o novo marco legal foi bem recepcionado como alicerce para uma maior segurança jurídica no setor de saneamento. Segundo o Panorama 2021 (ABCON/SINDICOM, 2021), as concessões privadas de saneamento atenderam, em 2021, 15% da população (o equivalente a 32,5 milhões de pessoas) e estiveram presentes em 7% dos municípios, alcançando o equivalente a 33% do total investido pelas companhias no setor.

Sem pensar em capacidade de pagamento dos usuários, não parece possível determinar uma ou outra solução de saneamento específica. Desta forma, é preciso refletir sobre o que significa universalizar no saneamento para além da fixação de percentual de atendimento e de prazos.

O princípio da universalização deve ser conciliado com outros princípios, em especial o princípio da eficiência e sustentabilidade econômica (art. 2, VII, da Lei no 11.445/2007). Desta forma, a universalização compreende não apenas a acessibilidade física, mas também a acessibilidade econômica, que significa tornar a água e o esgotamento sanitário disponíveis e acessíveis a todos.

No rol de discussão, a título de exemplo, está a decisão acerca da implantação de coletores de tempo seco como solução adequada de esgotamento sanitário, incluindo-se a fase de tratamento.

Visando dar maior segurança jurídica e estabelecer a governança necessária para a tomada de decisão, tanto pelos titulares e poderes concedentes, quanto pelas concessionárias, necessária se faz a regulamentação, pelas entidades reguladoras, especialmente a Agência Nacional de Águas (ANA), das hipóteses em que o prestador poderá utilizar métodos alternativos e descentralizados para os serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto em áreas rurais, remotas ou em núcleos urbanos informais consolidados, sem prejuízo da sua cobrança, com vistas a garantir a economicidade da prestação dos serviços públicos de saneamento básico (§ 4o, do art. 11-B, da Lei no 11.445/2007).

Conclusão

A aplicação do conceito de universalização, enquanto processo gradual de aumento do acesso físico e econômico, deve se materializar nas políticas públicas em desenvolvimento para o setor de saneamento. A fim de garantir a acessibilidade econômica para todos e um sistema sustentável, estruturas adequadas de preços, tarifas e subsídios são relevantes. Soluções alternativas devem ser inseridas sem preconceitos na atual moldura regulatória, legal e institucional.

A questão da ocupação desordenada e habitações precárias nas periferias das cidades brasileiras deve ser especialmente na regulamentação de soluções alternativas.

No debate, deve-se assumir que o tema do saneamento básico é complexo, com múltiplos atores e requer análise interdisciplinar dos diferentes princípios e axiomas em jogo.

Referências

ABCON/ SINDCON. “Panorama da participação privada no saneamento 2021 -uma nova fronteira social e econômica para o Brasil”. Disponível em https://abconsindcon.com.br/panorama

CNI. “Saneamento básico: a relevância do setor para o crescimento econômico e a melhoria do bem-estar”. Brasília, 2021.

FREITAS, Rafael Véras de; TUROLLA, Frederico. “Aspectos regulatórios do “Leilão da Cedae”.  In: O novo Direito do saneamento básico – Estudos sobre o novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil (de acordo com a Lei no 14.026/2020 e respectiva regulamentação). Forum, 2021.

MADEIRA, Rodrigo Ferreira. “O setor de saneamento básico no Brasil e as implicações do marco regulatório para a universalização do acesso”. Revista do BNDES 33, junho 2010. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/4782/1/RB%2033%20O%20setor%20de%20saneamento%20b%C3%A1sico%20no%20Brasil_P.pdf

SNIS/ SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO. “Situação do Saneamento no Brasil”. Publicações de Diagnósticos.

Notas__________________________

1 “É dizer, na prestação de tais serviços, só poderá haver um prestador, uma vez que os custos iniciais são elevados (sunk costs) e os custos, para sua utilização, por cada novo usuário, são baixos (custos incrementais). Assim, para que a atividade se torne economicamente viável, deve-se retirá-la da esfera da concorrência para a obtenção de economias de escala e de eventuais economias de escopo, sobrepostas às economias de densidade, sob pena de a competição por usuários impossibilitar a amortização dos investimentos afundados.” (FREITAS, 2021)

2 Registra-se que a Lei no 14.026/2020 alterou a Lei no 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à ANA competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento.