Pela saúde da mãe trabalhadora

8 de julho de 2019

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Juíza trabalhista de origem, Ministra Rosa Weber deu o voto mais eloquente no julgamento do Supremo que vedou o trabalho insalubre das grávidas e lactantes

Por 10 votos a um, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.938 e, assim, declarou inconstitucionais trechos de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inseridos pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres. A ADI havia sido apresentada em abril de 2018 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos e o trecho questionado, agora afastado de forma definitiva, estava suspenso por determinação do relator da ação, Ministro Alexandre de Moraes.

Durante a sessão, realizada no final de maio, o Ministro Moraes votou pela derrubada do trecho, em posição acompanhada pela maioria de seus pares. Um dos votos mais eloquentes foi o da Ministra Rosa Weber, cujos melhores momentos destacamos a seguir:

Ministro Dias Toffoli – “Como vota a Ministra Rosa Weber?”

Ministra Rosa Weber – (após os cumprimentos) “Ontem (28/5), em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Ministro Luís Roberto (Barroso) lembrava que em nossos julgamentos nos deparamos com casos fáceis e com casos difíceis. Com todo respeito, ao examinar o processo apregoado, qualifiquei-o como um caso fácil, até porque o eminente relator (Ministro Alexandre de Moraes) já havia deferido liminar no sentido da suspensão das normas impugnadas. Digo, qualifiquei-o como um caso fácil no contexto dos questionamentos postos a esta Suprema Corte, em inúmeras ações de controle normativo de constitucionalidade aqui ajuizadas e concernentes a diferentes temas da dita reforma trabalhista de 2017.

Tenho alongado voto escrito sobre o tema em debate, mas esse sensível voto do Ministro Alexandre de Moraes, a quem parabenizo, por si só contém todos os fundamentos que me levam a endossá-lo e para que eu me limitasse a dizer ‘com o relator, presidente’, até em benefício do tempo da Corte. É evidente que a diversidade de ideias é ínsita à pluralidade e que as divergências existem sim, e são bem-vindas enquanto estimulam a reflexão, enriquecem o debate e nos levam ao aperfeiçoamento das ideias. Estimulada, contudo, pelas sustentações orais, permito-me algumas observações para dizer que faço parte de antiga geração de juízes do trabalho gaúchos que, pelo exemplo e pela força da voz de João Antônio Guilhembernard Pereira Leite[1], na cátedra da Faculdade de Direito de Porto Alegre, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi apresentada no início da década de 1970 a um Direito vivo, a um Direito presente na vida de todos nós, profundamente identificado com a ideia de justiça social em um País de tantas desigualdades econômicas e sociais; Direito centrado no homem que trabalha, paradoxalmente trabalhador livre e subordinado.

Pereira Leite, juiz do trabalho de carreira, que chegou à presidência do meu tribunal de origem, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), teve morte prematura. Sucedeu ao ministro dessa Corte, o ilustre Ministro Elói José da Rocha[2], e também ao Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Carlos Alberto Barata Silva[3], na cátedra de Direito do Trabalho na minha Faculdade de Direito, minha casa mãe, ou alma mater como gosta de dizer nosso ministro decano (Ministro Celso de Mello), alma mater de tantos ilustres integrantes desta Suprema Corte ao longo dos tempos, dentre os quais lembro, apenas para homenageá-los junto com o Ministro Elói José da Rocha, os Ministros José Néri da Silveira[4], João Leitão de Abreu[5], Paulo Brossard[6], Nelson Jobim[7], Teori Zavascki[8] e Ellen Gracie[9].

Nessa sensível área jurídica, senhor presidente – Carnelutti[10] já dizia que o Trabalho nada mais é do que um homem trabalhando – Pereira Leite, como mestre exemplar, descortinou-nos a realidade social diferenciada a que se referia Manoel Alonso Olea[11], que está na gênese do Direito do Trabalho e a ele permanece subjacente como e enquanto fonte normativa a nutrí-lo, e sobre a qual ele atua de uma perspectiva transformadora. Justamente essa realidade social diferenciada, que ensejou no plano internacional tantas lutas nas décadas que se seguiram às ditas revoluções industriais, veio a plasmar no ordenamento jurídico pátrio um complexo normativo de proteção ao trabalhador por conta alheia, a partir da afirmação da desigualdade substancial entre os sujeitos da relação de emprego. Esta desigualdade substancial ínsita ao vínculo empregatício, diante da vulnerabilidade do ser humano que aliena antecipadamente o resultado do seu trabalho a quem dirige-lhe a atividade, continua a exigir em nossos dias, independentemente do destinatário dos serviços, a afirmação do princípio tuitivo e informador do Direito do Trabalho e suas derivações, na tentativa, valendo-me mais uma vez da conhecida metáfora, de equilibrar os pratos da balança.

