Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade poderá desencadear mudanças na composição racial da magistratura

2 de janeiro de 2023

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Informa a última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2021, que 56,1% da população brasileira é formada por pessoas negras, autodeclaradas pretas (9,1%) ou pardas (47%). Contudo, na magistratura, carreira de ápice do serviço público nacional, apenas 12,8% dos juízes se declaram negros, conforme a Pesquisa sobre Negras e Negros no Poder Judiciário, também publicada em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A discrepância está no enorme fosso socioeconômico e educacional que ainda separa negros e brancos em nosso País, 125 anos após a abolição de 1888, como herança dos três séculos e meio de escravidão oficializada no Brasil.

Alguns avanços foram registrados nas últimas décadas, sobretudo a partir do reconhecimento do Estado brasileiro da responsabilidade pela correção das distorções sociais provocadas pelo sistema escravocrata e posterior marginalização da população negra, na Conferência de Durban, na África do Sul, em 2001; da assinatura pelo Brasil de diversos tratados e convenções internacionais de enfrentamento ao racismo, à xenofobia e a todas as formas de intolerância; além de algumas medidas reparatórias aprovadas na esteira desses compromissos, parte delas inscritas no Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), como a política de cotas raciais para ingresso nos cursos de graduação nas universidades públicas.

São avanços cujos efeitos sobre a composição racial da magistratura já haviam sido detectados pelo CNJ, que captou aumento do ingresso de novos magistrados negros, de 12% para 21%, entre 2015 e 2020. Porém, segundo relatório do Grupo de Trabalho sobre Igualdade Racial no Poder Judiciário, também reunido pelo CNJ, se for mantido o ritmo atual, em 2044 o índice de cargos da magistratura ocupados por pessoas negras será de apenas 22%, ainda bem distante da participação negra na composição da população.

Para acertar o passo com a história e sedimentar o compromisso do Poder Judiciário com a legislação nacional e internacional de promoção dos direitos humanos, especialmente de igualdade e equidade racial, foi lançado no Plenário do CNJ em novembro, mês da Consciência Negra, o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial.

Eixos de atuação – Assinado pela Presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministra Rosa Weber, pela Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministra Maria Thereza de Assis Moura, e pelo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ministro Lelio Bentes Corrêa, o Pacto representa o engajamento formal do Poder Judiciário brasileiro na adoção de ações afirmativas e compensatórias para a superação da desigualdade racial e o combate ao racismo.

Com a previsão da adoção de programas, projetos e iniciativas em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição, o Pacto possui quatro eixos de atuação. O Eixo 1, de promoção da equidade racial no Poder Judiciário, contempla ações de fomento à representatividade racial no Judiciário e a regulamentação de comissões de heteroidentificação nos tribunais. O Eixo 2, de desarticulação do racismo institucional, prevê programas de formação inicial e continuada de magistrados em questões raciais, além de ações de prevenção e combate à discriminação racial no âmbito do Judiciário.

O Eixo 3, de sistematização dos dados raciais do Poder Judiciário, propõe o aperfeiçoamento da gestão dos bancos de dados para apoiar a implementação de políticas públicas judiciárias de equidade racial. E o Eixo 4, de articulação interinstitucional e social para a garantia de cultura antirracista na atuação do Poder Judiciário, contempla a adoção e compartilhamento de práticas e ações voltadas à correção das desigualdades raciais, ampliando a capacidade do Poder Judiciário de diálogo com os demais órgãos do sistema de Justiça e de interlocução com os movimentos sociais organizados.

Observatório e próximos passos – A assinatura do documento também marca a retomada das atividades do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, colegiado consultivo da Presidência do CNJ que subsidia a adoção de iniciativas para promover os direitos humanos no âmbito das unidades judiciárias. Com a ampliação do número de participantes, o Observatório passa a congregar 19 entidades da sociedade civil comprometidas com políticas de inclusão de vulneráveis.

A Coordenadora do Observatório, Desembargadora Carmen Gonzales, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), explica que o Pacto é firmado mediante termo de cooperação entre o CNJ e os tribunais. Sobre a materialização dos objetivos, metas e compromissos do documento, ela destaca que o Pacto surge no contexto de um Programa desenvolvido pelo CNJ para promover a equidade racial no Poder Judiciário, o qual é composto por diversos projetos e ações que serão desenvolvidas em diferentes frentes. 

“Nesse sentido, os próximos passos com relação aos Conselhos Superiores (Conselho da Justiça Federal e Conselho Superior da Justiça do Trabalho) e tribunais que já assumiram o compromisso serão a apresentação de um plano de trabalho, a fim de que comecem a ser desenvolvidas ações destinadas ao cumprimento dos quatro eixos. Com relação aos demais tribunais, a Presidente do CNJ, Ministra Rosa Weber, já enviou ofício convidando-os para que também sejam signatários do Pacto. Paralelamente a isso serão desencadeadas ações para que a formação inicial e continuada dos servidores e magistrados seja intensificada nessas questões, além da solicitação de  atualização dos bancos de dados, a fim de que as informações sobre cor/raça de magistrados, servidores, terceirizados e estagiários sejam conhecidas da maneira mais completa e próxima da realidade. Esses dados serão importantes para que se fortaleça a política de inclusão racial no Poder Judiciário, conhecendo aquelas áreas sobre as quais deverão ser adotadas medidas para redução das desigualdades”, acrescenta a magistrada. 

“Foi um dia muito especial, em que o Judiciário brasileiro assumiu o compromisso de romper com o racismo estrutural. Momento de emoção e de muita responsabilidade. Esse é mais um passo importante das mudanças que precisam ocorrer, porque equidade é justiça e precisa também ocorrer na Justiça. Esse pacto, fruto de um trabalho coletivo, representa o resultado de uma luta ancestral. Nenhum esforço que nos antecedeu foi em vão. E ainda há muito o que fazer”, comentou nas redes sociais o Juiz Auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César Santos Júnior, membro do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE).

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Enegrecendo a Toga

Estão abertas, até o dia 19 de janeiro de 2023, as inscrições gratuitas para o Curso Preparatório Enegrecendo a Toga, promovido pela Escola Nacional Associativa dos Magistrados do Trabalho (Enamatra), órgão de docência da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Ao todo serão disponibilizadas 20 vagas, voltadas a candidatos negros de baixa renda, preferencialmente do gênero feminino, como medida afirmativa para a inclusão de mais magistrados neste perfil. O objetivo é capacitar os candidatos em todas as fases do concurso, de modo a promover uma maior diversidade racial e social entre as juízas e juízes. Não será cobrada matrícula nem mensalidades dos alunos do curso, que será realizado no formato remoto, por meio da plataforma Zoom.

Mais informações no site da Anamatra.