Os desafios impostos pelo sequestro internacional de crianças

1 de julho de 2022

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Magistrados e especialistas debateram os aspectos civis e os desafios impostos pelos casos de sequestro internacional de crianças em workshop promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), com apoio do Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF3). O evento foi realizado de forma semipresencial, nos dias 2 e 3 de junho, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Participaram da oficina ministros do STF e magistrados dos tribunais federais, integrantes do Ministério Público Federal, da Advocacia-Geral da União, da Autoridade Central Administrativa Federal e da Polícia Federal, além de especialistas brasileiros e estrangeiros e representantes da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. O objetivo comum é estudar formas para melhorar a prestação jurisdicional nos processos de retorno de crianças e adolescentes, nos termos da Convenção de Haia de 1980.

A abertura do seminário foi realizada pela coordenadora do evento, a Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis Moura – que em agosto assumirá a Presidência do STJ e do Conselho da Justiça Federal. Em sua fala, ela ressaltou a complexidade dos processos de sequestro internacional de crianças e a alta carga emocional desse tipo de ação: “Esses processos são de fato muito difíceis para todos os envolvidos. Para nós juízes, além da carga emocional e da dificuldade técnica de lidar com o Direito e a prova estrangeiros, existe a dificuldade adicional de que não são casos cotidianos e que precisam de uma solução rápida”.

A Ministra Maria Thereza lembrou ainda que no Brasil não existe lei específica para tratar desse tipo de ocorrência, apesar da existência de uma resolução do CNJ. “Esse tipo de caso dá origem a um processo judicial que é da competência da Justiça Federal. Não temos uma lei específica para tratar desta matéria, mas temos a recente resolução 449/2022 do CNJ, que traz várias orientações para o procedimento. Essa é a importância desse workshop, que é um evento de debate e de aperfeiçoamento. Quisemos aliar a transmissão do conhecimento para conhecer a prática de outros países, com a construção de conhecimento como numa reunião de trabalho”.

Ainda na abertura, o atual Presidente do STJ, Ministro Humberto Martins, destacou que o objetivo do workshop é “buscar caminhos mais céleres para sanar os casos de sequestro, com o retorno de crianças e adolescentes ao seu país de residência habitual”.

Convenção de Haia – No primeiro painel de debates, a Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 1a Região Mônica Sifuentes agradeceu o apoio do Ministro Humberto Martins à elaboração do projeto de lei que regulamenta a aplicação da Convenção no Brasil: “Gostaria de mencionar que foi o Presidente do STJ quem teve a iniciativa de encaminhar ao ministro da Justiça um projeto de lei que é inovador tratando especialmente da disciplina da Convenção de Haia de 1980. (…) É urgente e premente para o Brasil ter um disciplina dos atos processuais para que possa acelerar o cumprimento da Convenção de Haia”.

A Convenção da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados-membros devem garantir o retorno imediato à residência habitual da criança retida de forma ilícita, como forma de promover e garantir seus melhores interesses.

A desembargadora federal frisou também a importância da mediação de conflito na fase pré-
processual para beneficiar a criança. “Vários casos poderiam ser resolvidos na fase da conciliação, inclusive em benefício da criança. Seria melhor para todos. É importante que a autoridade central desenvolva os meios para facilitar cada vez mais a conciliação e a mediação na fase pré-processual”, pontuou a magistrada.

Apoio psicológico – O jurista Scott Gordon, que é juiz de ligação para a Convenção de Haia de 1980 nos Estados Unidos, discorreu sobre o panorama judicial em seu país em situações de subtração internacional de crianças. Ele ressaltou a importância de ampliar o uso da mediação: “É muito animador, e penso ser o futuro do que estamos fazendo, trabalhar com juízes de outros países, como um time de mediação”.

No mesmo painel, a psicóloga e perita judicial Renata Bento destacou que o sequestro internacional, em geral, é consequência ou resultado de uma separação malsucedida, advinda de uma família disfuncional. Ela frisou também a importância da presença do psicólogo nesse tipo de caso, pois ele pode trazer uma outra perspectiva ao processo e ajudar o magistrado a tomar a melhor decisão possível.

“Lidar com a vida dos outros é muito difícil. Ter que decidir sobre a vida de uma família requer uma responsabilidade enorme, o que causa insegurança e medo. Por isso temos que pensar no papel do psicólogo, que pode ser um grande auxílio para o magistrado. Um corpo técnico experiente pode ajudar a iluminar pontos obscuros daquele processo. Não é função do juiz ver o conflito emocional, a função dele é decidir. Mas, se tiver um corpo técnico que possa auxiliá-lo, fica um pouco menos complicado”.

Outros destaques – A programação do workshop seguiu com palestras, oficinas e a apresentação de relatórios de grupos de trabalho, com a participação de especialistas e autoridades internacionais relacionadas ao tema. A programação completa pode ser assistida no canal de YouTube do Conselho Nacional de Justiça, a TV CNJ.