Nessa ótica, senhor presidente, lembrar a lição de Lacordaire[12] no campo do Direito do Trabalho é lugar comum e quase obrigatório para bem compreender esse ramo da Ciência Jurídica e seus princípios informadores. “Entre o forte e o fraco, o rico e o pobre, o patrão e o empregado, é a liberdade que oprime e a lei que liberta”. Os princípios informadores do Direito Material do Trabalho contaminam, segundo entendo, o próprio Direito Processual do Trabalho enquanto veículo de realização desse Direito tuitivo que, inclusive, hoje em nova perspectiva, é encarado como campo de debate, reflexão e exposição de teses opostas, sempre na tentativa de se chegar ao consenso e a uma solução mais justa.

Vou me permitir dizer também, senhor presidente, porque tem sido tão repetido em outra linha, que a Justiça do Trabalho, esse ramo especializado do Poder Judiciário Federal, diversamente do que se apregoa, em absoluto protege o trabalhador. Ela aplica um Direito informado pelo princípio da proteção do trabalhador, como o faz o Juízo Cível, por exemplo, quando aplica o Código de Defesa do Consumidor. O Direito do Trabalho teve a sua fonte no Direito Civil. Hoje, na verdade, em muitos sentidos, se formos aplicar nosso Código Civil de 2002-2003, teremos uma proteção mais efetiva ao trabalhador do que se aplicarmos a CLT com a reforma trabalhista. De qualquer sorte, respeito os pontos de vista contrários, entendo que os sistemas virão todos ao julgamento da Corte, sei que em inúmeros aspectos tenho uma posição vencida, mas não posso, senhor presidente, me perdoe, furtar-me de fazer hoje aqui essas afirmações.

A Constituição de 1988, ao erigir a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, e ao reconhecer expressamente os direitos fundamentais sociais, dentre eles o direito ao trabalho em seu art. 6º, com um elenco de direitos assegurados como patamar mínimo aos trabalhadores no art. 7º, provocou o deslocamento, todos sabemos, do núcleo do Direito do Trabalho, até então situado na legislação infraconstitucional e que assumiu envergadura constitucional (…) enfeixando com sua força normativa e profunda carga axiológica as regras e princípios unificadores do nosso sistema jurídico.

Com tal olhar e fiel aos princípios informadores desse segmento jurídico centrado no trabalho humano é que, a meu juízo, há de ser apreciada a reforma trabalhista como um todo e, em especial, esse tema sensível da proteção da maternidade e da infância. Aqui, senhor presidente, friso: não nego em absoluto, afirmo que diante da dinâmica da vida, do fenômeno da globalização e dos incessantes avanços tecnológicos contemporâneos se fazia necessária sim uma atualização e um aperfeiçoamento da legislação trabalhista, com sua adequação às novas realidades decorrentes da automação e quetais. Isso em absoluto se nega. Todavia, o pressuposto de toda reforma é o amplo debate prévio, a maturação das ideias e a formação de possíveis consensos, considerados e sopesados os diferentes enfoques e as perspectivas distintas dos atores envolvidos, a provocarem ora o ampliar do foco, ora o aguçar das lentes de observação, com vistas sempre ao aperfeiçoamento dos institutos e das regras vigorantes. O que sobreleva, presente sempre a matriz constitucional e respeitado seu norte, uma vez mantida em sua essência a realidade social determinante da existência do Direito do Trabalho, com as cores vívidas do fato social singular que conforma esse ramo da Ciência Jurídica.

Contam-se, senhor presidente, 96 anos desde a primeira norma de proteção ao trabalho da gestante em nosso País, a revelar quase um século de afirmação histórica do compromisso da nação com a salvaguarda das futuras gerações. O Decreto nº 16.300 de 29 de dezembro de 1923, ao aprovar o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, em seu art. 341 facultou à mulher empregada em estabelecimentos de indústria e comércio o repouso de 30 dias antes e depois do parto. Por outro lado, o art. 348 estabeleceu à mulher o dever de amamentação e ao empregador a obrigação de ensejar o cumprimento desse dever; enquanto o art. 349 determinou ao empregador providências para que as operárias possam sem prejuízo dispensar cuidados aos filhos.

A regulação das condições de trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e comerciais inaugura-se com decreto de 1932, o Decreto nº 21.417-A. Além de proibir distinção salarial a trabalho de igual valor por motivo de sexo, vedou a prestação laboral feminina nos subterrâneos, nas minerações em subsolo, nas pedreiras e nas obras de construção, bem como em atividades perigosas e insalubres. Proibiu ademais o trabalho da gestante durante o período de quatro semanas antes e depois do parto, com o percebimento de auxílio correspondente à metade do salário, facultando-lhe o rompimento do contrato de trabalho no caso de comprovação por atestado médico de prejuízo à gestação. À lactante, assegurou o direito de dois descansos diários especiais de meia-hora cada um durante os primeiros seis meses que se seguissem ao parto, em local apropriado à vigilância e assistência materna dos filhos em período de amamentação, a ser providenciado pelos estabelecimentos com mais de 30 mulheres acima dos 16 anos.

(…) A Constituição de 1934, no Título IV, da Ordem Econômica e Social, exaltou a maternidade e a infância ao destinar ao seu amparo 1% das receitas tributárias da União, dos estados e dos municípios; além disso previu a proteção dos direitos individuais das mulheres, garantiu a igualdade de remuneração, proibiu o trabalho nas atividades insalubres, assegurou assistência médica e sanitária à gestante, descanso antes e depois do parto sem prejuízo do salário e do emprego; e determinou a instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregado e do empregador a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidente de trabalho.

De curta duração, à Constituição de 1934 seguiu-se a Carta de 1937, que se limitou, mas garantiu à gestante assistência médica e período de repouso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário. A Constituição de 1946, todos sabemos, retomou a garantia da igualdade salarial e a vedação do trabalho feminino em atividades insalubres, mantida na Constituição de 1967.

Registro em perspectiva histórica a lição de Segadas Viana[13], rememorando as palavras de Pontes de Miranda[14], acerca da vedação constitucional ao trabalho da mulher em indústrias insalubres. Diz Segadas Viana: “A esse respeito vale repetir as palavras de Pontes de Miranda. Não há exceções legais. A legislação ordinária é importante, o preceito constitucional é exaustivo, cogente”. E ainda, sobre o mesmo assunto: “A situação da mulher adulta e menor não é a mesma, porém a Constituinte de 1946 preferiu vedar sem distinções o trabalho das mulheres nas indústrias insalubres”.

Comprometida com as conquistas civilizatórias definidoras do Estado Democrático de Direito, a Constituição de 1988 assenta-se sobre as bases da democracia e do exercício dos direitos fundamentais sociais e individuais, a edificar a identidade da sociedade brasileira, fundada nos valores supremos da igualdade e da justiça social. Nesse sentido, é inegável o avanço da nossa Constituição Cidadã na proteção da maternidade como direito social, da família como base da sociedade, bem como do planejamento como livre decisão do casal, fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, atribuindo ao Estado o dever de propiciar recursos educacionais e científicos para seu exercício.

Especificamente no âmbito da relação de emprego, a maternidade representa para a trabalhadora mãe um período de maior vulnerabilidade devido às contingências próprias de conciliação dos projetos de vida pessoal, familiar e laboral. Dessa forma, na perspectiva axiológica de valorização da maternidade em sua função social, os direitos fundamentais do trabalhador elencados no art. 7º da nossa Lei Maior, entre eles a licença à gestante sem prejuízo do emprego e do salário e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, bem como a estabilidade da gestante garantida no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), impõem limites à liberdade de organização e administração do empregador, de forma a concretizar, para a empregada mãe, merecida segurança no exercício do direito ao equilíbrio entre trabalho e família.

Na esteira da melhor doutrina, citando Ingo Sarlet[15], os posicionamentos doutrinários que negam aos direitos sociais a hierarquia de autênticos direitos fundamentais estão em dissonância com o sistema constitucional brasileiro, comprometido com a justiça social. Ainda que condicionados seus alcances a contextos específicos de cada direito social, os direitos fundamentais sociais possuem aplicação direta e imediata e submetem todos os órgãos estatais.

Nesse panorama diacrônico de afirmação dos direitos fundamentais sociais da mulher brasileira, particularmente nos movimentos da vida familiar destinados à gestação e à lactação, a Constituição Federal insere-se no conteúdo axiológico dos principais instrumentos internacionais dos direitos humanos em sua concepção contemporânea, considerada a partir das características da universalidade, indivisibilidade e interdependência, inaugurada com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

Lembro, senhor presidente, que o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591/1992, para além de conceder proteção especial às mães por um período de tempo razoável antes e depois do parto, reconhece o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental, nele compreendida uma variedade de fatores socioeconômicos, dentre os quais alimentação, habitação, acesso à água potável e condições sanitárias, meio ambiente saudável, saúde e segurança no trabalho. Nesse sentido, determina aos estados-partes, o Brasil é um deles, que assegurem medidas em direção à diminuição da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento das crianças e a melhoria de todos os aspectos de higiene, do trabalho e do meio ambiente.

No comentário geral nº 22 sobre o direito à saúde sexual e reprodutiva deste Pacto, elaborado em 2016, o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas afirma sua compreensão sobre o direito à saúde sexual e reprodutiva, que se irradia de forma a abranger determinantes sociais como educação, informação, proteção contra violência, tortura e discriminação, bem como saúde, segurança do trabalho e adequado meio ambiente do trabalho. No que diz respeito especificamente à saúde da mulher, devido a sua capacidade reprodutiva, a concretização do direito à saúde sexual e reprodutiva assume caráter indispensável ao exercício da sua autonomia e liberdade para construir seu projeto de vida. Nesse sentido, o alcance da igualdade de gênero requer que sejam consideradas as necessidades específicas da saúde da mulher, naquilo que diferem da saúde dos homens, de forma a garantir providências adequadas aos seus ciclos de vida.

Por outro lado, senhor presidente, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica e seu art. 17, posiciona na família o núcleo natural e fundamental da sociedade, pelo que deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado; enquanto o art. 19 estabelece que toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua saúde de menor requer, por parte de sua família, da sociedade e do Estado. Nessa esteira, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, em seu art. 24, reconhece o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde, nela abrangida a adequada assistência pré-natal e pós-natal.

Na doutrina de Flávia Piovesan[16], revelada a insuficiência da proteção dos direitos humanos nos primeiros instrumentos internacionais sobre a perspectiva da proteção genérica, geral e abstrata, iluminada pela igualdade formal, a vulnerabilidade a que são submetidos determinados grupos sociais tornou imperiosa a necessidade de proteção especial e particularizada. Neste contexto, a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para sua promoção. No cenário de conscientização da contribuição da mulher, não apenas ao bem estar da família, senão também ao desenvolvimento da sociedade, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada pelo Decreto nº 4.377/2002, compreende a maternidade a partir da sua função social. Nessa perspectiva, não pode ser causa de discriminação – principalmente na esfera do emprego, em que devem ser asseguradas condições de igualdade entre homens e mulheres e, em particular, o direito à proteção à saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução – e deverão ser tomadas todas as medidas em direção à concretização da igualdade material de gênero na fase em que o organismo da mulher está voltado aos cuidados com seu projeto de vida familiar.

Ainda nesse sentido, lembro a Convenção Fundamental nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a discriminação em matéria de emprego e ocupação, promulgada pelo nosso Decreto nº 62.150/1968, inserida na Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Direito do Trabalho, a qualificar como não-discriminatórias as medidas especiais destinadas às salvaguardas das necessidades particulares das pessoas que necessitem de proteção ou assistência especial, notadamente por motivos tais como sexo ou encargos de família.

Nesse panorama axiológico e normativo, senhor presidente, insere-se a questão que estamos a julgar, atinente à constitucionalidade da alteração promovida pela Lei nº 13.467/2017, no art. 394-A da CLT. Em aproximadamente um ano, a chamada Lei da Reforma Trabalhista revogou anterior vedação ao trabalho insalubre da gestante ou lactante introduzida pela Lei nº 13.287/2016 ao art. 394 da CLT, a fim de possibilitar o exercício de atividade insalubre pela empregada gestante nos graus médio e mínimo e pela lactante em qualquer grau, condicionado a recomendação do afastamento a atestado por médico da sua confiança.

No sistema normativo trabalhista brasileira, a regulamentação das atividades insalubres ou perigosas está inserida no âmbito da segurança e da medicina do trabalho e, como não poderia deixar de ser, considerada a perspectiva histórico-axiológica, o constituinte de 1988 priorizou a higidez física e mental do trabalhador, a monetização da saúde ou o risco decorrente da atividade laboral, ao inserir, no inciso XXII do art. 7º da Constituição Cidadã, o direito fundamental à redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. (…)

Feitas essas considerações, que procurei sumariar, senhor presidente, concluo dizendo que a alteração promovida pela Lei nº 13.467/2017 na redação do art. 394-A da CLT implica inegável retrocesso social, porquanto a revogar anterior norma proibitória do trabalho da empregada gestante e lactante introduzida no sistema normativo trabalhista em 2016, além de menoscabo ao direito fundamental à saúde da mãe trabalhadora, no que transfere ao próprio sujeito tutelado a responsabilidade pela conveniência de atestado no sentido da necessidade de afastamento do trabalho.

Acompanho o eminente relator, renovando meus cumprimentos a Sua Excelência.  É como voto”.

 

Notas____________________________________________

[1] Ingressou na Magistratura do Trabalho em 1963, tendo atuado na então Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ) de Santa Cruz do Sul. Presidiu as JCJs de Taquara, São Leopoldo e a 10ª de Porto Alegre, tendo sido, em 1973, promovido ao cargo de juiz togado do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, do qual exerceu a presidência no ano de 1983. Foi professor de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário na UFRGS.

[2] Presidente do STF de 1973 a 1975.

[3] Presidente do TST de 1982 e 1984.

[4] Presidente do STF de 1989 a 1991.

[5] Ministro do STF de 1974 a 1981, Presidente do TSE de 1978 a 1980.

[6] Ministro do STF de 1989 a 1994, Presidente do TSE de 1992 a 1993.

[7] Presidente do STF de 2004 a 2006.

[8] Ministro do STF de 2012 a 2017, Ministro do STJ de 2003 a 2012.

[9] Presidente do STF de 2006 a 2008.

[10] Francesco Carnelutti (1879-1965), foi um dos mais eminentes advogados e juristas italianos e o principal inspirador do Código de Processo Civil italiano.

[11] Manuel Alonso de Olea (1924-2003), foi professor de Direito do Trabalho e Segurança Social nas Faculdades de Direito das Universidades de Sevilha, Múrcia e Complutense de Madrid; também foi professor emérito em várias universidades estrangeiras e pesquisador associado na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos. É autor de várias obras influentes sobre Direito do Trabalho.

[12] “Entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c’est la liberté qui opprime et la loi qui affranchit”, Jean-Baptiste-Henri Dominique Lacordaire (1802-1861), em 1848, na Conferência de Notre-Dame de Paris.

[13] José de Segadas Viana (1906-1991) foi Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio no Governo Getúlio Vargas, jornalista, coautor da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e deputado constituinte em 1946.

[14] Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892-1979) foi jurista, filósofo, matemático, advogado, sociólogo, magistrado e diplomata. Foi Desembargador do antigo Tribunal de Apelação do Distrito Federal e membro da Academia Brasileira de Letras, tendo publicado mais de 300 livros e sendo considerado, até os dias de hoje, um dos mais citados pareceristas da jurisprudência brasileira.

[15] Ingo Wolfgang Sarlet (1963) é um jurista e magistrado brasileiro, professor titular da Faculdade de Direito da PUC-RS e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

[16] Flávia Cristina Piovesan (1968) é uma jurista e advogada pública brasileira, conhecida por sua obra voltada aos Direitos Humanos e ao Direito Internacional. É professora da PUC-SP, Procuradora do Estado de São Paulo e compõe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Ocupou o cargo de Secretária Especial de Direitos Humanos no Governo Federal entre 2016 e 2017.